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RESPONSABILIDADE DO MÉDICO À LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA DO

A aplicação do Código de Defesa do Consumir na relação médico/paciente não é matéria pacífica, pois ainda há forte divergência quanto a natureza jurídica desta relação.

No campo médico, em específico, verifica-se a resistência dos profissionais da medicina em reconhecer que a relação médico e paciente possa ser regulada pelo Código do Consumidor, pois muitos negam tratar-se de relação consumerista.

Inclusive o Novo Código de Ética Médica dispõe expressamente no Capítulo I, inciso XX que: “a natureza personalíssima da atuação profissional do médico não caracteriza relação de consumo”.

Contudo, não há pretensão de aprofundar o debate, mas tão somente analisar como o Código de Defesa do Consumidor trata a questão da responsabilidade médica.

E nesse aspecto a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, prevê, em seu art. 14, parágrafo 4º, a necessidade de verificação da culpa do médico para a apuração de sua responsabilidade, trazendo a seguinte redação: "A responsabilidade pessoal dos

profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa."

Com isso, é possível afirmar que a responsabilidade do médico no Código de Defesa do Consumidor, assim como no Código Civil, é subjetiva.

Mas, caso este médico venha futuramente a se filiar a uma clínica ou hospital, terá este responsabilidade baseada na culpa, ao passo que a clínica ou hospital responderá de forma objetiva, pois de acordo com o caput do artigo 14 da citada lei:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes e inadequadas sobre sua fruição ou risco.

Como já anteriormente relatado, a responsabilidade do médico tem como elemento essencial para a indenização do dano a presença do elemento culpa em uma de suas três modalidades: negligência, imprudência ou imperícia, segundo o art. 186 do Código Civil, ou ainda, a presença do dolo.

A relação jurídica médico-paciente, é classificada como contratual, porém, retirando- se as exceções apontadas pela doutrina da cirurgia estética e da anestesiologia, o médico assume obrigação de meio e não de resultado. Sendo assim, ao paciente cabe provar a

culpa ou dolo do profissional médico. Já nos casos de cirurgiões estéticos e anestesiologistas, cabe ao médico o ônus probatório da ausência de sua responsabilidade.122

Dentre os defensores da aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações entre médicos e pacientes afirma Resener: “Em que pese a excludente do parágrafo 4° do artigo 14, o médico, como prestador de serviços que é, está submetido ao disciplinamento do Código de Defesa do Consumidor e deverá observar os direitos básicos do consumidor.”123

Contudo, e como adverte a Professora Rachel Sztajn, o CDC deve ser aplicado de maneira parcimoniosa ao médico, porque este profissional não é empresário e porque a relação médico-paciente é personalíssima.124

O contrato de prestação de serviços médicos é um contrato de consumo peculiar, de maneira que nem todas as disposições do Código de Defesa do Consumidor são diretamente aplicáveis.

10.1.

O direito à informação e o dever de informar

O médico além de obedecer aos mandamentos éticos atinentes à sua profissão, deverá pautar sua conduta nos dispositivos do Código Civil (artigos 186, 927), além de observar os dispositivos do CDC naquilo que lhes forem aplicáveis, sob pena de responder civilmente não só por negligência, imprudência ou imperícia, mas também, nas hipóteses em que o seu atuar venha a ferir os direitos básicos do consumidor.

Dentre os deveres do médico podem ser elencados: o dever de prestar as informações adequadamente; não promover publicidade enganosa; não inserir no contrato médico cláusulas abusivas, ou ainda, uma cláusula de não indenizar; não exorbitar de sua posição na relação contratual; fornecer orçamento prévio, nas situações em que isto é possível.

Assim, na relação médico-paciente, o direito à informação, mais do que uma decorrência da boa-fé objetiva, apresenta-se como um desdobramento da autonomia e dignidade da pessoa humana, primado da ordem jurídica brasileira.

122 POLICASTRO, Décio. Erro médico e suas consequências jurídicas. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010 p. 10

123 RESENER, Ana Maria Sendtko. A responsabilidade civil no erro médico frente ao Código de Defesa do

Consumidor. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para a obtenção do grau de bacharel em Direito

pela Universidade Regional de Blumenau - FURB. Blumenau, 2003. p. 44.

