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Respostas às falhas de mercado

No documento ABASTECIMENTO PÚBLICO DE ÁGUA (páginas 31-36)

Pigou (1932) e Coase (1960) são os trabalhos clássicos sobre externalidades (VARIAN, 1992, p. 432) e têm sido associados a uma resposta estatal e a uma resposta de mercado, respectivamente.

15 Essa situação ficou conhecida na literatura como a “tragédia dos comuns” e foi originalmente apresentada pelo

ecólogo Garrett Hardin (1968), em um artigo sobre o problema do crescimento populacional. O autor fez uma alegoria da questão demográfica com os commons ingleses: cada agricultor tende a colocar o maior número possível de cabeças de gado numa área comum, sem considerar os custos sociais dessa ação, dado que os benefícios de um animal a mais serão privados enquanto os custos de superexplorar o solo será socializado. Desse modo, o número de animais tende a alcançar uma quantidade superior à capacidade de suporte do ambiente, levando a uma situação insustentável do ponto de vista ecológico e econômico. Em termos econômicos, tal situação se caracteriza por uma externalidade negativa. A solução para esse problema, segundo o autor, é a definição dos direitos de propriedade, sejam eles estatais ou privados (HARDIN, 1968, p. 1248).

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Adiante, são expostas as soluções apresentadas por tais economistas, para, posteriormente, ser proposto um modelo híbrido de ação em relação às falhas de mercado, em especial, às externalidades.

1.3.1 Resposta estatal

O governo tem um papel crítico na resolução das falhas de mercado, pois oferece a possibilidade de eliminá-las ou mitigá-las, trazendo ganhos de eficiência ao sistema. A ação estatal pode ocorrer por meio de instrumentos regulatórios ou por meio de instrumentos econômicos (PERMAN; MA; MCGILVRAY, 1996, p. 142):

a) Comando e controle: são regras e regulações proibitivas, que impõem aos agentes determinado padrão de comportamento e definem penalidades para o seu não cumprimento;

b) Incentivos econômicos: são elaborados para criar padrões de incentivos aos agentes privados, tais como taxas, subsídios e permissões negociáveis.

Salzman (2005, p. 884) acrescenta a esses instrumentos outros três: persuasão, direito de propriedade e pagamento direto. No caso da persuasão, o acesso à informação e à educação é considerado como meio para a mudança de comportamento dos agentes. Como visto, a questão do direito de propriedade é fundamental para se inibir o livre acesso a determinados recursos naturais e o governo pode atuar diretamente na garantia desse direito. Finalmente, o pagamento direto pode ser um recurso eficiente na garantia de oferta de determinado bem ou serviço16.

A proposta de taxação (ou penalidade financeira) foi apresentada por Arthur Pigou (1932), no livro “The Economics of Welfare”, e dominou o debate econômico sobre como o governo deveria agir para solucionar as falhas de mercado até a década de 1960. Para o economista, o Estado deveria intervir na economia, taxando as atividades cujos produtos marginais privados fossem maiores que os produtos marginais sociais, ou, em linguagem

16 Na área ambiental, os subsídios podem se materializar em programas de Pagamento por Serviços Ambientais

de caráter estatal. Para não fugir ao escopo desta dissertação, que pretende discutir os instrumentos econômicos para a conservação ambiental, a análise sobre o papel do Estado no contexto de falhas de mercado será concentrada na questão dos incentivos econômicos, considerando como parte destes os pagamentos diretos. Ademais, é importante notar que, em países em desenvolvimento, a presença de instituições frágeis e de pouca governança reduz a eficiência dos mecanismos de comando e controle (WUNDER et al, 2008, p. 41).

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moderna, as atividades que gerassem externalidades negativas. Segundo Pigou (1932, sem paginação), “a forma mais óbvia que esses incentivos e restrições podem assumir são as recompensas [subsídios] e taxas”17.

Ao variar a intensidade dessas taxas, conhecidas como “taxas pigouvianas” (VARIAN, 1992, p. 433), o Estado poderia controlar o nível de produção de determinado bem. No plano teórico, o objetivo dessa política seria igualar o produto marginal privado ao produto marginal social de determinado investimento. Para isso, a taxa deveria variar de acordo com a quantidade de poluição gerada e deveria ser equivalente, em termos monetários, ao prejuízo gerado pela mesma. Dessa maneira, os benefícios sociais e os benefícios privados seriam equiparados, e o novo equilíbrio de mercado garantiria a alocação eficiente dos recursos. Vale dizer que o principal problema relacionado a essas taxas é a dificuldade de se criar um marco regulatório, além dos custos de se obter as informações necessárias para calcular a externalidade causada por determinada transação (SALZMAN, 2005, p. 917).

1.3.2 Resposta de mercado

Outra interpretação sobre as externalidades é que elas ocorrem devido à inexistência de determinado mercado ou à indefinição dos direitos de propriedade (LIBECAP, 1999, p. 6; VARIAN, 1992, p. 434). Tal interpretação foi inicialmente formulada pelo economista Ronald Coase (1960), num artigo intitulado “The problem of social cost”, cujo propósito era justamente se contrapor à solução apresentada por Pigou. Para Coase, as externalidades são um problema de natureza recíproca. Ele cita o exemplo do gado que se desgarra e destrói determinada plantação de um terreno vizinho. Se o desgarramento é inevitável, o aumento da oferta de carne levaria à redução da oferta de grãos. Dessa maneira, existe uma decisão clara: grãos ou carne (COASE, 1960, p. 2).

Coase mostra que a proposta de Pigou de taxar o gerador da externalidade nem sempre é a mais vantajosa. Os proprietários, por exemplo, poderiam alcançar uma solução ótima para o problema, ou seja, aquela que maximiza os ganhos sociais por meio de uma negociação privada. Tal solução poderia ser desde a construção de uma cerca na área de pecuária ou até mesmo deixar de cultivar a área destinada à agricultura (a depender do custo de oportunidade da atividade).

