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A uveíte nos felinos é uma doença oftálmica que está em 70% casos, relacionada com enfermidades sistêmicas que desencadeiam lesões tissulares, comprometendo a barreira hemato-ocular e causando aumento da permeabilidade vascular (DEL SOLE et. al., 2005).

A infecção por FIV tem como característica a imunossupressão crônica, que pode causar a manifestação de uveíte crônica leve a moderadamente grave nos animais portadores do vírus (GELATT, 2003). Para Teixeira e Souza (2003) a uveíte em gatos infectados natural ou experimentalmente por FIV ocorre em decorrência tanto da ação direta do vírus na úvea, quanto

por infecções oportunistas, como a toxoplasmose. O felino descrito nesse relato já havia sido diagnosticado como portador do vírus da FIV anterior ao aparecimento das lesões oculares. Kern et. al. (2013) sugerem que os complexos imunológicos em animais infectados por FIV têm papel desencadeante na formação da uveíte, sendo que a citologia do HA pode revelar quantidades variáveis de plasmócitos e linfócitos. A técnica de paracentese da câmara anterior pode ser realizada para método diagnóstico (TURNER, 2010), o que não foi empregado no caso relatado.

O histórico de animais acometidos por uveíte pode ser bastante variável (TURNER, 2010). Conforme descrito por Cunha (2008); Parry e Maggio (2007) na anamnese de pacientes acometidos pela doença, relata-se a ocorrência de fotofobia, blefaroespasmo, lacrimejamento, vermelhidão, córnea de coloração azul ou branca, e déficit visual. Os dados descritos pela proprietária na anamnese e os sinais observados no animal coincidem com os descritos pela literatura, exceto a fotofobia, que não foi constatada.

Na avaliação oftálmica, o felino apresentou flare aquoso, hiperemia irídica, infiltrados celulares na câmara anterior, edema de córnea, diminuição da PIO e precipitados ceráticos. Outros sinais clínicos descritos por Gelatt (2003), porém não evidenciados no felino são ingurgitamento ciliar, protusão da glândula da terceira pálpebra, hipópio e nódulos irídicos (GELATT, 2003). Wilkie (2008) inclui também a miose como um sinal clínico. O olho pode parecer turvo, pela combinação do flare, precipitados ceráticos, hipópio e catarata (TURNER, 2010). Segundo Chacaltana (2011) o flare é causado pelo aumento da permeabilidade hemato- aquosa, que causa a liberação prostaglandinas e proteínas na câmera anterior.

Conforme descrito por Gelatt (2003) infiltrados celulares no vítreo anterior são comuns em felinos infectados por FIV, assim como no estágio crônico da doença é comum a formação de sinéquias posteriores, cataratas corticais, e glaucoma secundário. As sinéquias posteriores são resultantes da ação dos infiltrados inflamatórios na forma e mobilidade da íris, sendo que a fibrina faz com que a mesma fique aderida na lente, configurando a sinéquia (PARRY e MAGGIO, 2007). O animal atendido apresentava pupilas arreativas a luz e a tropicamida, agente midriático de escolha para dilatar a pupila para realização da fundoscopia (WEBSTER, 2005), devido a sinéquia posterior. A íris apresentava-se avermelhada, o que segundo Parry e Maggio (2007) ocorre pela dilatação dos vasos e neovascularização da superfície, que fica mais escura e densa.

No animal relatado, o diagnóstico de uveíte foi obtido através do histórico do mesmo, avaliação visual das lesões pelos exames complementares. Conforme descrito por Cunha (2008) é importante o conhecimento da causa primária de uveíte, se ainda desconhecida, para que a

mesma também seja tratada adequadamente. A avaliação dos sinais clínicos pelos exames de fundoscopia e foco de luz, assim como a constatação de hipotonia, obtido pelo exame de tonoscopia foram indicativos de uveíte. Turner (2010) cita a importância da fundoscopia para observação de lesões coriorretinianas, que não foram evidenciadas no felino. Exames como hemograma, bioquímico e urinálise encontram-se frequentemente dentro dos parâmetros fisiológicos, podendo haver alterações relacionadas a causa subjacente da uveíte (TILLEY e SMITH, 2008). A obtenção do diagnóstico correto é importante tanto na exclusão de outras patologias como conjuntivite, glaucoma, ceratite ulcerativa e Síndrome de Horner (TILLEY e SMITH, 2008), quanto na escolha da terapia adequada para o animal.

