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ESCOLA CAMPONESA E LUTA SOCIAL EM GURUPÁ-PA

1. Que tipo de educação queremos para os nossos filhos e filhas? Que tipo de educação

2.2 RESSIGNIFICANDO O CONCEITO DE PARCERIAS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO

A concepção de política nos remete à esfera de Estado, embora não possamos confundi-las como sinônimos ou com qualquer ação estatal. Nem toda política intitulada de pública é governamental, pois existem instituições como as Igrejas e as Empresas que também efetivam políticas públicas.

As políticas públicas expressam a ação do Estado mediando os interesses e as reivindicações de atores sociais e/ou econômicos. Nesse sentido, uma política pública governamental requer a transparência, acesso e participação desses atores de forma multilateral.

A partir da década de 1990 a palavra parceria incorporou-se ao vocabulário do campo educativo, passando a ocupar lugar de destaque no discurso dos mais diversos atores sociais e agentes governamentais. A noção de parceria passou a ser utilizada para definir tanto a relação contratual estabelecida entre governos estaduais e fundações privadas que produz programas de educação pela TV, quanto para designar convênios mantidos por governos municipais ou estaduais com organizações comunitárias para o desenvolvimento local (MUNARIM, 2005)

No campo, percebemos a grande presença da ação da sociedade civil assumindo, seja através de parcerias ou não com o poder público, a oferta de serviços essenciais como a educação, em função da ausência ou timidez da atuação do Estado nesse território. As práticas que nascem dessa relação de parceria entre sociedade e estado vêm se constituindo, em alguns casos, em política pública à medida que seus resultados são apropriados pela coletividade e não por setores privados, atendendo demandas de sujeitos historicamente invisíveis para o Estado.

Para Munarim (2005, p.33) “parceria significa sistemas de alianças relativamente estáveis entre dois ou mais atores que decidem operar em sinergia para atingir um ou mais objetivos que não podem atingir por seus próprios meios”

A multiplicação de provedores e o estabelecimento de parcerias na promoção da educação do campo tornaram-se fenômenos extensos e difusos, fazendo com que por vezes sejam percebidos como processos "naturais". A disseminação de provedores e de práticas de parceria nada tem de "natural", mas resulta da redefinição do papel do Estado no financiamento e provisão de serviços sociais básicos, que deixou abertas lacunas, progressivamente ocupadas por agentes sociais diversos (MUNARIM, 2005)

O recuo do Estado no financiamento e na oferta dos serviços sociais gerou um deslocamento da fronteira entre o público e o privado que, sob o signo da parceria, disseminou para o conjunto da sociedade responsabilidades que até então eram interpretadas como tarefas dos governos, levando à multiplicação dos provedores não- governamentais.

Essa prática inspira-se em diferentes significados atribuídos aos conceitos de parceria e de serviço público não-estatal, que comportam tanto uma visão econômico- instrumental quanto uma perspectiva de democratização da esfera pública. Considerando

essas diferentes significações e estratégias de concretização, percebe-se que o conceito de parceria vem sendo operacionalizado na experiência da Casa Familiar Rural de Gurupá, com perspectivas democratizantes. Munarim ajuda a esclarecer esses diferentes significados As parcerias que entraram em moda nos municípios são, pois, alternativas de dupla face. De um lado, podem, sim, significar um instrumento político manipulado de acordo com os interesses dominantes de classe através de um prefeito qualquer e seus ajudantes de plantão, representantes do autoritarismo. Então, em vez de democracia pela descentralização e transferência de poder, o que pode ocorrer é uma simples transferência de encargos à sociedade; coisas que já eram direitos do cidadão e dever do Estado executar. Em vez de novas parcerias – numa relação de iguais – onde houvesse decisões conjuntas sobre os fundos públicos, pode ocorrer uma transferência de migalhas de recursos públicos, e ainda como se fosse uma benesse de quem está no poder para com seus clientes; poderíamos chamar tal mecanismo de “neoclientelismo”. No entanto, de outro lado, as parcerias no município podem, também, significar um jeito novo e eficiente de produção de uma nova cultura política que potencialmente funda bases de transformação da relação Estado-sociedade no todo (MUNARIM, 2005, p.34)

Ambigüidade da parceria entre sociedade civil organizada e instituições governamentais e não governamentais está na transferência da responsabilidade do Estado na garantia de direitos básicos como a educação para a sociedade, que por sua vez não tem condições de atender a demanda necessária ao mesmo tempo em que canalizam a contribuição da sociedade para democratização da educação do campo e maior controle das ações governamentais por parte da sociedade.

No Brasil, a estratégia de parceria na oferta da educação do campo vem se propagando, com avanços e retrocessos. A partir da segunda metade da década de 1990 temos a consolidação de um forte movimento em defesa da educação do campo, que vem crescendo e constituindo redes em suas várias dimensões, que passam a compor parcerias de modo a garantir direitos essenciais à população. Pois, a história da oferta da educação para os moradores do campo está marcada pela ausência do estado e pela forte presença da iniciativa comunitária, da educação popular, e da educação não-formal, protagonizada pelos movimentos sociais.

Pensar o Poder local a partir do pressuposto da capacidade dos sujeitos em buscar e propor alternativas econômicas e sociais de forma a garantir melhorias de condições de vida nos leva a destacar o papel central dos movimentos sociais, da sociedade civil em sua

relação com o Estado. Essa relação entre Estado e Sociedade pode produzir experiências êxitosas do ponto de vista da gestão dos recursos econômicos e da democratização de determinados serviços. A Casa Familiar Rural de Gurupá é uma experiência local, onde a relação Estado - Sociedade Civil é bastante definida e tem favorecido o nascedouro de políticas públicas.

A Associação de Agricultores mantém a CFR, através de um sistema de parceria, que envolve órgãos públicos e privados do município e do Estado. Cada família de jovem contribui, trazendo o que produz em sua propriedade, para sua própria alimentação na semana de alternância na CFR. Os Órgãos locais, Prefeituras e instituições diversas, apóiam o funcionamento. As Secretarias da Educação e da Agricultura, principalmente, apóiam financeiramente e tecnicamente, o STR e a FASE, também contribuem com assessoria técnica.

A CFRG estabelece a partir dela uma rede de articulações e parcerias de modo a garantir a oferta de uma educação para os camponeses do município de Gurupá. Essa rede muito bem articulada fortalece e possibilita, conforme constatamos através de entrevistas e visitas de campo, o sucesso da experiência da CFR de Gurupá. Uma rede que não se fecha no local, mas se espraia para articulações regionais.

A CFRG surge em função da ausência do Estado na oferta de uma educação específica para os camponeses, mas afirma o direito à educação, obrigando o Estado a participar na oferta deste serviço. A CFR de um lado assume a execução de um serviço que é de responsabilidade do Estado, de outro sua existência força o Estado a voltar seu olhar para o campo.

A educação como direito de todos e dever do estado e da família prescrito na Constituição Federal de 1988, art. 205, evidencia uma conquista histórica dos movimentos sociais, em garantir a educação como direito universal fundamental ao desenvolvimento humano. A educação como direito fundamental e não como mercadoria não pode seguir a lógica de manutenção da subjugação das camadas populares. É ela, um direito humano indispensável à construção de uma sociedade de fato democrática.

Discutir parceria e políticas públicas nos impõe aprofundar o debate sobre democracia e o papel da Sociedade Civil na constituição de espaços públicos que se tornam arenas de debates, tensões e negociações na construção de hegemonias.

2. 3 SOCIEDADE CIVIL E DEMOCRACIA: A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA