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Restrição de ocorrência em algumas línguas naturais

No documento As relativas livres no português brasileiro (páginas 142-147)

4 RELATIVAS (LIVRES) NÃO INDICATIVAS

4.1.6 Restrição de ocorrência em algumas línguas naturais

As relativas (livres) não indicativas ocorrem em línguas de diferentes famílias. As já apontadas na literatura: línguas românicas (espanhol, português europeu, francês, romeno, italiano, catalão), línguas eslavas (russo, polonês, servo-croata, búlgaro e macedônio), fino-úgrico (húngaro, estoniano e finlandês), grego moderno; albanês e hebraico moderno; árabe marroquino e árabe clássico (GROSU, LANDMAN, 1998, p.155; CAPONIGRO, 2001, p.49-50; 2003, p.86- 90; GROSU, 2004, p.420):

(20) Espanhol (Heriberto Avelino, p.c. apud Caponigro, 2001, p.52) Tengo [con quién hablar] cuando estoy triste.

Tenho com quem conversar quando estou triste. (21) Português europeu (Ferreira, 2007, p.68)

Não há [o que fazer].

(22) Francês (Hirschbühler 1978, p.168 apud Caponigro, 2001, p.52 ) J’ai [de quoi écrire].

Eu tenho do que escrever. 'Eu tenho com o que escrever' (23) Romeno (Grosu, 2004, p.421)

(Nu) avem [cui {trimite, să trimitem} marfă]. Não tenho quem {enviar, enviemos} mercadorias. 'Não tenho para quem enviar mercadorias'

(24) Italiano (Caponigro, 2003, p.86)

Ho [con chi parlare] quando sono triste. Tenho com quem falar quando estou triste.

(25) Catalão (Amalia Llombart p.c. apud Caponigro, 2003, p.86) La pobra no tenia [amb qui parlar].

A pobre não tem com quem falar. (26) Russo (Gosu, 2004, p.422)

On isčet [s kem ostavit’ detej] Ele procura com quem deixar crianças.

(27) Polonês (Grosu, 2004, p.422) (Nie) mam [co robić]. Não tenho o-que fazer

(28) Servo-Croata (Alexandra Perovic p.c. apud Caponigro,2001,p.52) Nemam [ga kome dati].

Não-tenho o quem dê. 'Eu não tenho ninguém pra dar-lhe'

(29) Búlgaro (Rudin 1986, p.190 apud Caponigro, 2001, p.52) Toj ima [s kogo da govori].

Ele tem com quem PARTÍCULA conversar.

(30) Macedônio (Slavica Kochovska p.c. apud Caponigro, 2003, p.89) Za sreќa, imam [so kogo da84 zboruvam] koga sum tazhen.

Para sorte tenho com quem subj. fale quando estou triste. 'Felizmente, tenho com quem falar quando estou triste'. (31) Estoniano (Lumme Erilt p.c. apud Caponigro, 2003, p.89)

Mul on [kelle-ga rääkida], kui ma kurb olen. Eu tenho quem falar quando eu triste estou. 'Eu tenho com quem falar quando estou triste'

(32) Finlandês (Elsi Kaiser p.c. apud Caponigro, 2003, p.90) Minulla on [kenelle puhua] kun olen surullinen. Eu estou quem falar quando estou triste. 'Eu tenho com quem falar quando estou triste'

(33) Húngaro (Anikó Lipták p.c.; Anna Szabolcsi p.c. apud Caponigro, 2001, p.52)

Van [kivel beszélni]. Há quem falar. 'Há com quem falar'

(34) Grego moderno (Maria Baltazani p.c. apud Caponigro,2001,p.52) Exo [me pion na miliso] otan ime lipimenos.

Tenho com quem Partícula fale quando estou triste.

(35) Albanês (Grosu, 2004, p.423)

Nuk ka [kush të na dërgojë mall]. Não termos quem Subj. nos envie mercadorias. 'Ninguém nos envia mercadorias'

(36) Hebraico moderno (Grosu, 2004, p.422)

Eyn (li) [im mi le-daber]. Não-há para-mim com quem falar.

'Não há com quem falar'

(37) Árabe marroquino (Taoufik Afkinich p.c.; Boujemaa Boudali p.c. apud Caponigro, 2003, p.90)

mən-zɦər ʕənd-ɪ [mʕa mən n-ədw-ɪ] məllɪ kan kun hazɪn. Para-sorte tenho com quem fale quando estava triste 'Felizmente, eu tenho com quem falar quando estou triste.' (38) Árabe clássico (Grosu, 2004, p.423)

Laysa li [mā af’alu]. Não-há eu o-que fazia Não há o que fazer.

Elas só não são encontradas nas línguas germânicas, como inglês, alemão e holandês85:

(39) Inglês (C. Schütze; H. Torrence p.c. apud Caponigro, 2001, p.53) * I have [who(m) to talk to] when I am sad.

(40) Alemão (Daniel Büring c.p. apud Caponigro, 2003, p.87) *Ich habe [mit wem ich sprechen kann], wenn ich traurig bin. Eu tenho com quem eu falar posso, quando eu triste estou. 'Eu tenho com quem falar quando estou triste.'