O tratamento instituído para o felino relatado foi tópico, com o uso de colírio a base de prednisolona, uma gota em ambos os olhos, QID por 15 dias, e BID nos 30 dias posteriores. Os anti-inflamatórios tópicos são indicados quando as afecções se restringem apenas a parte anterior do olho, sendo o acetato de prednisolona a suspensão oftálmica de escolha, pois atinge maior concentração intraocular comparada as demais (WILKIE, 2008). Webster (2005) indica a aplicação dos corticosteróides a cada quatro ou seis horas, pela sua ação relativamente curta. O fármaco escolhido foi condizente ao citado pela literatura, assim como a posologia, na primeira quinzena. Turner (2010) indica a realização do teste de flurosceína para descartar possíveis ulcerações, que alterariam o protocolo terapêutico instituído, entretanto esse teste não foi realizado. Os anti-inflamatórios não esteroidais tópicos como o diclofenaco, cetorolaco, flurbiprofeno e suprofeno podem ser utilizados como suplemento aos corticosteróides, ou como substitutos quando os mesmos forem contraindicados (WEBSTER, 2005; WILKIE, 2008).

Segundo Cunha (2008) o uso de anti-inflamatórios esteroidais e não esteroidais são importantes na inibição da inflamação e da resposta imunomediada, na diminuição da congestão dos vasos, além de tornar os capilares impermeáveis as hemácias e moléculas proteicas. Os corticosteróides sistêmicos são indicados em casos de uveíte posterior ou uveíte anterior grave, como suplementação ao tratamento tópico (WILKIE, 2008). Os anti-inflamatórios não esteroidais (AINE) são indicados em casos onde a terapia com corticosteróides seja contraindicada (CUNHA, 2008). No caso relatado, a médica veterinária responsável não julgou necessário o uso de medicamentos de uso sistêmico, pois sendo o animal portador do vírus da FIV, a imunossupressão causada por corticosteróides poderia favorecer o surgimento de outras manifestações clínicas.

Parry e Maggio (2007); Kahn et. al. (2008); Cunha (2008); Webster (2005) descrevem o uso de fármacos midriáticos cicloplégicos, como a atropina tópica, para manutenção da movimentação e dilatação pupilar e redução na permeabilidade dos vasos inflamados. Estes

fármacos reduzem a dor associada e a tendência de formação de sinéquia posterior (WILKIE, 2008). Todavia, alguns gatos se demonstram extremamente sensíveis a atropina tópica, que causa sinais de hipersalivação e agitação da cabeça (PARRY e MAGGIO, 2007). Este tipo de tratamento não foi empregado no felino relatado, pois o mesmo já apresentava sinais de sinéquia posterior, e pupilas arresponsivas a fármacos midriáticos.

Fármacos antibióticos não foram empregados no caso, pois somente são necessários quando houver infecção secundária, ou de forma preventiva quando for estabelecido tratamento imunossupressor (CUNHA, 2008). Terapias imunossupressoras com azatioprina podem ser necessárias quando o animal não responder nem a altas doses de anti-inflamatórios (WILKIE, 2008; CUNHA, 2008). Outros cuidados como manter o animal em sala escura, uso de compressas mornas e exames oculares periódicos são indicados (CUNHA, 2008). Estes cuidados não foram indicados pela medica veterinária, porém foi recomendado retorno para reavaliação do animal ao termino do tratamento.

