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RESPOSTA ÀS QUESTÕES DA ENTREVISTA À DIRETORA DE TURMA PIEF

Bloco 2:

A minha formação inicial foi Licenciatura em Ensino, no curso de Professores do 2º ciclo do Ensino Básico, variante de Educação Visual e Tecnológica, na Escola Superior de Educação de Leiria, tendo começado a lecionar em 1996. Em 2007 concluí o Mestrado em Educação, na área de especialização em Administração e Organização Escolar, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Ao longo da minha carreira lecionei maioritariamente a disciplina de Educação Visual e Tecnológica ao 2º ciclo, tendo também lecionado Educação Visual e Educação Tecnológica ao 3º ciclo (recentemente também ao 2º ciclo, devido à reestruturação curricular), bem como as áreas não disciplinares de Educação Cívica e Projeto Interdisciplinar (no âmbito do Projeto de Gestão Flexível do Currículo) e, posteriormente, as áreas de Formação Cívica, Área de Projeto e Estudo Acompanhado. Assegurei igualmente a área de Expressão Artística/Artes no âmbito das Atividades de Enriquecimento Curricular no 1º ciclo. Lecionei ainda durante alguns anos as disciplinas de Artes e Informática a alunos com Currículo Específico Individual (CEI). Recentemente lecionei a área de Formação Vocacional a turmas do PIEF.

Exerci alguns cargos ao nível das estruturas pedagógicas intermédias, nomeadamente Coordenadora das Áreas Curriculares Não Disciplinares, Coordenadora do Departamento Curricular de Expressões, Coordenadora do Programa Eco Escolas, e ainda, mais recentemente, Coordenadora de Projetos do Agrupamento de Escolas de Abrigada (coordenando o Projeto “Semanas Temáticas” e o Programa Lean).

Fui diretora de turma do ensino regular inúmeras vezes, tendo exercido essas mesmas funções nos dois últimos anos em turmas do PIEF.

Bloco 3:

▪ Quais as caraterísticas dos alunos que integram o curso PIEF? Os alunos são de uma faixa etária mais elevada relativamente ao nível de ensino que frequentam; maioritariamente são oriundos de famílias pouco estruturadas, de meios socioeconómicos baixos, com dificuldades no cumprimento de regras e no respeito pela autoridade e pelas hierarquias. Mesmo alguns alunos cuja família aparenta alguma regularidade em termos sociais, detêm graves problemas no seu funcionamento e relacionamento. A quase totalidade dos alunos está sinalizada e é acompanhada na CPCJ ou na ECJ, muitas vezes devido ao seu historial familiar ou à irregularidade do percurso escolar, por terem apresentado indícios de abandono escolar – que muitas vezes é consequência de outras problemáticas que ocorrem no seio familiar. É de assinalar que muitos dos jovens são já identificados pela equipa da Escola Segura da GNR, por terem nalgum momento apresentado comportamentos desviantes que foram alvo de queixas junto dessa força policial. São alunos com vivências marcantes e desenquadradas da sua faixa etária, principalmente originadas pelo enquadramento familiar, que os coloca em situações complexas ou os leva a tomarem prematuramente as opções erradas, por não terem maturidade para tal. Saliente-se que alguns (residuais) não têm um historial tão complicado, tendo integrado o PIEF apenas pelas dificuldades de integração na escola, com repercussões no seu percurso escolar, e se terem esgotado as medidas educativas que lhes permitiam concluir o ensino básico em condições normais.

▪ Como são selecionados estes alunos?

Os alunos são sinalizados maioritariamente pelas escolas que frequentam, podendo sê-lo, no entanto, por outras entidades ou instituições (p. ex. a sua integração pode fazer parte de um acordo estabelecido no âmbito de processos a decorrer na CPCJ ou de medidas estipuladas pelo Tribunal de Família e Menores). Por vezes os próprios alunos e/ou encarregados de educação (EE) tomam conhecimento desta oferta educativa e dirigem-se diretamente à escola no sentido de serem integrados no PIEF. Após a sinalização é feita uma análise da situação

aos alunos e aos EE, sendo efetuada por esta técnica uma caracterização da situação e um parecer relativamente à adequação da integração dos alunos em PIEF. Anteriormente este parecer era exposto ao interlocutor da Segurança Social, que aprovava ou não a inclusão do aluno, o que, atualmente, fica ao critério da escola.

