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Responsabilidade processual civil subjetiva

2. Responsabilidade civil processual

2.3.1. Responsabilidade processual civil subjetiva

Ainda que o cerne deste estudo seja a responsabilidade de cunho objetivo, não se pode deixar de tecer algumas considerações acerca das hipóteses referentes à responsabilidade processual subjetiva, que demandam, pois, a demonstração de conduta dolosa ou culposa por parte do agente do ato lesivo para sua configuração.

Trata-se, na bem concatenada noção apresentada por JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, da análise de uma atitude incorreta das partes quando de seu agir em juízo. São condutas que geram responsabilidade processual subjetiva: “a falta consciente à verdade, o uso de armas desleais, as manobras ardilosas tendentes a perturbar a formação de um reto convencimento do órgão judicial, ou a procrastinar o andamento do feito, embaracem a administração da justiça e desviem do rumo justo a atividade jurisdicional”255.

254

A responsabilidade das partes por dano processual no direito brasileiro. In Temas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 19.

255

A responsabilidade das partes por dano processual no direito brasileiro. In Temas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 16.

Leciona, ainda, referido doutrinador que a denominada “incorreção do comportamento” das partes pode ser verificada com referência:

“a) ao conteúdo das alegações por elas feitas em juízo; b) à forma por que atuam no processo, pessoalmente ou através de seus procuradores. O primeiro aspecto relaciona- se de modo fundamental com o reconhecimento de um ‘dever de veracidade’ (a parte deve declarar somente a verdade, ou quando menos deixar de declarar o que saiba não ser verdade), ao qual acede o ‘dever de completitude’ (a parte deve declarar toda a verdade, isto é, abster-se de omitir fatos relevantes que conheça, por suscetíveis de favorecer o adversário). O segundo concerne à obrigação de respeitar as chamadas ‘regras do jogo’, e comporta numerosos desdobramentos (...) cujo denominador comum talvez se possa identificar no respeito aos direitos processuais da parte contrária e na abstenção de embaraçar, perturbar ou frustrar a atividade do órgão judicial, ordenada à apuração da verdade e à realização concreta da justiça”256.

A responsabilidade processual subjetiva, portanto, tem por objetivo o combate à má-fé e à improbidade processuais, pelo que PEDRO DE ALBUQUERQUE vem a doutrinar acertadamente que “em causa está sempre o uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais”257.

Sobre o “princípio da probidade”, doutrina ALCIDES DE MENDONÇA LIMA que teria sido o mesmo:

“concebido para refrear os impulsos (de certo modo explicáveis, mas não justificáveis) dos litigantes e de seus procuradores, no sentido de obstar que transformassem o processo em meio de entrechoques de interesses escusos, com o emprego de toda a série de embustes, artifícios, atitudes maliciosas e, sobretudo, a mentira. Com isso, as partes não pleiteiam, em última análise, o reconhecimento de um ‘direito’, mas, sim, de um falso ‘direito’, que se transmudaria em injustiça e em ilegalidade, burlando o juiz, que poderia terminar sendo cúmplice inocente e involuntário de nociva decisão”258. O Código de Processo Civil atual prevê, no artigo 16, o princípio geral da responsabilidade processual subjetiva, quando preceitua que “responde por perdas e danos aquele

256

O princípio da probidade no Código de Processo Civil. Revista Forense, v. 268. Rio de Janeiro: Forense, dez. 1979, p. 36.

257

Responsabilidade processual por litigância de má fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo. Coimbra: Almedina, 2006, p. 166.

258

O princípio da probidade no Código de Processo Civil. Revista Forense, v. 268. Rio de Janeiro: Forense, dez. 1979, p. 30.

que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente”. Já no artigo 17, enumeraram-se as hipóteses em que se imputa ao litigante a pecha de “litigante de má-fé”259. Por fim, o artigo 18 fixa o conteúdo da indenização devida pelo litigante de má-fé260. Essa é a estrutura do atual Código de Processo Civil acerca da responsabilidade civil subjetiva261.

Costuma-se elencar como pressupostos da responsabilidade processual subjetiva262, para fins de incidência no artigo 16 e seguintes, CPC: a) a condição de parte ou interveniente; e b) a incorreção do comportamento, consubstanciada em uma das condutas previstas no artigo 17, do Código de Processo Civil.

A doutrina entende que a estrutura traçada pelo atual Código de Processo Civil para coibir a má-fé processual demonstra inequivocamente a adoção da teoria do abuso do direito de demandar, pela qual há exercício do direito de forma anormal263.

O seguinte julgado ilustra a adoção dessa teoria pelos tribunais pátrios:

“Na instauração de uma lide, inevitável que as partes tentem, de todas as formas possíveis, fazer valer os direitos que julgam possuir. Porém, apesar disso, é de fundamental importância que os litigantes respeitem padrões mínimos de urbanidade,

259

“Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que: I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II – alterar a verdade dos fatos; III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI – provocar incidentes manifestamente infundados; VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.”

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“Art. 18. O Juiz ou Tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou. § 1°. Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o Juiz condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária. § 2º. O valor da indenização será desde logo fixado pelo Juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento.”