124 SZTAJN, Rachel. A responsabilidade civil do médico: visão bioética. Artigo publicado na Revista de

Segundo Paulo Antônio de Carvalho Fortes:

respeitar a autonomia é reconhecer que ao indivíduo cabe possuir certos pontos de vista e que é ele que deve deliberar e tomar ações seguindo seu próprio plano de vida e ação, embasado em crenças, aspirações e valores próprios, mesmo quando divirjam daqueles dominantes na sociedade.125

Assim, o dever de informar do médico decorre do direito à autonomia do paciente. E como aponta Christoph Fabian, ao dever de informar corresponde a necessidade de o médico obter o consentimento do paciente para todo e qualquer procedimento médico, consentimento este que pressupõe o conhecimento real ou efetivo do paciente, sob pena de ineficácia.126

O dito consentimento esclarecido é, portanto, manifestação da essência do princípio da autonomia. Citando novamente Paulo Antônio Carvalho Fortes, é:

ato de decisão voluntária, realizado por uma pessoa competente, embasada em adequada informação e que seja capaz de deliberar tendo compreendido a informação revelada, aceitando ou recusando propostas de ação que lhe afetem ou poderão lhe afetar.127

Porém, não basta revelar ao paciente as informações, é preciso que o médico se assegure de que o doente compreendeu as explicações que lhe foram dadas. Daí, novamente, a necessidade de o profissional médico observar o padrão subjetivo de cada paciente, adaptando as informações às circunstâncias do caso e às condições do indivíduo que é atendido.

No direito do consumidor, o dever de informar é tido como decorrente do princípio da boa fé objetiva.128

O princípio da boa fé-objetiva, na sistemática do Novo Código Civil, é cláusula geral que serve de parâmetro de validade a todos os contratos celebrados, não só nas relações de consumo, como também nas relações civis e comerciais.

Segundo Gustavo Ordoqui Castilla, a essência do dever de informar é proporcionar ao consumidor a verdade sobre os aspectos da contratação que são determinantes de seu consentimento e que contribuem para que esse consentimento seja mais refletido e

125 FORTES, Paulo Antônio de Carvalho. Reflexões sobre a bioética e o consentimento esclarecido. Artigo publicado na Revista Bioética, v. 2, n. 2, 1999, pp. 129 a 135. p. 130.

126 FABIAN, Christoph. O dever de informar no direito civil. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002. 127 FORTES, Paulo Antônio de Carvalho. Reflexões sobre a bioética e o consentimento esclarecido. Artigo publicado na Revista Bioética, v. 2, n. 2, 1999, pp. 129 a 135. p. 130.

128 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Artigo publicado na

consciente. Sua finalidade é proporcionar uma maior proteção do consentimento, de forma a que os contratantes atuem com maior conhecimento e liberdade. Sinteticamente, um consentimento devidamente informado é um consentimento consciente. 129

Isso adquire especial relevo na análise do direito à informação, pois enquanto que na relação de consumo propriamente dita o destinatário da informação é o consumidor "médio" ou "típico", consistente num tipo ideal, construído a partir do interesse coletivo de todos os destinatários, na relação médico-paciente o destinatário da informação é o paciente em concreto, um indivíduo dotado de características únicas e inserido num contexto social, familiar e pessoal absolutamente peculiar.

Assim, por exemplo, numa situação concreta o que deve o médico dizer ao paciente quando está diante de um diagnóstico ou prognóstico difícil?

Segundo Léo Pessini, esta é uma das questões éticas mais delicadas e difíceis que os profissionais da saúde e familiares enfrentam hoje. Num passado não muito distante, a mentalidade cultural defendia a crença de que quanto menos o paciente soubesse a respeito de seu estado de saúde, melhores seriam as chances de recuperação. Com o crescente despertar dos direitos dos pacientes, entre os quais o direito de saber a verdade, existe hoje a tendência para que se adote uma postura aberta, honesta e verdadeira para se revelar as reais condições de saúde do paciente.130

Além disso, o Código de Ética Médica veda ao médico omitir o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, exceto quando a comunicação direta ao paciente puder provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao responsável legal.131

Portanto, hoje é possível afirmar que os médicos devem, sempre que o estado do paciente permitir, cumprir sua missão de informar.

129 CASTILLA, Gustavo Ordoqui. Deber de información en la Ley 17.189, de 20 de setiembre de 1999. Artigo publicado na Revista de Direito do Consumidor, v. 9, n. 34, 2000, pp. 55 e 75.

130 PESSINI, Léo. O Direito de Saber. In Revista Essencial. São Paulo: Ypê Editora e Publicidade Ltda. Ano 4, n. 21, .p. 24

131 Conf. Artigo 34 do Código de Ética Médica. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2009.