17 Tradução nossa. Texto original em inglês: “the most obvious forms which these encouragements and

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É justamente este o grande avanço apresentado pelo autor: mostrar que a negociação privada poderia alcançar uma solução eficiente ao problema das externalidades, desde que os custos de transação sejam suficientemente baixos. Na prática, no entanto, os custos de transação18 apresentam-se, em geral, suficientemente altos para impedir várias dessas transações privadas, e, em muitas situações, os direitos de propriedade não são bem definidos, de forma que os agentes não conseguem transferi-los ou recombiná-los (COASE, 1960, p. 7).

É importante notar que Coase não aponta o mercado como solução para todas as formas de externalidades. Em várias delas, o autor observa a importância da ação estatal, por exemplo, nos casos de interesse difusos. O que não seria eficiente, do ponto de vista econômico, seria supor que a regulação estatal direta necessariamente traria resultados ótimos. Isso porque dificilmente o Estado conheceria os custos de oportunidade dos agentes. Somam- se a isso, as críticas gerais a qualquer intervenção estatal, tais como o custo do processo administrativo; as pressões políticas, que podem não priorizar o critério de eficiência econômica; as dificuldades de determinado marco regulatório atender às peculiaridades de casos concretos de externalidade; a precisão das informações; a capacidade de monitoramento; e a previsibilidade dos agentes em relação às sanções (COASE, 1960, p. 8; OSTROM, 1990, p. 10).

Nesse sentido, Perman, Ma e Mcgilvray (1996, p. 142) afirmam que a própria intervenção estatal pode induzir a ineficiências econômicas. Por outro lado, em certos casos, o custo de se garantir direitos de propriedade privados (condição para alocação eficiente dos recursos pelo mercado) pode ser extremamente alto, por exemplo, devido à necessidade de construção e manutenção de muros, ao monitoramento das propriedades, às sanções contra “invasores”, além de outras questões institucionais (OSTROM, 1990, p. 12). Nesses casos, dificilmente o mercado trará soluções ótimas socialmente.

1.3.3 Respostas mistas e alternativas

Tanto Pigou quanto Coase foram mais ponderados em suas recomendações do que sugerem seus críticos e discípulos. Eles não apontaram o Estado ou o mercado como solução única para as externalidades. Foi, no entanto, a partir da visão desses dois economistas que a

18 Custos de transação são os custos: (i) de se especificar o que está sendo transacionado; e (ii) de se garantir o

cumprimento (enforcement) dos acordos firmados (NORTH, 1994, p. 361). Assim, tais custos envolvem questões jurídicas relacionadas aos direitos de propriedade e dificuldades em obter informações e especificações sobre o produto negociado.

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maior parte das políticas públicas que utilizaram instrumentos econômicos para a gestão ambiental foi elaborada.

Com o tempo, foi apresentada uma série de soluções mistas, nas quais Estado e mercado teriam papéis complementares. Um exemplo disso foram as políticas conhecidas como “cap-and-trade”, nas quais o Estado estabelece um limite coletivo de geração de determinado poluente. Em seguida, são expedidos certificados de permissões de poluição negociáveis que correspondem ao teto estipulado pelo governo. Esses certificados são, posteriormente, transacionados entre os agentes privados (LANDELL-MILLS; PORRAS, 2002, p. 122).

Soluções alternativas à visão polarizada entre Estado e mercado também foram apresentadas pela cientista política Elinor Ostrom (1990), no livro “Governing the commons: the evolution of institutions for collective actions”. Nele, a autora incorpora a participação da sociedade civil ao analisar a gestão coletiva dos recursos naturais, tais como no caso de estoques pesqueiros, recursos hídricos etc. Enquanto a teoria econômica previa a superexploração desses ativos devido à tragédia dos comuns, em muitos casos, sem a utilização de instrumentos de mercado ou da intervenção estatal, as comunidades souberam se organizar para utilizar determinado recurso de maneira eficiente. A autora afirma que as duas propostas de soluções (Estado e mercado) sofrem do mesmo problema, que é justamente a necessidade da atuação de um agente externo à comunidade envolvida nos casos da externalidade. Esse agente externo é a autoridade central, que determina as taxas e as penalidades num caso e os direitos de propriedade privados no outro.

Ostrom (1990, p. 12) sustenta, no entanto, que não existe uma solução padrão para qualquer externalidade, e sim que “muitas soluções existem para lidar com muitos problemas diferentes”19. Essas diferentes soluções seriam variados arranjos institucionais que reconhecem as peculiaridades de cada situação. Tais instituições teriam o objetivo de alinhar os interesses privados aos interesses coletivos, aproximando os custos sociais e privados. Segundo Ostrom (1990, p. 14), construir as instituições certas é difícil, consome tempo e é um processo conflituoso.

Ironicamente, embora os três autores (Ostrom, Coase e Pigou20) divirjam quanto à participação do Estado, do mercado e da sociedade civil, é justamente em relação à importância das instituições que os três parecem convergir. Coase (1960, p. 12) afirma

19 Tradução nossa. Texto original em inglês: “many solutions exist to cope with many different problems”.

20 Coase e Ostrom foram laureados com o Prêmio Nobel de Economia, nos anos de 1991 e 2009,

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concordar com o argumento de Pigou de que “se o autointeresse promove o bem-estar econômico, é por causa das instituições humanas, que foram criadas para que isso ocorresse”21, e complementa que o problema é delinear arranjos práticos que corrijam defeitos em uma parte do sistema, sem, contudo, causar prejuízos mais sérios em outras. Parece ser uma interpretação similar à de Ostrom.

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