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2. Breve análise histórica do administrador judicial na legislação

3.5 Responsabilidade

3.5.2 Responsabilidade penal

O administrador judicial está arrolado como sujeito ativo no crime de violação de impedimento, descrito no artigo 177 da LRE461. Assim, praticará crime o administrador judicial que adquirir, diretamente ou através de terceiro, bens da massa falida ou da devedora em recuperação judicial, ou entrar em alguma especulação de lucro, nos processos que atuar. Trata-se, pois, de crime próprio, face à qualidade especial do sujeito ativo, e de consumação antecipada, posto bastar a mera especulação de lucro para restar configurado. O tipo se completa com a intenção, pouco importando o preço pago, o valor do bem ou o resultado da negociação462. Aliás, não é nem necessário ocorrer prejuízo à empresa em recuperação ou falida; pelo contrário, como destaca Arthur Miglari Júnior, a venda pode reverter até benefícios ao devedor ou à falida, mas o crime já estará consumado463.

Ainda que o crime próprio do administrador judicial seja somente o previsto no artigo 177 do CP, ele poderá ser responsabilizado criminalmente por outras condutas também tipificadas como crime na LRE.

Destarte, será também responsabilizado por crime de violação de sigilo empresarial464, com a mesma pena acima descrita, se violar, explorar ou divulgar, sem justa causa, sigilo empresarial ou dados confidenciais sobre operações ou serviços, contribuindo para a condução do devedor a estado de inviabilidade econômica ou financeira.

O administrador judicial também poderá figurar como sujeito ativo no crime de divulgação de informações falsas465, caso divulgue ou propale informações falsas sobre o devedor em recuperação judicial, com o objetivo de levá-lo à quebra ou de obter vantagem.

462

PEREIRA, Alexandre Demetrius. Crimes falimentares – Teoria, Prática e Questões de Concursos

Comentadas. 1ª ed. São Paulo: Malheiros, 2.010, p. 192.

463 MIGLARI JÚNIOR, ARTHUR. In: TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de. In TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de, e ABRÃO, Carlos Henrique (coord.). Comentários à Lei de Recuperação de

Empresas e Falência. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2.010, p. 582. 464 Art. 169, LRE.

Trata-se de crime de consumação antecipada, já que não se pune o crime pela ocorrência da falência ou pela obtenção da vantagem, que são meros exaurimentos de conduta466.

Será punido pelo crime de favorecimento de credores467, o administrador judicial que favoreça um ou mais credores em prejuízo dos demais através da alienação ou oneração patrimonial de algum bem da massa falida.

Igualmente incorrerá em crime de desvio, ocultação ou apropriação de bens468, o administrador judicial que se aproprie, desvie ou oculte bens da empresa em recuperação ou da massa falida, ainda que por meio de terceiros. Note-se que este crime não se confunde com o crime próprio do artigo 177 da LRE, sendo ambos distintos e passíveis de serem cometidos de forma independente469. A rigor, o tipo penal do artigo 173 da LRE é crime comum, razão pela qual o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, inclusive o administrador judicial.

O crime de habilitação ilegal de crédito470 é passível de todas as formas de concurso de agentes, envolvendo inclusive o administrador judicial, caso tenha eventualmente contribuído para a falsificação.

Todos os crimes acima relacionados têm pena de reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, além de multa cumulativa.

Se o administrador judicial for pessoa jurídica, a responsabilidade penal recairá somente sobre o agente do delito, já que não há no direito brasileiro a responsabilidade da pessoa jurídica por crime falimentar, como ocorre na França, por exemplo471. Na hipótese de outros sócios ou administradores da pessoa jurídica terem também participado do crime, responderão como co-autores, sendo necessário, no entanto, que se evidencie a influência

466 MIGLARI JÚNIOR, ARTHUR In: TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de, e ABRÃO, Carlos Henrique (coord.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2.010, p. 572.

467 Art. 172, LRE. 468

Art. 173, LRE. 469

Em sentido contrário, cf. SILVA, JANE. In: CÔRREA-LIMA, Osmar Brina e LIMA, Sérgio Mourão Corrêa (coord.). Comentários à Nova lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº 11.101, de 09 de

fevereiro de 2005. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2009, p. 1.153.

