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TÍTULO II REQUISITOS PARA MEDICAMENTOS DE VENDA SEM EXIGÊNCIA DE PRESCRIÇÃO ( )

6 – RESULTADOS E DISCUSSÃO

Através dos capítulos anteriores, foi exposta a importância da regulamentação das atividades de propaganda e marketing da Indústria Farmacêutica, tendo em vista o grande risco sanitário que a ausência de legislação específica pode acarretar. As propagandas de medicamentos têm forte ligação com a cultura da automedicação, que é difundida na sociedade brasileira.

Durante o período analisado, foram encontradas 90 inserções publicitárias que se enquadram nos objetivos deste estudo. Estas 90 inserções constituem 33 peças publicitárias únicas, exibidas ao menos uma vez, em ao menos uma emissora analisada.

O primeiro dado percebido ao analisar o material coletado é que todas as peças apresentam alguma infração à RDC vigente. Cem por cento das peças estão inadequadas e passíveis de ação do órgão regulador, a ANVISA. Neto e colaboradores (2012) monitoraram as propagandas de medicamentos no Piauí e encontraram 10 peças, das quais 100% apresentavam alguma infração à legislação. Em adição, Honorato (2014) analisou 40 peças à luz da RDC 96/08, encontrando infrações em 100% delas.

Tal percepção é extremamente preocupante. Há mais de 1 década existe regulamentação sobre esse setor no Brasil e, mesmo assim, a Indústria mostra-se incapaz de adequar-se as regras estabelecidas.

Com efeito, abre-se espaço para discussão sobre qual fator contribui majoritariamente para explicar este achado. Por um lado, pode-se argumentar que a própria legislação seja falha e precise ser alterada, uma vez que foi esta a linha argumentativa que iniciou os debates de construção da RDC atual, reconhecendo a necessidade de atualização da RDC 102/00.

Porém, conforme exposto no capítulo 3, apesar do intenso debate gerado à época pela Consulta Pública, pouco mudou, de fato no mercado brasileiro, entre uma resolução e outra. A RDC 96/08 trouxe algumas novidades em relação à anterior, porém mudanças mais concisas foram deixadas de lado durante a construção da nova regra.

Por outro lado, entretanto, pode-se entender a necessidade de maior fiscalização da própria ANVISA sobre o setor (ARAÚJO, BOCHNER & NASCIMENTO, 2011). Talvez uma

alternativa seja que o projeto de monitoração em parceria com as Universidades Federais seja redesenhado e fortalecido. A iniciativa, a despeito da necessidade de alocação de recursos suficientes para envolver alunos de graduação, pós-graduação, professores e técnicos das Universidades, efetivamente permitiu a criação de uma rede de suporte de pesquisa, com grande estímulo para a produção acadêmica e a reflexão crítica sobre o monitoramento e os dados gerados.

No entanto, há que se observar que as duas correntes de argumentação não são excludentes, havendo espaço para a melhoria da norma legal e para o fortalecimento do processo de fiscalização da propaganda televisiva sobre medicamentos no Brasil.

A média de infrações por peça foi 3,6. Este número indica que a maior parte das peças possui mais de 1 infração e que existem propagandas que ferem muitos artigos. Em uma peça foram observadas 6 infrações simultâneas, e 5 peças acumulavam 5 infrações cada.

Outra informação mostrada pelos dados analisados é a maior concentração de propagandas na emissora A (Figura 4). Este achado pode ser explicado pelo fato de que a distribuição de verbas para propagandas se dá através da observação dos índices de audiência. Deste modo, a audiência da emissora A, sendo maior que da emissora B, naturalmente tende a concentrar as verbas publicitárias.

Figura 4: Frequência das peças publicitárias por emissora monitorada, N-33, Rio de Janeiro, 2014.

A Figura 5 mostra a distribuição das peças de acordo com o grupo terapêutico ao qual pertencem os princípios ativos dos medicamentos analisados. É importante notar que 24% das propagandas são sobre medicamentos com analgésicos associados e 15% sobre antiinflamatórios e antireumáticos. Há ainda 6% classificados como analgésicos e antiinflamatórios.

Figura 5: Grupos terapêuticos dos medicamentos das peças coletadas, N=33, Rio de Janeiro, 2014.

Os dados sobre propaganda de analgésicos e antiinflamatórios, de uma forma geral, ratificam os dados sobre a venda de medicamentos no país. Segundo a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa – Interfarma (2013), Dorflex® (dipirona monoidratada, citrato de orfenadrina e cafeína anidra) e Neosaldina® (Mucato de Isometepteno, Dipirona Sódica e Cafeína Anidra) são os medicamentos mais vendidos no Brasil, com vendas da ordem de mais de 500 milhões de reais, somadas.

