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RESULTADOS E DISCUSSÃO

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HISTÓRIA E CAMINHOS DA OLERICULTURA ORGÂNICA NA REGIÃO SERRANA FLUMINENSE

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Primeiramente, é preciso um olhar pragmático sobre a agricultura orgânica (AO) no Brasil. A AO é uma alternativa para a produção estratégica de alimentos de qualidade, que envolve uma massa de agricultores familiares, numa nova relação campo-cidade (camponeses- estado, produtor-consumidor, natureza-sociedade), que se unem aos elos da cadeia de produção orgânica para atender às demandas crescentes da sociedade, desenhando um outro país.

A agricultura orgânica tem enfrentado desafios de diversas ordens (tecnológico, econômico, social e ambiental), particularmente a produção de olerícolas orgânicas, na Região Serrana Fluminense.

Os aspectos climáticos e fitossanitários que influenciam a produção e comercialização de olerícolas orgânicas estão relacionados principalmente a dois períodos distintos do ano: outubro-março, chamado de período de verão; e, (ii) abril-setembro, chamado de inverno.

No período de verão, a demanda aumenta em maior proporção que a produção de olerícolas orgânicas; portanto, a produção encontra certa facilidade de colocação no mercado. Mas, a produção pode sofrer perdas de safra provocadas pelas chuvas e problemas fitossanitários decorrentes; inclusive, pode ocorrer o desabastecimento de produtos convencionais devido a eventos climáticos extremos, como as trombas d`água e chuvas de granizo.

No período de inverno, ao contrário, a demanda diminui e a produção da maioria das olerícolas é mais estável, isto dificulta a comercialização de certas olerícolas; ainda, a ocorrência de geadas pode prejudicar a safra.

Não obstante as variações de demanda e oferta, os preços dos produtos orgânicos são relativamente estáveis, ao longo do ano. Isto permite ao agricultor experiente planejar a produção e obter renda agrícola satisfatória.

Economicamente, a produção e a demanda encontram-se equilibradas, o que mantém os preços no mercado mais justo e garantem maior estabilidade para os produtores orgânicos; principalmente em relação aos produtores convencionais, estes últimos sujeitos às oscilações bruscas do mercado.

Neste contexto, a tendência da AO é crescer à medida que o mercado expande; oportunizando preços estáveis e cada vez mais justos para os produtores familiares, alimentos saudáveis para a população urbana e, em conseqüência, melhores condições de vida.

A organização da cadeia de produtos orgânicos deve considerar, primeiramente, que a olericultura orgânica é uma atividade exercida por agricultores familiares amplamente distribuídos no território. Em segundo lugar, que as produções são diversificadas, em pequena escala e de baixo valor agregado. Isto exige uma complexa logística de produção, processamento, comercialização, transporte e distribuição para a viabilização econômica dos sistemas de produção sob manejo orgânico.

Historicamente, o processo de gestão da produção orgânica tem apresentado avanços e retrocessos na busca de soluções coletivas, envolvendo consumidores e produtores, que visam à estruturação de arranjos produtivos que permitam o fluxo regular de alimentos de qualidade das zonas rurais para os centros urbanos, principalmente para a cidade do Rio de Janeiro.

Em 1979, a partir do manifesto “Comida sem veneno”, carta publicada em 12 de janeiro, no Jornal do Brasil, as pessoas indignadas com a contaminação dos alimentos que consumiam reuniram-se, no Parque Lage, para tentarem solucionar esse problema. Assim, inicia-se o movimento orgânico com a organização de agricultores familiares estimulados por iniciativas dos consumidores.

Em 1980, surge o primeiro ponto de venda de produtos orgânicos, na feirinha de Copacabana, rua Pompeu Loureiro.

Em 1981, a Cooperativa de Consumidores da Associação Harmonia Ambiental – Coonatura – inicia a estruturação do seu primeiro núcleo de produção de alimentos ecológicos, na localidade do Brejal, distrito de Posse, no município de Petrópolis.