261

O Projeto do Código de Processo Civil manteve a quase totalidade da redação atual dos artigos citados, à exceção da majoração da multa prevista no atual artigo 18 de um para de dois a dez por cento (artigo 84, do Projeto) e, ainda, a inserção de um parágrafo no artigo 84, do Projeto (atual artigo 18), que preceitua: “Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa referida no caput poderá ser fixada em até dez vezes o valor do salário mínimo”. No mais, não houve alterações substanciais, apenas de simples redação.

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Ver, por todos: ROSSANA TERESA CURIONI (in Responsabilidade civil por dano processual decorrente da litigância de má-fé. In: Hironaka, Giselda Maria Fernandes Novaes (coord). Direito e responsabilidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 488-499.

263

Esse é o entendimento de ROBERTO ROSAS (in Abuso de direito e dano processual. RePro, n. 32. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 31).

visando o correto julgamento da lide. Ou seja, é necessário que todos os entes processuais observem regras preestabelecidas, objetivando uma ‘luta’ leal e isonômica, visando conservar os princípios éticos que levam à boa-fé processual e, consequentemente, a eficaz prestação jurisdicional.

Portanto, o litigante de boa-fé é aquele que não utiliza de artifícios fraudulentos, abusando do direito de demandar, e, consequentemente, prejudicando, com tais atos, a efetividade do provimento jurisdicional. (...)

Nesse contexto, nas palavras de Valter Ferreira Maia, a expressão abusar do direito de demandar significa “o uso irregular do direito subjetivo em face da finalidade legal do mesmo”. Ou seja, todo aquele que utilizar um direito previsto na legislação, no intuito de alcançar um objetivo ilegal ou completamente despropositado, estará abusando do direito de demandar e, consequentemente, ferindo o princípio da boa-fé processual. (...) qualquer ato que desrespeite esse princípio deverá ser punido severamente por todas as instâncias do Poder Judiciário, no intuito de proteger a celeridade processual e, ainda, proporcionar um julgamento isonômico, sem a interferência de atitudes, que possam alterar o resultado e efetividade da prestação jurisdicional”264.

Nesse contexto, o Código Civil é claro ao preceituar, em seu artigo 187, que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Sobre o abuso de direito, doutrina ASSAD AMADEO YASSIM tratar-se do “exercício irregular ou anormal de direito por parte de quem, sem interesse legítimo, ou justa causa, agindo por temeridade, negligência, emulação, ou má-fé, molesta alguém com demanda infundada, ocasionando-lhe prejuízos”265.

Na verdade, quando se penaliza pela atuação incorreta do litigante, está-se penalizando não apenas a conduta havida para com a parte contrária, como também para com o regular andamento do Poder Judiciário266-267. Daí a correta ponderação de FERNANDO LUSO

264

TJSP, Apelação cível nº 9128254-67.2002.8.26.0000, 2ª Câmara de Direito Público, Rel. José Luiz Germano, j. 16.08.2011.

265

Considerações sobre abuso de direito. Revista dos Tribunais, n. 538. São Paulo: Revista dos Tribunais, agosto. 1980, p. 19.

266

Nesse sentido, o entendimento de LUIZ ROBERTO NUÑES PADILLA: “O maior prejudicado com procedimento ilegal do litigante ímprobo e do intuito ilegal é o já assoberbado Poder Judiciário, com sérios transtornos à administração da Justiça” (in Litigância de má-fé no CPC reformado. RePro, n. 78. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 101).

SOARES, ao afirmar que “o dolo no processo lesa bens jurídicos diversos: a convicção do juiz, o

património das contrapartes, a administração da justiça”268. Também PEDRO DE

ALBUQUERQUE acentua referida característica aduzindo que “a litigância de má fé se configura como um instituto em que o pretendido não é, ou não é predominantemente, o acautelar das posições privadas e particulares das partes mas sim um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela própria justiça”269.

Nesse sentido, é preocupação histórica dos nossos tribunais a busca por resguardar o exercício correto do direito de ação. Esse cuidado já pode ser verificado em julgado do Supremo Tribunal Federal, datado de 1955: “Décuplo das custas: é sanção contra o litigante ímprobo que por meios ilícitos perturba a marcha do processo, procrastina-lhe a solução ou procura ludibriar a justiça. É uma correção necessária contra o abuso do direito de demandar, confiada aos tribunais”270.

Importante salientar o posicionamento de JOÃO BATISTA LOPES, sobre a responsabilidade por litigância de má-fé:

“Cuida-se de responsabilidade subjetiva, decorrente do dolo processual (...). A má-fé caracteriza-se, essencialmente, pela intenção de prejudicar e, por isso, não se presume, isto é, incumbe à parte prejudicada o respectivo ônus da prova. (...) Trata-se do dano resultante dos atos processuais praticados pela parte (procrastinação abusiva, falseamento dos fatos, utilização de expedientes escusos etc) ficando, pois, fora da previsão legal o dano resultante de atos extraprocessuais”271.

