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Restante do Reinado de Ezequias, rei de Judá (IICr 32:24-33)

7 FONTES BÍBLICAS – AS NARRATIVAS DA CAMPANHA DO RE

7.3 LIVRO DE CRÔNICAS

7.3.2 Reinado de Ezequias, Rei de Judá (IICr 29-32)

7.3.2.2 Restante do Reinado de Ezequias, rei de Judá (IICr 32:24-33)

Os demais episódios relacionados ao reinado de Ezequias consistiram em sua doença (v. 24-26); suas riquezas e projetos de construção (v. 27-30); a visita dos embaixadores da Babilônia (v. 31); e o desfecho do seu reinado (v. 32-33).

O verso 24 iniciou com uma expressão temporal que associou a enfermidade do rei à época da campanha: “Naqueles dias, adoeceu Ezequias mortalmente; (...)” (II Cr 32:24a). Juntamente ao oráculo do profeta Isaías II Reis 20:6a (// Is 38:5) – “Acrescentarei aos teus dias quinze anos” –, infere-se que o rei adoeceu no décimo quarto no do seu reinado, como o referido na datação da invasão de Senaqueribe em II Reis 18:13 (// Is 36:1). Com isso, a cronologia de Crônicas estaria correta se o reinado de Ezequias se estendesse de 716 a 687 a.E.C.505

Seguindo sua concepção de justiça divina, o autor apresentou a doença do rei como castigo divino:

“Mas não correspondeu Ezequias aos benefícios que lhe foram feitos; pois o seu coração se exaltou. Pelo que houve ira contra ele e contra Judá e Jerusalém. Ezequias, porém, se humilhou por se ter exaltado o seu coração, ele e os habitantes de Jerusalém; e a ira do SENHOR não veio contra eles nos dias de Ezequias.” (IICr 32:25-26)

É possível que o autor tenha elaborado essa interpretação a partir do comportamento do rei Ezequias durante a visita da embaixada babilônica, tal como narrado em II Reis 20:13-19 (// Is 39)506.

Os versos 27 a 30 relataram os projetos econômicos do rei:

“Teve Ezequias riquezas e glória em grande abundância; proveu-se de tesourarias para prata, ouro, pedras preciosas, especiarias, escudos e toda sorte de objetos desejáveis; também proveu-se de armazéns para a colheita do cereal, do vinho e do azeite; e de estrebarias para toda espécie de animais e de redis para os rebanhos. Edificou também cidades e possuiu ovelhas e vacas em abundância; porque Deus lhe tinha dado mui numerosas possessões. Também o mesmo Ezequias tapou o manancial superior das águas de Giom e as canalizou para o ocidente da Cidade de Davi. Ezequias prosperou em toda a sua obra.” (IICr 32:27-30)

Japhet defendeu que os versos acima referiam-se ao reinado de Ezequias antes da campanha de Senaqueribe, uma vez que a construção dos armazéns,

505

JAPHET, 1993, p. 979, 993.

506 Um aspecto interessante nesse acontecimento é a relação entre o rei e o povo, também presente na narrativa da campanha. Ibid., p. 992-994.

estrebarias e de um canal para garantir o suprimento de água à capital eram possivelmente preparativos para o confronto com o exército assírio e um possível cerco. Desta forma, a autora concluiu que fora por razões teológicas, e não cronológicas, que o autor relatou a prosperidade econômica de Ezequias (IICr 32:27- 30) após a campanha do rei assírio507.

O próprio profeta Isaías testificou a respeito do Túnel de Ezequias:

“Notareis as brechas da Cidade de Davi, por serem muitas, e ajuntareis as águas do açude inferior. Também contareis as casas de Jerusalém e delas derribareis, para fortalecer os muros. Fareis também um reservatório entre os dois muros para as águas do açude velho, mas não cogitais de olhar para cima, para aquele que suscitou essas calamidades, nem considerais naquele que há muito as formou.” (Is 22:9-11)

Outro aspecto interessante, observado através do estudo das palavras-chave de II Crônicas 32:27-39, foi a caracterização de Ezequias como um segundo Salomão, especialmente na esfera militar e econômica. As palavras “riquezas e honra” no verso 27 (`öºšer wükäbôd), apesar de serem empregadas sete vezes no livro de Crônicas, descrevendo quatro reis diferentes – Davi (ICr 29:28), Salomão (IICr 1:12), Jeosafá (IICr 17:5, 18:1) e Ezequias (IICr 32:27) –, foram utilizadas apenas uma vez no livro de Reis para referir-se ao rei Salomão (IRs 3:13). Enquanto no livro de Reis a palavra “tesouros” (´ö|cärôt) foi citada para descrever Salomão (IRs 7:51)508, no livro de Crônicas ela foi associada somente a Salomão (ICr 28:11) e Ezequias (IICr 32:27). Um dos elementos encontrados nos tesouros do rei Ezequias, “pedras preciosas” (ûlü´eºben yüqärâ), descreveu unicamente os tesouros Salomão no livro de Reis (IRs 5:17, 7:9-11, 10:2, 10-11), mas foi utilizado no livro de Crônicas para descrever os tesouros de Salomão e Ezequias (IICr 9:1,9). Da mesma forma, o termo “especiarias” (wülibSämîm) foi citado nos livros de Reis e Crônicas somente para descrever esses dois monarcas (IRs 10:2, 10, 25; IIRs 20:13; IICr 9:1,9,24). A palavra “armazéns” (mìºsKünôti) no verso 28, ocorreu somente uma vez no livro de Reis para referir-se às cidades armazéns construídas por Salomão como parte do seu projeto de desenvolvimento militar: “todas as cidades-armazéns que Salomão tinha, as cidades para os carros, as cidades para os cavaleiros e o que desejou

