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1.4 Classificações

1.4.3 Responsabilidade de meios e de resultado

A última classificação a ser mencionada é aquela que contrapõe a responsabilidade decorrente de obrigações de meios àquelas outras advindas de obrigações de resultado. Essa categorização detém suma relevância no presente estudo, tendo em vista que há grande divergência doutrinária ao subsumir uma delas (meios ou resultado) à responsabilidade civil do cirurgião plástico desprovido de finalidade terapêutica. Este primeiro momento, todavia, cinge-se a apresentar um panorama geral da matéria, oportunizando o tratamento específico da referida discussão em capítulo próprio.

Essa distinção geralmente é atribuída a Demogue52, o qual a elaborou para

desenvolver soluções a respeito da repartição dos ônus probatórios na seara das obrigações contratuais e delituais (COMPARATO, 2010, p. 335).

Para o autor francês não existia nenhuma diferença no que toca ao ônus probatório das ações de responsabilidade fundadas na inexecução contratual em cotejo às ações embasadas em danos extracontratuais. Em sua concepção, independentemente da relação jurídica travada entre as partes – seja contratual ou extracontratual, seja positiva ou negativa – , cumpriria sempre ao autor provar “o dano, a existência de uma obrigação a cargo do réu, o

51 Cavalieri Filho não destoa dessa cognição, já que não entende ser possível tal interpretação em detrimento da

vítima da situação danosa. Segundo o aludido jurista, “Seria ilegal utilizar o critério do grau de culpa para

aferir o valor da indenização objetiva, na qual a culpa não tem nenhuma relevância” (2012, p. 40).

52 Comparato tem ressalvas a atribuir a origem dessa distinção a Denogue, pois desde os fins do Século XIX a

descumprimento deste dever e o nexo de causalidade entre o dano e a violação” (RENTERIA, 2011, p. 13).

Apesar disso, Demogue estava atento à dificuldade na produção da prova em certas obrigações, principalmente a depender de sua natureza, se “de meios” ou “de resultado”, motivo pelo qual distinguiu o ônus probatório justamente com base nesses critérios (RENTERIA, 2011, p. 15).

Segundo essa última formulação, existem certas relações jurídicas cujo devedor está adstrito a comportar-se nos moldes do homem médio, atribuindo a prova de que não o fez ao credor dessa mesma relação. Por outro lado, há relações em que é facultado ao credor exigir a produção de resultado determinado, sem o qual a obrigação finda-se por inadimplida. Nesses casos, o devedor é compelido a comprovar que não há sua influência culposa na não consecução do resultado esperado (COMPARATO, 2010, p. 336).

Em termos mais claros, a primeira obrigação foi taxada como “de meios”. É aquela na qual se exige do devedor um atuar prudente e diligente a fim de alcançar determinado resultado, sem, todavia, comprometer-se a obtê-lo. Nessas relações, cumpre ao credor comprovar que o resultado esperado não foi atingido porque o devedor não se utilizou da melhor técnica a que estava adstrito em função da profissão que exerce (DINIZ, 2013, p. 313-314).

De forma diversa, a segunda obrigação foi denominada como “de resultado”. Esta, por seu turno, é aquela na qual o devedor é compelido a produzir resultado determinado (cirurgião plástico estético para a maioria da doutrina), sem o qual haverá o descumprimento do ajuste entabulado com todos os seus consectários. Um deles é constituir o devedor em mora, impondo-lhe o desígnio de provar que a ausência do resultado prometido não adveio de seu atuar culposo, mas de alguma situação que rompa o nexo etiológico entre sua conduta e o resultado diverso. Ou seja, há uma presunção de culpa em face do devedor (DINIZ, 2013, p. 314-315).

Em verdade, essa distribuição dos ônus da prova em matéria contratual advém mais de uma interpretação da doutrina francesa dada a teoria de Demogue do que de sua própria formulação. Aliás, tal hermenêutica teve como objetivo dirimir a contundência do ônus da prova na responsabilidade contratual que, a princípio, seria sempre do devedor e a

partir dessa interpretação passou a ser relativizada, ao menos quando as obrigações possuíssem natureza “de meios”53 (RENTERIA, 2011, p. 20-21).

Com efeito, em Franca houve também quem interpretasse a teoria em análise como alicerce para justificar a distinção entre a responsabilidade subjetiva e a objetiva. Outros viam utilidade nesse binômio tão somente para apurar o conteúdo da obrigação e, em ato contínuo, desvendar se houve ou não o descumprimento obrigacional. Por fim, a parcela majoritária da doutrina francesa desistiu de “qualquer tentativa de justificar a relevância da distinção” (RENTERIA, 2011, p. 23-25)

Não foi diferente no Brasil, onde essa falta de rigor no trato jurídico-teórico resultou em grande insegurança jurídica, mormente nas relações entre cirurgiões plásticos estéticos e seus pacientes:

À mingua de uma posição inequívoca sobre os efeitos decorrentes do descumprimento da obrigação de resultado, os tribunais continuam a proferir decisões contraditórios que ora presumem a culpa do médico pela não obtenção do resultado esperado pelo paciente, ora submetem o profissional ao regime muito mais rigoroso da responsabilidade objetiva, em que não se admite a prova da ausência de culpa como excludente do dever de reparar o evento danoso (RENTERIA, 2011, p. 39).

Por fim, uma última controvérsia dentre as tantas existentes quando se estuda essa classificação é a de que tais lições – inspiradas em Demogue – utilizam as nomenclaturas próprias das relações jurídicas contratuais (credor e devedor), o que poderia restringir a classificação em análise ao âmbito de atuação da responsabilidade civil contratual54. Ao

menos nesse sentido caminhou a jurisprudência francesa, país no qual a teoria nasceu (RENTERIA, 2011, p. 19).

Entretanto, Comparato assevera ser possível aplicar às obrigações extracontratuais referida classificação, mormente quando todos os membros de uma coletividade são compelidos a um resultado objetivo do agir humano. Em outras palavras, o agir em maneira contrária ao modus operandi imposto pela norma denotaria, em si, contrariedade a uma obrigação de resultado (2010, p. 343-344)

A todo modo, como as obrigações dos cirurgiões plásticos embelezadores sempre contém respaldo contratual, nítida seria, em tese, a aplicação dessa classificação aos eventuais

53 Apesar de não lograr grande êxito nos tribunais franceses (RENTERIA, 2011, p. 22), a distinção foi bem

aceita pela doutrina e jurisprudências pátrias, discussão que será aprofundada quando se analisar a natureza da obrigação médica.

54 É o posicionamento de Maria Helena Diniz para quem “não pode deixar de ser contratual a responsabilidade

danos por estes causados, sendo necessário saber apenas sob qual das subespécies sobreditas – meios ou resultado.

2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO

A análise das minucias da responsabilidade civil médica e a consequente integral compreensão da matéria é questão enigmática na doutrina e jurisprudência brasileiras, visto que, para tanto, é premente o estudo de quase todos os pressupostos da teoria geral da responsabilidade civil anteriormente expostos (MIRAGEM, 2010, p. 678).

Além disso, referido ramo do direito civil abrange tanto a responsabilidade civil dos profissionais liberais (autônomos) quanto a responsabilidade dos estabelecimentos hospitalares e outras organizações que possuem como objeto a prestação de serviços à saúde humana, o que mostra a amplitude dessa seara jurídica (MIRAGEM, 2010, p. 678).

Este capítulo, após breve análise dos mais diversos institutos que compõem a responsabilidade civil, pretende explanar a responsabilidade dos médicos em suas variadas nuanças, apresentando ao leitor um panorama mais aprofundado da matéria e que seja apto a trilhar os passos rumo ao cerne do presente trabalho, qual seja, a responsabilidade civil dos cirurgiões plásticos estéticos.