A título de informação, cumpre verificar que, no direito português, antes de reforma ocorrida em 1995, o texto do artigo 456° se referia apenas ao dolo processual. Todavia, na redação atual do referido artigo, a má-fé processual passou a contemplar a negligência grosseira. São hipóteses expressamente previstas na legislação processual portuguesa as do litigante que: a)

267

Assim, pode-se afirmar, com correção, que “um critério objetivo para a imposição da litigância de má-fé está no grau de dificuldade criada pela parte ao andamento do processo” (FRANCISCO CÉSAR PINHEIRO RODRIGUES, in Indenização na litigância de má-fé. Revista dos Tribunais, n. 584. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 15.

268

A responsabilidade processual civil. Coimbra: Almedina, 1987, p. 253.

269

Responsabilidade processual por litigância de má fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo. Coimbra: Almedina, 2006, p. 55.

270

tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos fatos ou omitido fatos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão272. As similitudes com o ordenamento jurídico brasileiro são claras, a demonstrar uma tendência generalizada de evitar atitudes que conturbem o bom andamento do processo, de modo que não seja o mesmo utilizado de maneira irregular.

Importante apenas ressaltar que a legislação deixa clara a necessidade ou não de comprovação do elemento volitivo de prejudicar a parte contrária para a configuração da responsabilidade de cunho subjetivo processual. Assim, “a apuração da culpa ‘stricto sensu’ pode ser uma mera conseqüência da norma processual em não exigir a intenção na prática de determinado ato contrário ao que se quer proteger”273.

A propósito, observem-se as ponderações adicionais de CELSO HIROSHI IOCOHAMA sobre a exigência de dolo ou culpa na seara da responsabilidade civil processual:

“se a norma regulamenta comportamento volitivo ao descumprir determinada regra (por exemplo, nas hipóteses do artigo 233 do CPC ao requerer dolosamente a citação de pessoa por edital conhecendo o seu endereço e afirmando-a em lugar incerto e desconhecido), sem dúvida que coloca o dolo processual como elemento fundamental para a determinação da responsabilidade. Porém, se tal não está expressamente estabelecido (como no caso de dar causa a adiamento ou repetição de atos processuais, sem justo motivo, nos termos do artigo 29 do CPC) poder-se-ia configurar uma análise de culpa”274.

271

O juiz e a litigância de má-fé. Revista dos Tribunais, n. 740. São Paulo, jun. 1997, p. 129.

272

PEDRO DE ALBUQUERQUE (in Responsabilidade processual por litigância de má fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo. Coimbra: Almedina, 2006, p. 48).

273

CELSO HIROSHI IOCOHAMA (in A observância da lealdade processual no depoimento das partes: uma proposta interpretativa ou uma questão “de lege ferenda” para o direito processual civil brasileiro?. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2001. (Tese, Doutorado em Direito Processual Civil), p. 77-78).

274

CELSO HIROSHI IOCOHAMA (in A observância da lealdade processual no depoimento das partes: uma proposta interpretativa ou uma questão “de lege ferenda” para o direito processual civil brasileiro?. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2001. (Tese, Doutorado em Direito Processual Civil), p. 78).

Apesar de não ser esse o cerne do presente estudo, cumpre tecer brevíssimas considerações acerca do dano causado por ato exclusivo do advogado e não propriamente da parte275. Conforme já declinado anteriormente, um dos pressupostos para a incidência no artigo 16 e seguintes, do CPC, é a condição de parte ou interveniente. Logo, não estaria inserido o advogado nessa condição, a menos, é claro, que estivesse advogando em causa própria.

Todavia, o advogado pode ser penalizado disciplinarmente, de acordo com o Estatuto da OAB, podendo ser-lhe impostas as seguintes penalidades: censura, multa, suspensão do exercício da advocacia pelo prazo de 30 dias a 12 meses e, ainda, exclusão dos quadros da OAB.

Especificamente quanto à reparação de danos oriundos da conduta do advogado nos autos, argumenta HELENA NAJJAR ABDO que:

“é opinião praticamente unânime da doutrina a de que, tanto nos casos em que o advogado atuou com culpa quando naqueles em que houve dolo e conluio entre o procurador e constituinte, resta ao cliente apenas o direito de ingressar com demanda regressiva para ver-se ressarcido em relação à porção dos prejuízos cabentes ao profissional, incumbindo-lhe, ainda, fazer a prova (i) do dolo e da (ii) participação deste último. (...)

Não obstante, não são inéditas decisões em que há condenação solidária entre advogado e cliente, nos próprios autos em que praticado o abuso, tendo em vista a gritante participação dolosa do patrono”276.

A regra, no entanto, por se exigir a condição de parte ou interveniente para a incidência no artigo 16 e seguintes, do CPC, é a de que ao advogado não devem ser aplicadas as regras em comento.

De toda sorte, o que resta patente pela atual sistemática referente à litigância de má-fé é o intuito de reprimir condutas que afrontem a probidade no conduzir do processo. Trata-se incontestavelmente de responsabilidade de cunho subjetivo a exigir do litigante a demonstração do dolo ou culpa processuais.

275

Ver, por todos, RODRIGO D’ORIO DANTAS DE OLIVEIRA (in A litigância de má-fé e o advogado. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010. (Dissertação, Mestrado em Direito Processual Civil)).

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