Em 1984, durante o II Encontro Brasileiro de Agricultura Alternativa, foi elaborada a Carta de Petrópolis, documento que sintetizou o pensamento do movimento da agricultura orgânica para o desenvolvimento sustentável em todo o país, com a participação de mais de 1800 pessoas, entre produtores, técnicos, estudantes e autoridades públicas.

Em 1985, outro grupo de produtores reunidos na cidade de Nova Friburgo fundou a Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro – ABIO, que organizaram a primeira feira, na Praça Getúlio Vargas, com apoio da prefeitura local. A ampliação deste trabalho de mais de 20 produtores de Nova Friburgo e municípios vizinhos (Bom Jardim, Sumidouro, entre outros), levou a viabilização de uma central de comercialização da produção em um box, na Cobal do Humaitá6, no bairro de Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro.

Em 1986, em função do crescimento da demanda de alimentos orgânicos, a Coonatura amplia o núcleo do Brejal arrendando terras, na localidade conhecida como "Albertos”, passando a estimular meeiros, como os trabalhadores da fazenda Pedras Altas, a converterem os sistemas convencionais para o manejo orgânico.

Nesta época, foram organizadas 15 famílias de produtores, não mais como meeiros, como funcionou durante algum tempo, mas como co-arrendadores, em sistema associativo. O sistema associativo da Coonatura para conversão dos agroecossistemas baseava-se no fornecimento de esterco, sementes, pagamento de diárias, horas-extras e comissão por produção para os produtores orgânicos.

Inicialmente, a produção dos núcleos organizados era pequena, sendo transportada de ônibus comercial e, à medida que a produção cresceu, os produtos foram transportados de caminhonete, depois de caminhão, para a comercialização na cidade do Rio de Janeiro.

Em 1992, ocorreu a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD ou Rio-92); e, simultaneamente, aconteceu o evento paralelo – a Conferência da Sociedade Civil Global sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento – que reuniu representantes de organizações não-governamentais (ONGs) ligados a diferentes movimentos sociais; ambos os eventos são conhecidos como Eco-92. A Eco-92 foi um importante marco para a articulação do movimento orgânico e consagração do conceito de desenvolvimento sustentável.

Em 1993, a Coonatura contava com 2800 consumidores associados, organizados em diversos núcleos de consumo (Copacabana, Botafogo e Barra da Tijuca). E, os agricultores dos núcleos de produção, em expansão, eram assessorados por um corpo próprio de assistência técnica e extensão rural, que acompanhava a transição dos sistemas de produção convencionais para o manejo orgânico. Para a centralização do estoque no atacado e fornecimento do serviço de entrega domiciliar, a Coonatura alugava um galpão industrial, no bairro industrial de São Cristóvão, na cidade do Rio de Janeiro.

Em 1994, a Coonatura passou a arrendar outro box, o que era da ABIO, para comercialização na Cobal, do Humaitá, em Botafogo.

Neste mesmo ano, em 16 de outubro (Dia Mundial da Alimentação), por iniciativa conjunta da Coonatura e ABIO, foi criada a Feira Ecológica da Glória, cujo primeiro nome era Feira Cultural e Ecológica, na Praça do Russel.

A estratégia de ampliação da estrutura de comercialização da Coonatura, com aluguel de galpões e mudanças dos pontos de venda, concomitantemente, as heranças das crises econômicas, como as provocadas pelo Plano Collor, mostrou-se economicamente inviável.

6 Cobal – Companhia Brasileira de Alimentos – criada pelo presidente João Goulart em 1962 e extinta pelo presidente Fernando Collor em 1990, que a fundiu na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

De fato, a Conatura veio a se dissolver, com uma dívida de R$ 100.000,00 (COONATURA, 2008).

Isto acarretou a desestruturação dos núcleos de produção, com sérios prejuízos financeiros para os produtores, principalmente para os agricultores do distrito de Posse, em Petrópolis.

