CAPÍTULO 3 A TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
3.3 Responsabilidade Civil da Administração Pública
3.3.1 Noções sobre a responsabilidade civil
Segundo entendimento de Enoque Ribeiro dos Santos46,
[...] a responsabilidade civil pode ser conceituada como a obrigação de responder pelas conseqüências jurídicas decorrentes do ato ilícito praticado, reparando o prejuízo ou dano causado. Essa responsabilidade pode ser contratual ou extracontratual, ou aquiliana, derivada da Lex Aquilia, oriunda do Direito Romano, que se traduz na violação a um preceito legal, sem conexão a uma norma contratual.
A responsabilidade civil está regulada nos arts. 159 e 927 do Novo Código Civil.
O art. 8° da CLT prevê a aplicação subsidiária ao Direito do Trabalho das regras dispostas no Direito Comum, na falta de disposições legais ou contratuais, naquilo que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.
A responsabilidade civil tem como requisitos, a ação ou omissão, o dano ou prejuízo causado à vítima, o nexo de causalidade e a culpa ou dolo do agente.
A responsabilidade civil pode ser subjetiva ou objetiva. A responsabilidade subjetiva funda-se na culpabilidade do agente, seja na modalidade de culpa restrita (negligência, imprudência e imperícia), seja na modalidade do dolo.
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SANTOS, Enoque Ribeiro. Responsabilidade civil subjetiva e objetiva do empregador em face
Encontra-se inserida no art. 186 do Novo Código Civil (NCC), sendo necessário que haja a concorrência do fato lesivo voluntário, causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência; ocorrência de um dano material ou moral e o nexo de causalidade entre o fato e o comportamento da vítima.
A responsabilidade objetiva no NCC é baseada na teoria do risco, inerente à própria atividade do empregador, que assume os riscos da atividade econômica. O pagamento da indenização independe de dolo ou culpa, sendo necessário apenas a prova do prejuízo e o nexo de causalidade.
Cumpre ressaltar que nos casos de responsabilidade indireta, é cabível o direito de regresso daquele que suportou os danos contra o agente que praticou o ato.
A culpa manifesta-se em duas modalidades, culpa “in eligendo” e “in vigilando”.
A culpa in eligendo dá-se pelo fato de não se ter selecionado de maneira correta as empresas terceirizadas. Também se vislumbra a culpa in
vigilando quando não se souber fiscalizar o trabalho desempenhado pelas
terceirizadas.
3.3.1.1 Da responsabilidade objetiva da Administração Pública
A Lei de Licitações, aparentemente, pretendeu excluir a Administração Pública de qualquer responsabilidade em caso de terceirização. Entretanto, a jurisprudência dominante não tem acolhido a tese de irresponsabilização do Estado e suas entidades, nos casos de obrigações trabalhistas resultantes da terceirização pactuada.
A Súmula 331, editada em dezembro de 1993, quando já em vigor a Lei de Licitações, reportou-se aos entes estatais apenas para conferir vedação constitucional de não estabelecimento de relação empregatícia entre o trabalhador e
o Estado, sem a observância do requisito formal do concurso público (inciso II da Súmula 331 do C. TST). Em relação à responsabilização em casos de terceirização, não excepcionou o Estado e suas entidades (inciso IV da referida súmula).
A responsabilidade objetiva da Administração Pública tem fundamento constitucional, cuja conceituação consolidou-se nos seguintes termos:
Art. 37 – [...] [...]
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Assim, a Súmula 331, IV, não pode acolher a tese de irresponsabilidade dos órgãos da Administração Pública contida no art. 71, par. 1º, da Lei de Licitações. Tal privilégio é flagrantemente inconstitucional e, nesta condição, não deve produzir efeitos.
Tem-se que aos entes estatais aplica-se a regra da responsabilidade objetiva, respondendo pelos créditos trabalhistas em caso de inadimplência da empresa terceirizada.
Neste sentido, é o entendimento de nossos Tribunais:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA (SÚMULA 331, IV, TST).
OFENSA AO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O artigo 37, §
6º, da Constituição Federal, que consagra a responsabilidade objetiva da
Administração, sob a modalidade de risco administrativo, o faz, impondo
ao ente público a obrigação de indenizar, sempre que causar danos a terceiro,não importando que esse dano se origine de empresa que com ela contratou e executou a obra ou serviço. OFENSA AO ART. 171, § 1º, DA LEI 8.666/93. O entendimento, firmado à luz do art. 71 da Lei 8.666/93, tem por objetivo evitar que o empregado seja prejudicado devido à inadimplência por parte da empresa que presta serviços, ainda que o tomador integre a Administração Pública direta ou indireta, e que a contratação tenha ocorrido mediante regular processo licitatório. Agravo de Instrumento a que se nega provimento”. (TST, AIRR – 52005/2002-900-09- 00, D.J. 25/06/04)
“ÓRGÃO PÚBLICO – ANÁLISE DA MATÉRIA FRENTE AO DISPOSTO NO ART. 71 DA LEI Nº 8.666/93. O art. 71 da Lei nº 8.666/93 parte em que exime a
Administração Pública da responsabilidade pelo pagamento dos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais assumidos pelas empresas que contrata, deve ser interpretado em consonância com o par. 6º do art. 37 da CF, que atribui responsabilidade objetiva às pessoas jurídicas de direito público. Analisado
isoladamente, aquele dispositivo malfere os princípios de proteção ao trabalhador estampados nos arts. 1º, incisos III e IV, e 7º do Diploma maior. Mesmo sujeito a procedimento licitatório, o ente público tem possibilidade de escolher as empresas que vai contratar e se contratada mostrar inadimplente, a si serão imputáveis as culpas in vigilando e in eligendo, atraindo a aplicação do art. 927 do Novo Código Civil. Mantém-se, destarte, a responsabilidade subsidiária imposta ao Município reclamado, nos moldes da orientação jurisprudencial sedimentada na Súmula nº 331, IV, do CTST”. (TRT – 15ª Reg., 4ª T, REO nº 00760-2002- 017-15-00-7-São José do Rio Preto-SP; ac. nº 020441/2003; Rela. Juíza Vera Teresa Martins Crespo; j. 8/7/2003; v.u.)
Ainda que se entenda não ser cabível, nos casos de terceirização, a regra da responsabilidade objetiva do Estado, não se pode negar a responsabilidade subjetiva do mesmo, na modalidade de culpa in eligendo e in vigilando.
A responsabilidade subjetiva é própria de qualquer pessoa jurídica, não tendo a Carta Política excluído o Estado, desta responsabilização.
A entidade estatal que firmar contrato de terceirização com empresa inidônea comete culpa in eligendo, pela má escolha do contratante e in vigilando, pela má fiscalização das obrigações contratuais e seus efeitos.
Assim, quer em face da responsabilidade objetiva inerente ao Estado, quer em face da responsabilidade subjetiva aplicável a qualquer pessoa jurídica, as entidades estatais devem responder pelos débitos trabalhistas resultantes da terceirização.