As fórmulas contendo antiácidos, associados ou não, concentram pouco mais de 12% das propagandas, mostrando também sua importância dentro do mercado dos Medicamentos Isentos de Prescrição Médica. Com 6% cada, aparecem também os antimicóticos, fitoterápicos e microorganismos diarreicos.

Considerando uma classificação mais usual e comum aos consumidores, é observado que as peças 3, 7 15, 18 e 20 podem ser entendidas também como Antigripais. Isto representa uma fatia de 15% da amostra.

propaganda de medicamentos em mídia televisiva foram convergentes. Nascimento (2003) encontrou 12% de Analgésicos e 12% de Antigripais, além de 10% de Antiácidos. Azevedo e Pereira (2010) encontraram 42% de propagandas sobre analgésicos e associações. Todavia, esses estudos captaram dados enquanto a RDC 102/00 era o marco regulatório do setor e, por este motivo, os dados não podem ser comparados de forma mais direta. Entretanto, não perdem sua utilidade no sentido de oferecer um panorama sobre os achados do presente estudo.

Desde a implementação da RDC 96/08, poucos estudos sobre o conteúdo das propagandas de medicamentos em mídia televisivas foram publicados. Destes, Honorato (2014) encontrou 15% de Analgésicos, 15% de Antigripais, 15% de Antiácidos e 10% de Antiinflamatórios. Apesar de pequenas variações encontradas, que podem ser entendidas no contexto das diferenças regionais onde foram coletados, os dados convergem no sentido de mostrar os grupos terapêuticos consolidados e com maior presença no material publicitário analisado.

A Figura 6 apresenta o perfil das infrações encontradas no material analisado, frente a cada artigo. Vale lembrar que foi calculada a porcentagem de vezes que o artigo foi violado, frente à quantidade de vezes em que era pertinente a sua aplicação. Assim, os resultados mostram a relação de peças que infringiram determinado artigo pela quantidade de peças que estavam sujeitas à sua aplicação. Os artigos que não foram infringidos não foram considerados na confecção do gráfico.

Figura 6: Porcentagem das infrações encontradas por artigo a RDC 96/2008, N=33, Rio de Janeiro, 2014.

Quanto mais próximo do centro está a porcentagem, mais próxima de 100% ela é. Deste modo, chama a atenção o artigo 6º, que trata do tempo de exibição das advertências e informações cabíveis quando as mesmas não são locucionadas, foi frontalmente violado pela indústria, tendo sido desrespeitado em 97% das ocasiões. Honorato (2014) analisou 40 peças à luz da RDC 96/08, encontrando infrações em 100% delas. Em relação ao artigo 6º, o mesmo estudo percebeu infrações em 95% das peças.

ao público em geral é também desrespeitado de forma preocupante, em 27% das ocasiões. Em relação ao mesmo artigo, Honorato (2014) percebeu infrações nos incisos 8º I (85%) e 8º II (85%) enquanto Neto et al. (2012) mostrou infrações nos incisos 8º I (90%) e 8º II (90%) e 8º VII (50%).

O 17º Artigo, que torna obrigatório a apresentação de advertência, caso o medicamento cause efeitos de sedação ou sonolência, é também largamente ignorado, apesar de sua clara relevância. Em nada menos que 71% das ocasiões em que tal exigência era obrigatória, o artigo foi violado. O inciso VI do artigo 22º apresenta 26% de infrações, e exige que conste a data de impressão das peças publicitárias.

O artigo 23º torna obrigatório que princípios ativos inclusos no anexo III da RDC tragam advertências tabeladas pela regulamentação. Substâncias não listadas devem trazem a advertência geral “(...) É UM MEDICAMENTO. SEU USO PODE TRAZER RISCOS. PROCURE O MÉDICO E O FARMACÊUTICO. LEIA A BULA”. Este artigo é violado em 59% das ocasiões. Honorato (2014) encontrou 100% de infrações, enquanto Neto e colaboradores (2012) encontraram 50%.

Por conseguinte, o artigo 24º define que a advertência de que trata o artigo 23º seja pronunciada pelo personagem principal ou pelo locutor, de maneira cadenciada, pausada e audível, é desrespeitado em 81% das peças publicitárias. Este dado mostra que, mesmo empresas que respeitam o artigo 23º, se valem de técnicas publicitárias para tentar minimizar ou ocultar a advertência, ferindo o artigo 24º.

Por fim, o inciso III do artigo 26º, que veda o uso de nome, imagem e/ou voz de pessoa leiga em medicina ou farmácia e reconhecida facilmente pelo público, em razão de sua celebridade, afirmando ou sugerindo que utiliza o medicamento, ou recomendando seu uso, é violado em 15% das peças publicitárias.