470

Art. 175, LRE.

471 PEREIRA, Alexandre Demetrius. Crimes falimentares – Teoria, Prática e Questões de Concursos

na administração da sociedade e a prática do ato dela decorrente, ou qualquer outra forma de coautoria ou participação de terceiros472.

Para efeitos penais, o administrador judicial é equiparado ao devedor ou ao falido, juntamente com os sócios, diretores, gerentes, administradores e conselheiros de fato ou de direito, e responderá criminalmente na medida de sua culpabilidade, “ex vi” do disposto no artigo 179 da LRE. Destarte, a ele também se aplicam os efeitos da condenação por crime falimentar previstos no artigo 181 da LRE, que são: i) a inabilitação para o exercício da atividade empresarial; ii) o impedimento para o exercício de cargo ou função em conselho de administração, diretoria ou gerência das sociedades sujeitas à LRE; e iii) a impossibilidade de gerir empresa por mandato ou por gestão de negócio. Note-se que tais efeitos não são necessariamente cumulativos e, muito menos, automáticos, posto que devem ser motivados e declarados na sentença e perdurarão por até 5 (cinco) anos após a extinção da punibilidade, podendo cessar antes pela reabilitação penal.

Grande discussão gira em torno da equiparação ou não do administrador judicial ao funcionário público, para fins penais, por ser o administrador judicial órgão auxiliar da justiça que exerce “munus” público.

Como ensinam Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior

e Fábio Machado de Almeida Delmanto, o conceito de funcionário público, para fins penais, é distinto e mais abrangente daquele conferido pelo Direito Administrativo473. Consoante prescreve o artigo 327, “caput”, do CP, é funcionário público aquele que exerce cargo, emprego ou função pública, ainda que transitoriamente ou sem remuneração. O parágrafo 1o do mesmo dispositivo legal equipara a funcionário público quem trabalha em entidade paraestatal ou em empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Publica. E, finalmente, seu parágrafo 2o equipara aqueles ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou

472 Neste sentido Alexandre Demetrius Pereira destaca que “o mero fato de uma pessoa constar como sócia em contrato social, sem poderes para exercer a gerência ou administração, não a torna legitimada para responder por delito falimentar. É necessário, portanto, que se prove a influência, de direito ou de fato, na administração e nos negócios sociais para que haja responsabilização penal por crime falimentar.” PEREIRA, Alexandre Demetrius. Crimes falimentares – Teoria, Prática e Questões de Concursos Comentadas. 1ª ed. São Paulo: Malheiros, 2.010, p. 90.

473 DELMANTO, Celso, DELMANTO, Roberto, DELMANTO JUNIOR, Roberto, e DELMANTO, Fábio Machado de Almeida. Código Penal Comentado. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 811.

assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo Poder Público, aumentando em um terço a sua pena.

Segundo Trajano de Miranda Valverde, o administrador judicial, embora exerça as funções de um cargo criado pela lei especialmente para ele, “não é, no regime da legislação brasileira, funcionário público, embora seja a este equiparado, para os efeitos penais” 474

. Este também é o entendimento de Rubens Requião e Fábio Ulhoa Coelho475.

Ousamos discordar porque como já discutido no tópico 3.1 supra, o administrador judicial não exerce cargo ou função pública, mas tão somente exerce um “munus” público; e o fato de exercer “munus” público “não transforma quem o exerce em funcionário púbico para os efeitos penais”476

, sendo, pois, impossível a sua equiparação nos termos dos parágrafos 1o e 2o do supra referido dispositivo legal.

Neste sentido, Nelson Hungria ressalta que é preciso “não confundir função pública com múnus público. Assim, não são exercentes de função pública os tutores ou curadores dativos, os inventariantes judiciais, os síndicos falimentares (estes últimos estão sujeitos à lei pena especial), etc”477.