Por vezes, ao longo do ano, a Equipa Técnico Pedagógica (ETP) chega à conclusão de que esta não será a medida mais adequada para um aluno, tendo em consideração as dificuldades de integração que manifesta ou mesmo o seu desenvolvimento cognitivo, levando a que sejam tomadas diligências para que integre outros percursos, eventualmente mais adequados ao seu perfil, ponderando-se sempre, igualmente, a idade do aluno e as hipóteses que terá de concluir a escolaridade obrigatória e/ou obter uma certificação profissional que lhe possibilite reunir as ferramentas necessárias para se tornar um membro profissionalmente ativo e integrado na sociedade.

▪ Como descreve a relação destes alunos com a Escola?

Alguns alunos já frequentavam o nosso agrupamento, mas a maioria vem de outras escolas do concelho ou mesmo de outros concelhos. Assim, para os que já conhecem a escola, a sua integração numa turma PIEF apresenta, por vezes, uma dualidade, pois existia um certo estigma relativamente a estas turmas e ao perfil dos seus alunos (normalmente associados a alguma delinquência e marginalidade), pelo que já houve alunos que tiveram alguma dificuldade em, de repente, verem-se integrados num programa que era “olhado de lado”, no entanto, nos dois últimos anos tem-se tentado contrariar essa mentalidade junto da comunidade educativa, procurando-se gradualmente aproximar o funcionamento das turmas PIEF ao das turmas do ensino regular e promover uma maior interação destes alunos com os agentes educativos (outros professores e assistentes operacionais). Considero que se tem conseguido desmistificar os preconceitos existentes, muito graças ao perfil dos alunos, que tem sido menos problemático ao nível comportamental, mas também a uma atuação imediata e eficaz por parte da direção sempre que existe uma ocorrência disciplinar. Estas medidas surgiram no sentido de os alunos perceberem que a escola os quer integrar e tratar como a

qualquer outro aluno, mas também depende deles próprios que essa integração seja bem-sucedida. Assim, mesmo os alunos que vêm de outros estabelecimentos, encontram aqui um ambiente calmo e propício ao sucesso escolar – este incentivo é-lhes muitas vezes lembrado, como reforço à autoestima de muitos que se veem incapazes de concluir os seus estudos. O facto de a escola ter uma população escolar reduzida, contribui também para uma boa integração, pois as relações interpessoais estabelecem-se com uma grande proximidade entre todos os agentes educativos. Os alunos das turmas PIEF são muitas vezes chamados pela direção a fazer parte dos eventos e atividades realizados, como colaboradores na sua organização, o que lhes atribui um papel de relevo e lhes transmite a ideia de que a escola precisa deles e são imprescindíveis para a vida da mesma. Tem sido também alargado o âmbito de ação destes alunos, que passaram a ter aulas em salas específicas como laboratório ou sala de EV, não restringindo as atividades unicamente à sua própria sala, fomentando-se ainda a frequência da BECRE e dos restantes espaços (p. ex. reprografia), o que contribui para que os alunos se apropriem do espaço escolar. O facto de, à medida que os alunos revelam adequação comportamental e bom aproveitamento, lhes ser atribuído o “prémio” de poderem circular livremente por todos os espaços, sem a supervisão da TIL, tem contribuído como estímulo para o sucesso e para que se sintam melhor integrados na escola.

▪ Como descreve a relação dos alunos com a diretora?

Por contingências de distribuição de serviço, apenas leciono a disciplina de Formação Vocacional à turma, pelo que, dada a elevada taxa de colocação em estágios dos alunos do PIEF do nosso agrupamento, apenas estou com todo o grupo de alunos em contexto de sala de aula no início das atividades letivas durante algumas sessões, sendo que no resto do ano faço o acompanhamento dos alunos individualmente, em cada local de estágio. Assim, é complicado estabelecer uma relação com os alunos enquanto grupo – quando necessito de falar com eles em grupo/turma, tenho que pedir a docentes de outras disciplinas para me cederem algum tempo das suas aulas, o que é uma situação que tento que não seja muito