(41) Holandês (Hilda Koopman p.c. apud Caponigro, 2003, p.87) * Ik heb [met wie te praten] als ik me triest voel. Eu tenho com quem falar se eu mim triste sentir. 'Eu tenho com quem falar se me sentir triste’’.

85

As RLs também não ocorrem em todas as línguas naturais. O japonês, djirbal e bambara (citados por de VRIES, 2002, p.35); e o hindi ( DAYAL, 1996), tok pisin e coreano (citados por VOGEL, 2001, p.109) são línguas que não têm RLs.

O íidishe e o inglês de Nova Iorque são exceções de línguas germânicas que permitem relativas (livres) não indicativas:

(42) a. Íidishe (Adam Albright, c. p. apud Caponigro, 2003, p.87) Ikh hob nit [mit vemen ikh ken reden], az ikh bin troyerik. Eu tenho não com quem eu posso falar, quando eu estou triste. 'Não tenho ninguém com quem conversar quando estou triste.' b. Inglês de N. Iorque (N. Hyams c.p. apud Caponigro, 2003,p.87)

I don’t have [what to eat].

Há dois motivos alegados para essa possibilidade de construção de relativas (livres) não indicativas no íidishe e no inglês de Nova Iorque e para a restrição às línguas germânicas. O primeiro motivo é atribuído ao contato das línguas eslavas com o íidishe. Esse contato pode ser a causa deste último apresentar relativas (livres) não indicativas (GROSU, 2004, p.420). Caponigro (2003, p. 90) também acredita nisso:

Why existential FRs are not attested in all Germanic languages that have standard FRs is not clear to me. It is interesting that Yiddish, one of the two Germanic languages that allow existential FRs, has historically been in contact with Slavic languages that allow existential FRs. The variety of New York English that allows existential FRs is likely to have been influenced by Yiddish, given that its speakers were and some still are Yiddish speakers as well (Nina Hyams p.c.). (CAPONIGRO, 2003, p.90)

O segundo motivo é apresentado por Izvorski (2000, p.33): o que explica o fato de línguas que têm construções com verbo infinitivo e subjuntivo não apresentarem relativas (livres) não indicativas ou terem somente uma das formas: infinitiva ou subjuntiva, “has to do with the syntax of modals in that language”. No russo, os modais só selecionam complementos infinitivos (o que explica a impossibilidade de haver relativas (livres) subjuntivas). Nas línguas românicas, os modais podem ter infinitivas e subjuntivas como complemento e, portanto, aceitam relativas (livres) subjuntivas e infinitivas. No inglês, os modais não permitem orações como complemento, por isso relativas (livres) não indicativas não são permitidas nessa língua.

Um estudo mais detalhado sobre as possibilidades de ocorrência dos modais precisaria ser feito para confirmar o fato sugerido por Izvorski.

4.1.7 Resumo

Até aqui foram apresentadas as características das relativas (livres) não indicativas. Assim como as RLs, elas são sentenças encaixadas e têm uma lacuna correspondente ao pronome relativo.

O que regula a ocorrência de infinitivas e subjuntivas é a função sintática do pronome-wh. Quando extraímos um pronome-wh sujeito, a posição deve ser tal que o Caso lhe seja assegurado, por isso, o uso do modo subjuntivo. Por outro lado, quando a expressão-wh extraída não é o sujeito, o PRO vai ser licenciado sem problemas na posição de sujeito do verbo infinitivo.

Na sequência, apresentamos algumas propriedades das relativas (livres) não indicativas e verificamos se a característica ocorre de maneira simétrica entre infinitivas e subjuntivas. Não serem ilhas-wh; serem complemento de uma classe restrita de verbo, os existenciais; só ocorrem em posição subcategorizada; e serem naturais em contexto de indefinitude são as características que ocorrem simetricamente nas infinitivas e subjuntivas. Ao contrário, algumas infinitivas não se submetem ao Requerimento de Compatibilidade, sempre respeitado pelas subjuntivas.

4.2 ANÁLISES

As sentenças discutidas neste capítulo já receberam algumas análises, a maioria no campo da semântica. O que se tem acordado é que a sentença precisa de um pronome-wh, mas a natureza e a posição desse pronome é ainda alvo de debates.

Alguns autores, como Brito (1988, 1991), Grosu e Landman (1998), Caponigro (2001, 2003), dizem que esse pronome é relativo e que há uma RL envolvida nessas sentenças86.

86 Izvorski (1998, p. 160) diz que Pesetsky (1982), Rivero (1986), Grosu (1994)

Outra possibilidade, apontada por Izvorski (1998, 2000), é a análise que afirma que esses pronomes-wh na verdade são pronomes indefinidos disfarçados (indefinite in disguise). Defendem essa análise Rappaport (1986) e Rudin (1986).

Por fim, a última possibilidade apontada na literatura é apresentada por Izvorski (1997, 2000): essas sentenças têm um pronome interrogativo, ou seja, são interrogativas encaixadas.

4.2.1 Análise do pronome-wh como relativo: RLs

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