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CAPÍTULO 1: REPRESENTAÇÃO, MANDATO E RESPONSABILIDADE

1.3 Controle do mandato e as formas de responsabilidade

1.3.2 Responsabilidade Administrativa

A autora francesa Hafilda Belrhali (2017 p. 64) ensina, no que concerne a responsabilidade política e a administrativa, que a primeira torna possível derrubar um governo que não mais desfrute da maioria parlamentar; já a segunda, possui característica compensatória. Ou seja, a responsabilidade administrativa apenas teria o condão de declarar o Estado ou outra pessoa jurídica responsável, sem que isso tenha a consequência de questionar os indivíduos.

Compreende-se que um ato administrativo ilegal pode ter culpa atribuída à Administração, sendo responsável a pessoa jurídica. Já os atos administrativos legais, sem defeitos formais, não seriam necessariamente passíveis de atribuição de culpa ou responsabilidade. É nesse ponto que Belrhali (2017 p. 190) destaca a viabilidade de assunção de uma responsabilidade sans faute21.

Progressivamente, a jurisprudência administrativa admitiu que para certos tipos de atos jurídicos sem vícios formais, porém cujas consequências configuraram danos específicos para certos cidadãos, trata-se de uma responsabilidade sans faute, ou seja, literalmente sem “falha” (BELRHALI, 2017 p. 190). A autora aponta que atualmente, à luz dessa interpretação, quase todos os atos jurídicos envolvem responsabilidade, salvo em virtude de casos em que haja proibição expressa por texto constitucional.

Hely Lopes Meirelles (2008 p. 806) considera que o termo mais adequado seria responsabilidade “política-administrativa”, a qual é resultado da violação de deveres éticos e funcionais de agentes políticos eleitos, que a lei especial indica e sanciona com a cassação do mandato.

Segundo o autor, ao tratar do chefe do executivo municipal, essa responsabilidade “deriva de infrações político-administrativas apuradas e julgadas pela corporação legislativa da entidade estatal a que pertence o acusado, na forma procedimental e regimental estatuída para o colegiado julgador” (MEIRELLES, 2008 p. 806).

Como administrador, [o prefeito eleito], pode cometer irregularidades simplesmente administrativas, que não lhe acarretam sanções pessoais; como governante, pode 21Faute: A tradução literal do termo para “culpa” pode gerar algumas incongruências, especialmente se

aproximado de uma noção de ilicitude. A melhor acepção do termo reside na tradução para a expressão “falta, falha, descuido”. Destaca-se que próprio conceito de faute se divide em dois elementos: objetivo e subjetivo, sendo o primeiro o dever violado e o segundo a imputabilidade do agente. Assim, a responsabilidade sans faute, a qual é excepcional, se aproxima da reponsabilidade objetiva, sendo necessário o nexo de causalidade entre uma ação ou omissão e cujo dano prevalece, sem ter que provar uma falha (mesmo que exista). Cf. PONTIER, Jean-Marie. La Responsabilité Administrative. 2017, pp. 13-15

incidir em infrações político-administrativas, que conduzem à sanção punitiva da perda do cargo, através da cassação do mandato.

(MEIRELLES, 2008 p. 806)

O agente político, enquanto espécie do gênero “agente público”, responderá administrativamente quando incorrer na prática do ato de improbidade, ou quando dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (DI PIETRO, 2017 p. 1082). No entanto por gozarem de prerrogativas especiais protetivas do exercício do mandato, cabem algumas ressalvas aos agentes políticos (DI PIETRO, 2017 p. 1083).

A Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa (LIA), prevê quatro modalidades de atos de improbidade, que correspondem aos atos: a) que importam enriquecimento ilícito; b) que causam prejuízo ao erário; c) que decorrem de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário; d) que atentam contra os princípios da Administração Pública (DI PIETRO, 2017 p. 1088).

Cada modalidade descrita anteriormente encontra previsão na Lei de Improbidade Administrativa, respectivamente, nos artigos 9, 10, 10-A e 11, os quais serão abordados no terceiro capítulo com mais detalhes.

Segundo Di Pietro (2017 p. 1088), o ato de improbidade pode corresponder a um ato administrativo, a uma omissão ou a uma conduta, desde que “praticado no exercício de função pública, considerada a expressão em seu sentido mais amplo, de modo que abranja as três funções do Estado”.

No que diz respeito às sanções, as quais são graduais conforme a gravidade da infração, um aspecto relevante está na possibilidade de aplicação cumulativa das penas previstas no artigo 12 da LIA. A justificativa para tanto reside no fato de que o ato de improbidade pode afetar valores de natureza diversa, o que torna “perfeitamente aceitável que algumas ou todas as penalidades sejam aplicadas concomitantemente” (DI PIETRO, 2017 p. 1095).

A Lei de Improbidade Administrativa, embora seja abrangente, especialmente na hipótese referente aos princípios, os quais podem alcançar infinidade de atos de improbidade (DI PIETRO, 2017 p. 1090), para que haja correto enquadramento, exige-se a presença de culpa ou dolo por parte do sujeito ativo. Com efeito, “dos dispositivos que definem os atos de improbidade, somente o artigo 10 fala em ação ou omissão, dolosa ou culposa” (DI PIETRO, 2017 pp. 1092-1093).

De relevo ressaltar, dentro da problemática do presente estudo, que o agente político, em especial o chefe do poder executivo municipal, poderá tomar decisões causadoras de danos, sem que a conduta seja configurada como ato de improbidade.

Isto porque os impactos sofridos pela sociedade podem decorrer da violação de um dever de cuidado e segurança na execução de um serviço público ou de uma política pública, sem, contudo, o dano alcançar a Administração Pública ou o erário, nem mesmo configurar ato de corrupção.

Considerando que a violação de um dever de cuidado pode derivar de uma omissão ou conduta culposa, a tentativa de invocar o ferimento a princípios da administração para enquadramento na lei resultaria em fracasso, tendo em vista que, apesar de sua larga abrangência, a modalidade culposa não é prevista para esta espécie normativa.

Nesse cenário, é válido concluir-se que a responsabilidade administrativa não seria a solução mais adequada na forma prevista atualmente pelo ordenamento jurídico brasileiro, por se tratar de uma lei especial com limitações ao enquadramento de condutas culposas, resultado da imprudência do prefeito na violação de um dever de cuidado ou segurança.