Embora, como supracitado, não seja possível comparar os dados encontrados com os de estudos anteriores à implementação da atual RDC, vale apontar que Nascimento (2003) e Azevedo & Pereira (2010) mostraram que 100% das peças analisadas continham alguma infração à RDC 102/00, dado ratificado pelo presente estudo. Comparar de modo qualitativo as infrações não é possível.

diagnóstico, a participação de pessoas famosas nas peças e a hipervalorização do produto ao ser identificado como única alternativa de tratamento são algumas das estratégias observadas, as quais tendem a estimular o consumo destes produtos, conforme Nascimento (2003) apontou em sua dissertação.

Através da transcrição, pode-se observar qualitativamente que o estímulo e/ou sugestão ao diagnóstico é frequente, como, por exemplo, na peça 4, em que o narrador diz “Quando você tem dores na região da barriga, não consegue fazer nada como gostaria, Produto foi desenvolvido para aliviar rapidamente as dores abdominais.”, em um contexto em que o personagem sinaliza dor em sua barriga, e sua esposa lhe entrega uma caixa do medicamento em questão. A mesma peça traz a advertência sobre a qual versa o artigo 23º, porém não de forma cadenciada, pausada e audível, como exige o artigo 24º.

A peça 29 contratou um espaço em um programa de auditório, fazendo o apresentador dizer o seguinte texto “Olha, você não vai deixar a dor estragar seu dia-a-dia (rindo)... A sua alegria, não é mesmo? Claro! Afinal, viver sentindo dor é atraso de vida, porque existe Produto”. A propaganda fere o artigo 26º, inciso II, que veda o uso da imagem e voz de celebridades leigas em medicina e farmácia recomendando um medicamento. Além disso, a peça claramente faz apologia ao uso de medicamentos, demonstrando uma das principais estratégias adotadas pela Indústria Farmacêutica, que é a banalização do uso destes produtos. O apresentador ainda afirma “São várias versões de Produto... Você já conhece, "né" não!? Olha aí, você pode escolher... E tratar de sua dor.”

Ferindo o inciso II do artigo 26º, a peça 31 sugere que o medicamento em questão é a única alternativa de tratamento para varizes e hemorróidas, que podem desencadear condições mais graves no indivíduo. A personagem principal afirma “Eu já tinha tentado aquele outro creme e não adiantou nada! O que adiantou mesmo foi Produto.” e concluí “Produto é um produtaço”, sugerindo em outros trechos também o diagnóstico ao público em geral.

A peça 8, além de não trazer a advertência exigida no artigo 17º, pois contém em sua fórmula princípio ativo capaz de provocar efeitos de sedação ou sonolência, ainda apresenta uma personagem no trânsito e sugerindo o uso do mesmo, para tratar a dor de cabeça. A peça 2 apresenta detalhadamente a sua personagem principal utilizando o produto em questão, ferindo o inciso III, do artigo 8º.

de doutorado. A autora analisa as principais estratégias empregadas pela Indústria para fortalecer a venda de seus produtos. Segundo a autora, a banalização do consumo de medicamentos é fortemente empregada neste intenso. É importante para a Indústria fomentar a ideologia moderna de cura imediata de todos os problemas e angústias. A propaganda de medicamentos incorre nesse discurso, o que também é mostrado através da transcrição das peças analisadas neste trabalho. Bueno e Taitelbaum (2008) e Nascimento (2003) também sinalizaram a forma como o discurso da medicalização é construído e alimentado pela propaganda de medicamentos.

Os achados do presente estudo concordam com os encontrados em estudos anteriores, retratando o perfil dos artigos e incisos mais desrespeitados pela Indústria Farmacêutica, em sua busca de promover seus produtos. Incisos dos artigos 8º e 26º, que regulamentam o que é vedado à propaganda e publicidade de MIPs, apresentam altas taxas de violação. Bem como os artigos 17º, 23º e 24º, que versam sobre advertências obrigatórias na propaganda de determinadas classes terapêuticas.

Os dados apresentam um panorama sobre as práticas publicitárias adotadas pela Indústria Farmacêutica, com o objetivo de promoveram seus produtos e difundirem a cultura de medicalização e automedicação, como valores próprios de nossa sociedade. Quanto mais esse comportamento for estimulado no público em geral, mais venderão e produzirão as empresas do ramo. Deste modo, é extremamente importante a figura do Estado, na representação da ANVISA, enquanto agente fiscalizador e guardião da saúde coletiva, protegendo os cidadãos do risco sanitário constituído pelas más práticas de propaganda e marketing do setor.

7 - CONCLUSÃO

Movimentando mais de 65 bilhões de reais em vendas, o mercado brasileiro de medicamentos é enorme, posicionando-se como o 4º maior do mundo (Interfarma, 2013). Desta forma, naturalmente, o Brasil é um dos focos internacionais da Indústria Farmacêutica. Em 2012, foram investidos pela referida Indústria 2 bilhões de reais em publicidade e propaganda, segundo o IBOPE (2012). Em posse desses dados, fica evidente a necessidade de uma forte regulamentação da atividade de marketing deste setor, por parte do Estado Brasileiro.