situação particular a tratar, acabo por tentar estabelecer alguns contactos com os alunos individualmente, durante os intervalos, ou mesmo solicitar que saiam de uma aula (quando são situações mais graves e urgentes). Perante isto, é fácil concluir que a relação não se reveste da proximidade desejável, uma vez que não é regular. Por outro lado, o facto de existir um certo distanciamento, revela-se positivo em alturas em que é necessário apelar ao respeito pelas hierarquias e pela autoridade, pois se lhes lecionasse uma disciplina com muitas horas semanais, tendencialmente poderia correr-se o risco de os alunos se sentirem demasiado “á vontade” e eu vir a ter dificuldades em impor uma postura de maior firmeza, quando tal é necessário devido a alguns comportamentos menos adequados dos alunos.

▪ Quando considera ter havido sucesso com um aluno PIEF?

O caso concreto de um aluno que integrou o PIEF prestes a fazer 17 anos e após várias retenções no seu percurso escolar, não tinha ainda concluído o 8º ano. Foi integrado na turma PIEF, iniciando o seu estágio no âmbito da formação profissional numa área com a qual se identificava (carpintaria). O aluno revelou uma postura exemplar ao longo do ano, adquirindo com excelência todas as competências ao fim de dois períodos letivos. Dado estar ainda abrangido pela escolaridade obrigatória e nessa fase do ano (final do 2º período) ser complicado ingressar noutra medida educativa (p. ex. num curso profissional), propôs-se à tutela efetuar uma reestruturação da sua matriz curricular para o 3º período, no sentido de aumentar a carga horária da formação vocacional (permanecendo no local de estágio 3 dias por semana e nos restantes frequentar as aulas na escola), o que foi autorizado. Considerando a sua atitude ao longo de todo o ano e o sucesso académico alcançado, integrou o quadro de honra, vendo reconhecido pela comunidade escolar o seu bom desempenho. Com a finalização do 3ºCEB, inscreveu-se no IEFP e, quando completou os 18 anos, foi integrado na empresa onde fez a formação vocacional, ao abrigo de um estágio profissional. Mantém-se profissionalmente ativo na mesma empresa, na qual há perspetivas de integrar o quadro de pessoal efetivo.

Outros casos há em que os alunos prosseguiram estudos, frequentando cursos profissionais (maioritariamente na área em que haviam estagiado) de modo a obter

a certificação de 12º ano e ainda alunos que já se encontram no mercado de trabalho, o que considero serem igualmente casos de sucesso.

Bloco 4:

▪ Em que aspectos o curso PIEF se afasta do ensino regular?

Essencialmente na metodologia aplicada (de projeto), em que os docentes de todas as disciplinas estruturam as suas atividades a partir de um tema (que deve ser o mais abrangente possível) e os conteúdos abordados de modo menos formal que no ensino regular. A própria matriz curricular é diferente. Também dado o perfil dos alunos que integram esta medida, uma vez que a sua faixa etária é desfasada do nível de ensino que frequentam, obriga a que as abordagens programáticas e mesmo os recursos didáticos utilizados sejam diferentes, pois são alunos que não detêm as mesmas competências académicas que os alunos do ensino regular, pois o absentismo e o desinteresse de muitos deles os levou a perder hábitos de estudo e rotinas escolares, que têm que ser novamente readquiridas e isso só é possível através de uma alteração das metodologias mais convencionais. O acompanhamento permanente por parte da TIL, nos momentos não letivos, é outra característica própria do programa, bem como a ligação que esta técnica mantém quer com as famílias, quer com as entidades que acompanham as mesmas (CPCJ, ECJ, RSI,…), o que nos alunos do ensino regular não é tão notório, pois um DT não tem as mesmas possibilidades de manter um contato tão frequente quanto o que é prestado no caso destes alunos.

▪ Como é pensada a abordagem pedagógica a estes alunos?

Em reuniões semanais da Equipa Técnico Pedagógica é proposto o tema do projeto a desenvolver, a partir do qual os docentes selecionam os conteúdos programáticos a abordar e o modo como irão desenvolver as suas atividades, procurando sempre que haja uma interdisciplinaridade, de modo a que as atividades de diferentes disciplinas se complementem e convirjam para um objetivo comum. Todo o processo de ensino/aprendizagem é pensado em função dos alunos que

regular, sendo o objetivo principal a aquisição de competências por parte dos alunos e não propriamente a obrigatoriedade de cumprir o programa das disciplinas, o que permite uma maior liberdade e confere flexibilidade à abordagem pedagógica que é levada a cabo.