A suplementação diária com lisina foi indicada para o felino atendido com o intuito deste ser um aminoácido importante na síntese de proteínas para cães e gatos. Na literatura este tipo de tratamento adjuvante não é indicado para casos de uveíte, nem de FIV. Sua indicação está atribuída as doenças respiratórias infecciosas felinas, onde os estudos demonstram eficácia. O prognóstico de felinos com uveíte é reservado, pois depende da gravidade da causa subjacente e da resposta terapêutica obtida (TILLEY e SMITH, 2008). O paciente era portador do vírus da FIV, o que torna o mesmo suscetível a outras manifestações da doença, nos mais variados sistemas orgânicos.

Várias complicações podem ser decorrentes da uveíte nos felinos, estas geralmente estão relacionadas diretamente com a duração e a causa da inflamação (GELATT, 2003). Wilkie (2008) cita como sequelas decorrentes da uveíte glaucoma secundário, sinéquias, catarata, edema de córnea e cegueira, destes o felino já apresentava sinéquia posterior, edema de córnea e déficits visuais. Foram recomendados exames complementares de eletrorretinografia, para avaliação do segmento posterior e comprometimento da visão, e de hemograma e bioquímica sérica para o acompanhamento da causa subjacente. Até o presente momento, o animal não havia retornado a clínica para realização dos mesmos.

Não é possível estabelecer medidas preventivas para a uveíte, porém o tratamento adequado e imediato da lesão e de sua etiologia, reduzem a possibilidade de sequelas permanentes e complicações graves decorrentes da doença sistêmica (WILKIE, 2008). Ao animal atendido a terapia foi instituída imediatamente, assim como o emprego de suplemento a base de lisina e outros aminoácidos importantes para os felinos.

3.2.4 Conclusão

A uveíte é uma doença oftálmica muito frequente na clínica de felinos, e geralmente é uma manifestação ocular de outras doenças sistêmicas. No caso relatado, o felino era portador do Vírus da Imunodeficiência Felina, o que predispôs o animal à infecção. O diagnóstico rápido e a escolha das medidas terapêuticas adequadas são de extrema importância para a recuperação dos sinais clínicos e manutenção da visão do animal. O tratamento da causa de base também é importante para o fortalecimento da imunidade do animal e diminuição dos efeitos virológicos.

Palavras-chave: úvea; iridociclite; oftalmologia;

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4 CONCLUSÃO

O estágio curricular em Medicina Veterinária é a última etapa, e a mais aguardada, da vida acadêmica. Neste momento nos confrontamos com vários desafios, que nos estimulam ainda mais pela busca por conhecimentos. Todo preparo de sala de aula, neste momento, é colocado em prática, e focado no estabelecimento da conduta individual de cada profissional. As situações vivenciadas neste cotidiano moldam também o caráter, e possibilitam uma autoanálise de que profissional queremos nos tornar. É uma experiencia extremamente gratificante e inesquecível.

A Clínica Veterinária Adharas conta com uma equipe multidisciplinar de alta competência, que me possibilitou o aprendizado nas mais diversas especialidades que a Medicina Veterinária abrange. Por ser referência, a rotina que acompanhei colocou-me frente a casos de simples a complexos, onde pude participar de seu diagnóstico, tratamento e acompanhamento. A convivência tanto com os profissionais, como com os animais e seus proprietários, agregou conteúdos na minha vida profissional e pessoal, pois é na rotina e no cotidiano de casa situação que aprendemos e fizemos as nossas escolhas para o futuro.

Com a realização o estágio na área de clínica de animais de companhia pude acompanhar mais casos, nessa área que está constantemente crescendo, subdividindo-se em especialidades, e evoluindo. Contatei a importância de uma anamnese detalhada, da realização de exames complementares, para chegar em um diagnóstico correto, e obter a cura do animal.

Ao fim desta etapa, posso afirmar que me sinto mais segura para encarar a vida profissional, com a certeza da escolha da profissão correta. Atribuindo isto a todos conhecimentos adquiridos em sala de aula, e que foram colocados na prática no estágio curricular supervisionado. Desta forma, elucida-se a importância desta etapa na formação e preparação dos médicos veterinários para o mundo do trabalho.

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