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Respostas à inoculação micorrízica e potencial para revegetação do tecnossolo

Artigo 3 A inoculação de fungos micorrízicos arbusculares nativos em espécies

3.4 Respostas à inoculação micorrízica e potencial para revegetação do tecnossolo

As duas espécies plantadas sobre o tecnossolo originário da deposição e rejeito da mineração de ferro sobreviveram durante 150 dias de cultivo em vaso na casa de vegetação, sem apresentar mortalidade, independentemente dos tratamentos. A inoculação micorrízica é apontada como prática que favorece o estabelecimento de plantas e consequentemente a revegetação de ambientes degradados (ASMELASH et al. 2016), porém, nestes experimentos em vaso, não observamos esse efeito.

Triplaris americana Cedrela fissilis

O fornecimento de água e nutrientes durante o período de condução do experimento diminui a possibilidade de resposta à inoculação micorrízica. Aliado a isso, tanto o substrato utilizado em viveiro, quanto o tecnossolo, não foram esterilizados e os propágulos naturalmente existente foram capazes de colonizar as raízes das plantas (Tabela 3). Outras espécies arbóreas tropicais foram capazes de se desenvolver quando plantadas no tecnossolo oriundo da barragem de Fundão (CRUZ et al. 2020, DE MATOS et al. 2020). No entanto, De Matos et al (2020) observaram alterações fisiológicas em espécies arbóreas cultivadas nesse tecnossolo, como maior presença de enzimas antioxidantes, menor taxa fotossintética e redução na eficiência no uso da água. Essas observações indicam que há necessidade de respostas adaptativas das plantas às condições do tecnossolo formado pelo rejeito.

Ainda que não tenham sido verificados efeitos da inoculação micorrízica em C.

fissilis e T. americana nas variáveis de crescimento avaliadas, a simbiose micorrízica tem

potencial para auxiliar as plantas frente aos estresses (FAHEY et al., 2016), como no caso da revegetação das áreas afetadas pelo rompimento da barragem. Quando há disponibilidade de água e nutrientes e limitação de espaço de ocupação no vaso, como em cultivos protegidos, a resposta à inoculação micorrízica é menor, já que grande parte dos efeitos diretos da simbiose micorrízica sobre o desenvolvimento vegetal está ligado ao aumento da superfície de absorção de água e nutrientes (MARSCHNER e DELL 1994, BRUNDRETT 2009).

Estudos com inoculação de FMAs realizados em espécies arbóreas tropicais comumente utilizam como controle um substrato esterilizado (POUYÚ-ROJAS e SIQUEIRA 2000; SIQUEIRA e SAGGIN-JÚNIOR 2001; FLORES-AYLAS et al. 2003; POUYU-ROJAS et al. 2006; PASQUALINI et al. 2007; FAHEY et al., 2016). Tal prática faz com que a colonização seja praticamente nula quando não há aplicação de inóculo e acaba se afastando das condições que se encontra normalmente em campo, onde há presença de FMAs e outros microrganismos naturalmente, mesmo que seja em pequena quantidade, como em ambientes perturbados.

C. fissilis já se mostrou altamente responsiva à inoculação micorrízica em

experimentos anteriores, no entanto foi observado que apresenta especificidade em relação aos fungos micorrízicos arbusculares beneficiando-se de poucas espécies (POUYU-ROJAS et al. 2006). A resposta vegetal à inoculação com fungos micorrízicos

depende da compatibilidade simbiótica entre as espécies envolvidas (SIQUEIRA e SAGGIN-JÚNIOR 2001).

As espécies Cedrela fissilis e Triplaris americana apresentaram respostas diferentes à inoculação micorrízica. C. fissilis é espécie micotrófica e a inoculação micorrízica no momento da semeadura em viveiro favoreceu o aumento na colonização de suas raízes por FMAs. Após o transplantio, C. fissilis foi observada menor queda de folhas e morte de ponteiras nas mudas inoculadas em viveiro, o que indica que a inoculação micorrízica teve papel benéfico na adaptação das plantas. Não foi encontrado nenhum estudo prévio envolvendo inoculação micorrízica em T. americana, sendo este um estudo pioneiro neste aspecto. T. americana teve colonização próxima ou inferior a 1% em todos os tratamentos, o que confirma que não apresenta micotrofia.