▪ O que se espera com o trabalho desenvolvido com estes alunos?

Em primeiro lugar que os alunos se identifiquem com as temáticas e tarefas propostas, de modo a fomentar o seu envolvimento e participação, facilitando assim a aquisição das restantes competências que cada um tem em avaliação num dado momento. Com o produto final resultante da implementação de cada projeto (pode ou não ser algo concreto, palpável e com visibilidade) pretende-se que os alunos sintam o sucesso obtido, de modo a aumentar a sua autoestima e o gosto pelas tarefas escolares, contribuindo assim para uma aquisição de competências mais célere e um percurso escolar bem-sucedido.

▪ O que acha mais importante desenvolver: os saberes escolares ou a

integração do aluno?

São igualmente importantes, mas em fases distintas: inicialmente é crucial investir- se na integração do aluno, para desenvolver nele competências pessoais que lhe permitam desenvolver na sua personalidade aspetos relevantes para a sua integração social e que lhe deem segurança e uma estrutura mais sólida para posteriormente desenvolverem capacidades cognitivas que lhes permitam adquirir os saberes escolares. Assim, o que se pretende, na minha opinião, é dar aos alunos ferramentas básicas (mas essenciais), tanto ao nível escolar como ao nível pessoal, para que mais tarde se tornem cidadãos ativos e integrados, quer social, quer profissionalmente.

▪ Qual é o papel das famílias neste processo educativo?

É muito importante, pois a estabilidade familiar é condição essencial para o desempenho escolar de qualquer aluno; é nesse sentido que há uma relação próxima com as famílias, sendo frequentemente chamadas a participar em todo o percurso escolar dos alunos. Por essa razão, ao longo de todo o ano letivo não

realizo reuniões com os EE, mas sim atendimentos individualizados, normalmente contando com a presença da TIL, para que se realize um trabalho conjunto e que os EE sintam que a escola requer a sua participação, havendo no nosso discurso uma frequente responsabilização e tentativa de desmistificação de alguns preconceitos latentes, quer no que diz respeito às perspetivas que têm em relação ao seu educando, quer relativamente à instituição “escola”, pois algumas vezes os EE relatam experiências menos positivas que os levaram ao descrédito e à falta de expectativas. Muitas vezes é necessário fazer também esse trabalho de levar os EE a acreditar novamente na escola e nos próprios educandos. Refira-se que, algumas vezes, o envolvimento efetivo das famílias é consequência dos acordos e medidas aplicadas pela CPCJ ou ECJ, sendo crucial trabalhar conjuntamente com estas entidades. A intervenção familiar em todo o processo educativo é menos profundo que o desejável, no entanto, tentamos sempre explicar todos os aspetos e levá-las a ter uma palavra a dizer em todas as opções e/ou decisões.

▪ Será esta a oferta educativa mais apropriada para estes jovens se

inserirem na sociedade?

Como já referi, considerando o perfil dos alunos, esta é realmente a única resposta que lhes resta, sendo que, quando detetamos não o ser, diligenciamos no sentido de os encaminhar para outro tipo de oferta que melhor se coadune com as potencialidades dos alunos. Os resultados que se têm obtido revelam que é realmente a melhor resposta pois quando obtemos informações relativas ao percurso posterior dos alunos, a sua maioria está socialmente integrado, prosseguindo estudos ou trabalhando. Há exceções, claro, mas, do que me é dado a conhecer, são residuais.

Bloco 5:

▪ Que avaliação faz do Curso PIEF, como forma de combater o insucesso

Claramente positiva, uma vez que muitos dos jovens que têm passado por esta medida no nosso agrupamento chegou com um quadro verdadeiramente pouco promissor e, neste momento, a maioria tem obtido resultados escolares bastante positivos, que lhes permite a certificação de 3ºCEB (que no ensino regular não conseguiriam obter), não se registando nenhum caso de abandono escolar (apesar de esporadicamente termos casos de absentismo prolongado, tendo trabalhado com outras entidades, nomeadamente a ECJ, no sentido de resolver essas situações, o que tem sido conseguido).