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Capítulo IV. Empresas Transnacionais

4.3 Responsabilidade internacional das Transnacionais

Já se discutiu que, muito embora as empresas transnacionais atuem no âmbito do Direito Internacional, elas não são ainda consideradas como sujeitos do Direito Internacional, acabando por serem reguladas e responsabilizadas localmente.

Este entendimento baseia-se no fato de que estas pessoas deveriam ser reguladas internamente no local onde atuam. Entretanto, o fato é que as empresas transnacionais atuam como grupos, sob orientação e direção de uma ou mais controladoras, muito embora estejam organizadas localmente, segundo as leis do Estado onde estabelecem cada uma de suas subsidiárias. Percebe-se, portanto, que sua atuação já ultrapassou as barreiras estatais e não há como negar que se inseriram no plano internacional e deveriam se sujeitar a uma jurisdição também internacional.

Esta visão, de mantê-las sujeitas ao Direito Interno, além de não refletir a realidade dos fatos claramente, pode vir a se tornar um empecilho à realização dos Direitos Humanos Internacionais, uma vez que, como já

demonstrado, alguns Estados se encontram em posição de menor poder econômico e político do que certas corporações multinacionais.

As empresas transnacionais ao passo que podem se tornar um foco de multiplicação e implementação dos Direitos Humanos ao redor do globo, diante de sua presença maciça em vários países, por outro lado, também podem em algumas situações causar danos a populações.

A constatação de que nem sempre os Estados foram capazes de garantir a proteção dos Direitos Humanos, internamente, deu ensejo a um amplo sistema de proteção em âmbito internacional, mediante o qual a punição dos responsáveis e a cessação das ofensas é perseguida (vide por exemplo o TPI – Tribunal Penal Internacional, e as Cortes Interamericanas de Direitos Humanos, Européia de Direitos Humanos e Corte Africana de Direitos Humanos e dos Povos).

Uma vez que os princípios protetores dos Direitos Humanos se impõem imperativamente sobre todos, nisto incluídas pessoas físicas e jurídicas, além de Estados e Organizações Internacionais, consideramos que as TNCs também apresentam a possibilidade de, mediante suas ações, causar ofensas aos Direitos Humanos. Estas violações, porém, se deixadas apenas à jurisdição interna do Estado onde ocorrem, têm o risco de restar não compensadas e nem tampouco cessadas. Isto se dá porque a responsabilização, em face da situação vigente, pode ser extremamente difícil, uma vez que subsidiárias nem sempre dispõem das divisas necessárias à efetiva compensação dos danos. Por outro lado, a necessidade que têm alguns países em desenvolvimento de manter os IEDs representa, também, fator de empecilho, já que o próprio Estado tem pode quedar-se inerte nesta responsabilização. Ainda, relativamente a isto, há a questão de que a atuação da TNC talvez se encontre em absoluta consonância com o Direito Interno do Estado, muito embora, no plano internacional, sua atitude seja condenável (caso dos Estados que não asseguram o respeito aos Direitos Humanos e não cumprem as recomendações das Organizações Internacionais). Por último,

inúmeros contratos firmados entre TNCs e Estados remetem a solução dos litígios à arbitragem, quedando-se inaplicável o direito interno.

Neste ponto, o respeito aos princípios gerais do Direito Internacional, especialmente àqueles de caráter imperativo, que se impõem aos sujeitos do Direito Internacional, surge como máximas a serem seguidas por estas corporações.

Em que pese a clássica divisão - O Direito Internacional Público seria aquele destinado a reger estas relações interestatais e o Direito Internacional Privado regularia as relações entre os particulares – na prática verifica-se uma inter-relação grande entre estes dois ramos.

Nem sempre é possível delinear com precisão onde terminam as relações particulares e se iniciam aquelas Estatais. Nota-se que, na maioria das vezes, as relações travadas entre particulares são reguladas por convenções firmadas entre Estados. Ora, qualquer regra elaborada por meio de acordo entre Estados é, do ponto de vista formal, uma regra de Direito Internacional Público. Daí porque, em alguns casos, o Direito Internacional Público se imiscui com o Direito Internacional Público Privado.

Na realidade o Direito Internacional Público é feito de regras gerais e regras particulares, justapostas. Novamente Nguyen Quoc Dinh180

esclarece que “a noção de norma geral é ambígua. Ela apresenta vários sentidos. Seu significado mais operatório é o da Geografia. Assim o Direito Internacional Público geral é aquele que é aplicável à comunidade internacional universal”.

Neste mundo interligado pessoas físicas, mas, em maior grau, pessoas jurídicas, mantêm relações, contratuais ou não, cada vez mais profundas com Estados estrangeiros. Estas relações também tendem a se aproximar de um regime de Direito Público.

180 DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p.

Conforme Francesco Francioni181.

[...] hoje a atenção da comunidade jurídica internacional está gradualmente se voltando para atores não estatais em detrimento de atores estatais, especialmente grandes empreendimentos econômicos, como causa possível de violações aos direitos humanos. Não porque os Estados tenham deixado de cometer tais abusos. A razão para esta mudança de foco está relacionada, em alguma extensão, ao processo que, de forma generalizada, chamamos de globalização. A mudança na estrutura da economia internacional, a abertura de mercados nacionais e a remoção de barreiras à circulação de bens, serviços e capitais, enfraqueceu o escudo da soberania nacional. Os Estados estão menos equipados do que no passado. Novos centros de poder emergiram (tradução livre).

A resistência da comunidade internacional e da própria doutrina em reconhecer o grupo transnacional como sujeito do Direito Internacional cria um ambiente propício à existência de abusos, já que este não se sujeita ao sistema jurídico reconhecido internacionalmente, subordinando-se, entretanto, à jurisdição interna dos Estados, não como um grupo, mas individualmente, por meio de cada subsidiária.

Em nosso entendimento a situação fática hoje posta em relação às transnacionais não deixa dúvidas de que sua atuação gera efeitos no âmbito do Direito Internacional e, portanto, deveriam se sujeitar às suas normas, as quais, em última análise, lhes são também destinadas, independentemente do local onde estiverem atuando.

Assim, uma empresa transnacional que atua nos EUA e na China deveria seguir as mesmas práticas relativas ao respeito aos Direitos Humanos, por ser esta uma obrigação imposta pelo ordenamento internacional.

181 […] today, the attention of international lawyers is gradually shifting from state to non-state actors,

especially large business enterprises, as a possible cause fo human rights violations. The reason for this shift of focus are related, to some extent, to the process that, with a ubiquitous term, we call globalization. The changing structure of the international economy, the opening of national markets and the removal of traditional barriers to the circulation of goods, services and capital, has weakened the traditional shield of national sovereignty. States are less able than in the past. New centers of power have emerged. (FRANCIONI, Francesco. Alternative Perspectives on International Responsibility for Human Rights Violations by Multinational Corporations, in BENEDEK, Wolfgang, FEYLER, Koen de & MARRELLA. (orgs.) Economic Globalisation and Human Rights. Cambridge: University Press, 2007, p. 245).

As empresas transnacionais, como grupos organizados que atuam em diversos Estados, não podem minimizar o seu papel de importantes promotores de uma globalização justa e equânime.

Ademais, práticas diferenciadas em diversos Estados, como aquela apontada pela pesquisa do Instituo Brasileiro de Defesa do Consumidor, podem caracterizar-se como discriminatórias, em total afronta aos Direitos Humanos.