507

JAPHET, 1993, p. 978-983. 508

As demais vezes que a palavra “tesouros” apareceu no livro de Reis foi para referir-se a um rei judaíta que removeu os tesouros a fim de pagar tributo a um rei estrangeiro, inclusive o rei Ezequias (IRs 14:14, 26; 15:18; 16:8; IIRs 12:18; IIRs 18:15; 24:13). VAUGHN, 1999, p. 177.

enfim edificar em Jerusalém, no Líbano e em toda a terra do seu domínio.” (IRs 9:19). Novamente, o termo foi empregado no livro de Crônicas para descrever os empreendimentos dos reis Salomão (IICr 8:4,6), Jeosafá (IICr 17:12) e Ezequias (IICr 32:28). O vocábulo “estrebarias” (´ù|räwöt, v. 28) ocorreu quatro vezes em toda a Bíblia, referindo-se apenas às estrebarias de Salomão (IIRs 5:6, IICr 9:25) e Ezequias (IICr 32:28*2x). Dessa forma, a descrição dos tesouros e empreendimentos de Ezequias revelaram o poder econômico e militar do rei e a intenção do autor de Crônicas em retratar o rei Ezequias como um segundo Salomão, rei este considerado um paradigma em termos de riquezas e honra509.

Andrew G. Vaughn, através do estudo dos assentamentos no Reino de Judá no fim do séc. VIII a.E.C. e dos jarros reais desse período, demonstrou que a descrição detalhada do desenvolvimento econômico e do poder civil e militar do rei Ezequias no livro de Crônicas (IICr 32:29) seria consistente com os dados históricos extrabíblicos conhecidos. No caso da narrativa do reinado de Ezequias em Crônicas, pareceria, então, que uma fonte ou tradição histórica confiável foi utilizada na construção da mensagem do autor510. A discrepância criada pela narrativa do livro de Crônicas sobre o desenvolvimento econômico de Ezequias (IICr 32:27-30) e a relativa ausência de tal narrativa no livro de Reis apontou para uma das questões centrais em relação à confiabilidade da narrativa de Crônicas. Vaughn, seguindo Rosenbaum, defendeu que grande parte da redação dos Profetas Anteriores ocorreu durante o reinado de Josias. Por essa razão, a descrição da prosperidade do rei Josias no livro de Reis foi enfatizada em detrimento da caracterização de Ezequias, outro monarca conhecido como precursor das reformas cultuais realizadas por Josias um século mais tarde511.

O autor de Crônicas, por sua vez, tem outros anseios, a saber: apoiar o sacerdócio e o templo em Jerusalém no período pós-exílico. Por essa razão, três das quatro seções dedicadas ao rei Ezequias relataram as ações reais diretamente ligadas ao templo. Assim, a fidelidade de Ezequias, descrita detalhadamente nos capítulos 29 e 30, ocasionou seu sucesso político e prosperidade econômica, conforme a narrativa da campanha do rei Senaqueribe e dos seus empreendimentos no reino expressaram no capítulo 32. Nas palavras de Vaughn:

509 VAUGHN, 1999, p. 174-178. 510 Ibid., p. 3. 511 Ibid., p. 19.

“It is as if he [o autor de Crônicas] is saying to the post-exilic community, ‘Remember the famous king Hezekiah who was faithful to God in maintaining the Temple and the Levites. He was prosperous and famous because he supported God through these actions.’”512

A visita dos embaixadores da Babilônia foi mencionada brevemente em II Crônicas 32:31. Diferentemente da narrativa de Reis, que conectou a visita à doença do rei (IIRs 20:12), a narrativa de Crônicas a conectou com o sinal, isto é, o sinal no relógio de sol do rei Acaz (IIRs 20:9-11 // Is 38:7-8), provavelmente por causa do grande interesse dos babilônicos pela astrologia513.

Em Crônicas, a figura do profeta Isaías diminuiu consideravelmente. Ainda assim, o autor atribuiu ao profeta o registro da história do reinado de Ezequias: “Quanto aos mais atos de Ezequias e às suas obras de misericórdia, eis que estão escritos na Visão do Profeta Isaías, filho de Amoz, e no Livro da História dos Reis de Judá e de Israel.” (IICr 32:32).

Por fim, o verso 33 encerrou com uma cerimônia fúnebre prestada ao rei pelo povo. Ele foi o único rei do qual foi relatado que “(...) e o sepultaram no mais alto

dos sepulcros dos filhos de Davi; e todo o Judá e os habitantes de Jerusalém lhe fizeram honras na sua morte; (IICr 32:33) (grifo nosso)514.

512

VAUGHN, 1999, p. 179-181. 513 MYERS, 2009, p.193.