O presente trabalho monitorou as peças publicitárias transmitidas em mídia televisiva entre dezembro/2013 e junho/2014, que visavam o público leigo e a divulgação de MIPs. A metodologia empregada permitiu traçar um perfil dos medicamentos alvo desta publicidade, bem como dos principais artigos e incisos da legislação vigente que foram infringidos.

Observou-se que 100% das peças violavam algum artigo, inciso ou parágrafo da RDC 96/08. Com média geral de 3,6 infrações por peça, percebe-se também que os artigos 6º, 17º, 22º inciso VI, 23º e 24º apresentaram as maiores porcentagens de violações, por peça sujeita a sua aplicação. Estes resultados corroboram achados anteriores sobre a forte presença de medicamentos dos grupos terapêuticos dos analgésicos, anti-inflamatórios, antigripais e antiácidos.

A transcrição das peças publicitárias captadas revelou consonância com as discussões levantadas por Nascimento (2003), Ramalho (2010) e Bueno e Taitelbaum (2008). A banalização do consumo de medicamentos é central à estratégia de publicidade e marketing da indústria farmacêutica. Essa estratégia é realizada através do uso de celebridades, da representação de cenas cotidianas, o estímulo ao diagnóstico e automedicação e a sugestão do produto como única via de tratamento em peças publicitárias produzidas pelo setor, tendo como alvo o consumidor final e leigo.

Apesar do número limitado de peças e de canais abertos monitorados, principais limitações do estudo, foi possível traçar o perfil de infrações à RDC 96/08. Os resultados permitem considerar que a regulamentação da propaganda de medicamentos no Brasil ainda apresenta muitas fragilidades, dentre elas o fato da monitoração e punição de irregularidades serem realizadas após a veiculação das peças publicitárias, quanto tanto prescritores quanto população já foram exposto a elas (NASCIMENTO, 2009). Outro aspecto importante é o

valor pífio que as multas representam frente aos investimentos e retorno do marketing farmacêutico (NASCIMENTO, 2009) o que não coíbe as práticas abusivas e enganosas para a promoção de medicamentos.

Em relação à fiscalização, também há muitas fragilidades, visto que o Brasil é um país de dimensões continentais e a ANVISA não possui contingente de recursos humanos compatível com a quantidade de propaganda lançada no mercado, especialmente após a interrupção da parceria com as instituições federais de ensino.

Desta forma, a Indústria Farmacêutica encontra benefício em violar a normatização, pois não há nenhuma garantia de que será efetivamente punida e, caso seja, as multas aplicadas não são representativas. A necessidade de incutir na sociedade a cultura do uso de medicamentos enquanto apenas mais uma face do consumismo moderno induz este setor a financiar material publicitário capaz de difundir esta ideia.

Este estudo atingiu o objetivo geral de monitorar e analisar as irregularidades de propagandas de Medicamentos Isentos de Prescrição destinadas ao público leigo. E Também os objetivos específicos de identificar propagandas de medicamentos direcionadas aos consumidores no município do Rio de Janeiro e regão metropolitana, incluindo os municípios de Niterói e São Gonçalo, bem como de avaliar a conformidade das peças publicitárias destinadas ao público leigo frente à legislação vigente (RDC no 96/2008).

Reforçamos a importância da produção de estudos similares e da construção de um modelo de fiscalização constante e efetivo, como sinalizam Nascimento (2003), Nascimento,(2009), Araújo, Bochner e Nascimento (2012), Honorato (2014), Azevedo & Pereira (2010) e a maioria dos pesquisadores que produzem conhecimento na área. O projeto de monitoramento em parceria com as Universidades Federais mostrou-se frutífero e positivo, fomentando as discussões para a formulação da RDC atual, retomá-lo e revitalizá-lo parece ser um caminho que naturalmente deveria ser seguido pela Anvisa.

Neste sentido, concluímos que o modelo regulador favorece a indústria, as empresas de comunicação, de publicidade e o comércio de medicamentos, e não protege a sociedade de risco sanitário. De modo a efetivamente proteger a população e coibir os abusos da indústria, são necessárias reformulações importantes, sobretudo quanto às punições e monitoramento contínuo da atividade. É evidente a necessidade de um novo modelo fiscalizador e regulador mais rígido que priorize, acima de todos os interesses particulares, um interesse maior, que é o

da sociedade. Esta deve ser protegida da propaganda enganosa e abusiva, promovendo o uso racional do medicamento e o acesso à todas as informações necessárias à sua utilização.

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