Quando ocorre, a simbiose micorrízica é geralmente classificada como mutualista. As plantas se beneficiam de diversas maneiras, seja pela expansão da área de absorção pelas micorrizas, proteção contra estresse bióticos, como patógenos (VERESOGLOU e RILLIG 2012), e abióticos, como presença de metais pesados (CHEN et al. 2007; SCHNEIDER et al. 2012; FERROL et al. 2016) e déficit hídrico (AUGÉ 2001). Os benefícios para os fungos envolvem o acesso aos fotoassimilados cedidos pelas plantas, portanto com gasto energético por parte do vegetal, o que pode fazer com que essa relação varie de mutualista a parasítica (KLIRONOMOS 2003; HOEKSEMA et al. 2010).

Na restauração de áreas degradadas pela mineração, onde há alto impacto sobre os organismos edáficos, os FMAs estimulam a microbiota associada favorecendo a retomada de serviços ecológicos essenciais para a restauração ecológica (WANG, 2017). No caso do desastre do rompimento da barragem de rejeito em que tratamos nesta pesquisa, houve soterramento do solo original pelo rejeito da mineração de ferro depositado principalmente às margens das calhas dos rios e isso impactou diretamente os organismos do solo (SEGURA et al. 2016; PRADO et al. 2019; BUCH et al. 2020) e os processos a eles associados (BATISTA et al., 2020). Além do potencial de favorecer a adaptação vegetal e da capacidade de colonização de ambientes degradados (PRADO et al. 2019), a inoculação com FMAs auxilia na retomada desses processos edáficos que são essenciais para a prosperidade e sustentabilidade de um ecossistema em reabilitação (VILELA et al. 2014, ASMELASH et al. 2016; MARRS, 2016).

Em restauração ecológica, a aplicação de inóculo micorrízico com fungos residentes das áreas afetadas é indicado de modo a favorecer os microrganismos que já

estão adaptados àquela condição (NEUENKAMP et al. 2019). Essa evidência, somada à intenção de não favorecer determinadas espécies de fungos micorrízicos arbusculares, fez com que produzíssemos inóculos com fungos encontrados na área do tecnossolo formado pela deposição do rejeito da mineração de ferro. No entanto, reconhecemos que as condições (de pH, aeração, temperatura) e o tempo de multiplicação podem, ainda que não intencionalmente, acabar favorecendo espécies de FMAs que não seriam os mesmos que tem mais adaptabilidade às condições do tecnossolo. Por isso, sugerimos que sejam verificadas essas condições na multiplicação dos propágulos de FMA nativos de áreas degradadas, para que se possa alcançar maior efetividade na inoculação micorrízica em campo.

A presença das plantas foi fundamental para o aumento do comprimento de micélio extrarradicular (Figura 3), isso indica que houve estímulo à propagação fúngica no tecnossolo. A inoculação micorrízica no momento do plantio das mudas em vaso aumentou o comprimento de micélio extrarradiciular tanto no experimento do C. fissilis (p>0,05) quanto para T. americana (p<0,05). O micélio está diretamente ligado à atuação dos fungos na agregação do solo e melhoria de suas condições físicas, seja pela ação mecânica de união das partículas ou bioquímica pela produção da glicoproteína cimentante produzida pelos fungos micorrízicos arbusculares, conhecida como glomalina (RILLIG et al. 2010) .

A condição física do tecnossolo oriundo do rejeito da mineração de ferro, depositado após o rompimento da Barragem de Fundão, foi apontada em diferentes estudos como limitante ao crescimento radicular, causando inibição no desenvolvimento (ANDRADE et al. 2018) e deformação (DE MATOS et al. 2020) das raízes em plantas cultivadas no tecnossolo. Portanto, o estímulo à microbiota, em especial os fungos micorrízicos arbusculares e bactérias que atuam na estabilização e estruturação de agregados é mais uma estratégia para favorecer a melhoria das condições físicas deste material.

3.5. Alterações em propriedades físicas do tecnossolo de rejeito da mineração de