Este também é o entendimento de Magalhães Noronha, que, ao tratar no LF, asseverou ter o Decreto-lei 7661/45 disciplinado as funções do síndico, sujeitando-o a sanções de ordem penal, inclusive, “sem, no entanto, equipará-lo ao funcionário público, ou conferir-lhe função pública” 478. Também neste sentido, confira-se Celso Delmanto et alli479 e Rui Stoco e Tatiana de Oliveira Stoco480-481.

474 VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei das Falências. (Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho

de 1945). Vol. II (art. 62 a 176). 4ª ed. rev. e atualizada por J. A. Penalva Santos e Paulo Penalva Santos. Rio

de Janeiro: Revista Forense, 1.999, p. 98. 475

REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. Falência. 1º Vol. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 1981, p. 213; e COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 109.

476

COGAN, ARTHUR. Crimes contra a administração pública. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2.003, p. 106. 477

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Vol IX, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.958, p. 400. 478 NORONHA, Edgar Magalhães. Direito Penal. Vol. IV, 8a ed. São Paulo: Saraiva, 1.972, p 226.

479 DELMANTO, Celso, DELMANTO, Roberto, DELMANTO JUNIOR, Roberto, e DELMANTO, Fábio Machado de Almeida. Código Penal Comentado. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 813.

480 STOCO, Rui e TATIANA de O Stoco. FRANCO, Alberto Silva e STOCO, Rui (coord.). Código Penal e

Outra discussão existente, no tocante a responsabilidade penal do administrador judicial, diz respeito ao comando previsto no artigo 23 da LRE. Segundo este dispositivo legal, o administrador judicial que não apresentar, no prazo estabelecido, suas contas ou os relatórios previstos na LRE, será intimado pessoalmente para assim fazer no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de ser responsabilizado por desobediência.

Luis Inácio Vigil Neto discute se tal descumprimento configuraria crime de desobediência, nos termos do artigo 330 do CP482, concluindo pela possibilidade de enquadramento em face da presença de seus elementos de adequação (ordem legal, autoridade legítima e não-obediência)483. Em entendimento oposto, Paulo Fernando Campos Salles de Toledo defende que, ao permanecer omisso, o administrador judicial estaria descumprindo um dever funcional e não uma ordem judicial, passível de incorrer, portanto, em crime de prevaricação, caso o agente tenha assim agido para “satisfazer interesse ou sentimento pessoal”, nos termos do artigo 319, CP 484-485.

Justamente por todo o exposto acima no sentido de que o administrador judicial não pode ser equiparado a funcionário público para fins penais, entendemos que ele não pode ser sujeito ativo de crime de prevaricação486. Ademais, inicialmente o administrador judicial estará descumprindo um dever; todavia, após intimado, o descumprimento será de ordem judicial. O crime imputável, portanto, será o de desobediência, conforme previsto na LRE, por ser praticado por particular por desobediência à ordem judicial487-488.

481 Este também tem sentido o entendimento da jurisprudência: TJSP, HC 21.804-3-SP, Rel. Carmo Pinto, Câmara de Férias, j. 28/07/83, v.u.). In: Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São

Paulo, vol. 85, São Paulo: Lex Editora, 1983, p. 388-395.

482

Art. 330, CP: “Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.”

483 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria Falimentar e Regimes Recuperatórios: Estudos sobre a Lei

11.101/2005. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2.008, p. 106-107.

484 TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de. In: TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de, e ABRÃO, Carlos Henrique (coord.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2.010, p. 118.

485Art. 319, CP: “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição

expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.”

486 Neste sentido, verifique-se: TJSP, Revisão Criminal n. 124.087, Rel. Acácio Rebouças, Câmaras Conjuntas Criminais, j. 04/03/75. In: Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São

Paulo, vol. 33, São Paulo: Lex Editora, 1975, p. 307-309.

487 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. In SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de, e PITOMBO, Antônio Sérgio de A. Moraes. (coord.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Lei 11.101/2005.

– Artigo por Artigo. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 177.

488 Note-se que a definição sobre o crime praticado não encerra outra discussão jurisprudencial, no sentido de