Em 1999, foi criada a Associação de Produtores Orgânicos do Vale do Rio Preto, fruto da articulação de agricultores vinculados a ABIO em São José do Vale do Rio Preto, prefeitura do município de José do Vale do Rio Preto (SJVRP) em convênio com a EMATER local e a Coopervale (Cooperativa dos Produtores Hortifrutigranjeiros de São José do Vale do Rio Preto).

Em 2000, um acordo estratégico entre a Associação de Produtores Orgânicos do Vale do Rio Preto e outros produtores certificados da ABIO, principalmente do núcleo do Brejal (no distrito de Posse, em Petrópolis), possibilitou o início da comercialização de produtos sob a marca comercial Horta Orgânica.

Em 2006, a Horta Orgânica comercializava produtos de 60 famílias, principalmente para supermercados, na cidade do Rio de Janeiro.

Desta forma, a organização do sistema de produção e comercialização de olerícolas orgânicas evoluiu de apenas um ponto de venda (1980), passando para uma estrutura com diversos pontos de comercialização (1993), feiras especializadas (1994) e atendimento da demanda por meio da comercialização em supermercados (2000).

Não obstante a comercialização de produtos orgânicos por meio de entregas de cestas em domicílios, feiras especializadas, o atendimento do grande público através das redes de supermercado coloca-se como um novo desafio para a organização da cadeia orgânica.

A sociedade urbana criou novas necessidades e hábitos de consumo, como o de adquirir produtos em supermercados que atendam praticamente todas as suas necessidades, inclusive de olerícolas orgânicas. O supermercado passou a ser um elemento da vida urbana para a racionalização do tempo.

Embora a rede de comercialização seja dominada por oligopólios, a organização de arranjos produtivos para o atendimento de supermercados tem potencial para o desenvolvimento da olericultura orgânica, possibilitando o crescimento do número de famílias de produtores orgânicos certificados.

Os produtos orgânicos para concorrem com os produtos convencionais nas gôndolas dos supermercados, a lógica do controle da qualidade deve permear toda a cadeia produtiva, do produtor até o consumidor final. O compromisso profissional com a produção de qualidade é fundamental para se conquistar consumidores fiéis à marca orgânica; pois, o produto orgânico de qualidade não deixa de ser comprado no mercado.

Neste sentido, o fortalecimento do associativismo e a profissionalização dos agentes de desenvolvimento (produtores, prestadores de serviços, empresas de comercialização, comerciantes) devem engendrar novos arranjos produtivos, aumentar a produção de qualidade para melhor atendimento da demanda crescente, por meio de feiras especializadas, supermercados e outros espaços de comercialização (mercado institucional). O associativismo deve permitir aos produtores, principalmente, a enfrentar os novos desafios do mercado, evitar atravessadores oportunistas e romper as relações de exploração do trabalho familiar (terra, crédito, educação), para melhorar a condição de vida.

Historicamente, o movimento orgânico, particularmente a olericultura, tem enfrentado desafios, experimentado momentos de avanços e retrocessos, aprendendo e ensinando lições, entre os quais se destacam:

- Instituições gerenciadas por pessoas altamente idealistas e extremamente dedicadas precisam contar com conhecimentos profissionais de assessoria financeiro-administrativa, comercialização (marketing), extensão rural e outras áreas técnicas;

- A capacitação continuada (formal e informal) é fundamental, para os produtores, gerentes, técnicos, pesquisadores, gestores públicos e outros agentes de desenvolvimento;

- Arranjos institucionais complexos precisam ser desenvolvidos para o atendimento da demanda crescente em todos os espaços de comercialização;

- O associativismo precisa ser amplamente entendido e praticado por produtores, consumidores e outros agentes da sociedade.

5 CONCLUSÕES

A história da olericultura orgânica fluminense tem suas raízes no associativismo entre produtores e consumidores.

O desenvolvimento da cadeia produtiva de olerícolas orgânicas no estado do Rio de Janeiro depende do fortalecimento das associações e estruturação de novos arranjos produtivos de caráter solidário.

A olericultura orgânica é uma atividade que tem possibilitado a melhoria da qualidade de vida dos agricultores familiares, na Região Serrana Fluminense.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CAPÍTULO II

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