• Nenhum resultado encontrado

Resultados obtidos em função da questão de partida (1)

CAPÍTULO III: ESTUDO EMPÍRICO

3.4. Análise: verificação das proposições provisórias enunciadas como

3.4.1. Resultados obtidos em função da questão de partida (1)

Que motivações conduziram uma editora portuguesa, de estrutura independente, a publicar – em 2013 – uma revista literária?

Hipóteses: (1a) Diversificar e alargar a oferta editorial. (1b) Fidelizar leitores. (1c) Captar

leitores. (1d) Gerir um projeto periódico. (1e) Intervir no fenómeno económico das indústrias criativas. (1f) Fomentar a cultura literária. (1g) Contrariar as políticas editoriais.

Através das entrevistas qualitativas semidiretivas foi possível averiguar que a editora Tinta- -da-China, apesar de, outrora, ter ponderado editar uma revista literária, não o fez até 2013 por apreensão, mas também porque não era algo que Bárbara Bulhosa, a sua diretora, «achas- se que faltava ao catálogo da Tinta-da-China». [entrevista à diretora da Tinta-da-China, reali- zada a 04-10-2016]

À partida é muito arriscado fazer uma revista em que o que está em causa é a literatura, e por- tanto, a mim interessava-me mas sempre tive muito medo que não tivesse público. O que aca- bou por não acontecer, mas era o mais natural que acontecesse. [entrevista a Bárbara Bulhosa, diretora da Tinta-da-China, realizada a 04-10-2016]

Sobre o «risco», Carlos Vaz Marques considera que «foi o elemento que desencadeou o inte- resse» dos média e do público-leitor pela edição de uma nova revista literária:

sulta. «Ahh... estes tipos estão a fazer uma coisa... Quando está tudo deprimido e andam todos a falar da crise... Ainda é possível fazer alguma coisa...» [entrevista a Carlos Vaz Marques, dire- tor da Granta Portugal, realizada a 21-10-2013]

Mas acrescenta:

Há um risco grande... Estando a revista no mercado, se não houver quem a compre... não sub- siste. O risco maior é esse. Mas neste momento temos uma boa rede de segurança, que são os [...] assinantes, e portanto, à partida, está mais ou menos paga a edição. [entrevista a Carlos Vaz Marques, diretor da Granta Portugal, realizada a 21-10-2013]

Bárbara Bulhosa relembra situações que comprovam o interesse do público e Carlos Vaz Marques refere a importância que tem haver um contacto próximo com «os leitores compe- tentes e concretos»:

[...] houve casos de pessoas que não faziam a mínima ideia do que era a Granta mas queriam a Granta [risos]. Telefonavam, apareciam aqui... e eu percebia claramente que, «aquela pessoa» não fazia ideia do que era a Granta. Só sabiam que tinha saído uma nova revista... [entrevista a Bárbara Bulhosa, diretora da Tinta-da-China, realizada a 04-10-2016]

O mercado são pessoas! Não é? Ou seja, o mercado não é uma coisa abstrata. Nós, pelo menos, não o encaramos assim. Por isso é que temos uma página no Facebook e respondemos direta- mente às pessoas. Porque a ideia do mercado em abstrato é uma ideia do marketing que tem ra- zões da psicologia social – razões que se entendem, porque de facto há uma massificação e as organizações tendem a «olhar para o bolo em grosso modo» –, mas aquilo que me dá prazer e é uma das marcas que distingue a Tinta-da-China, é o desejo de trabalhar com pessoas concretas e de receber respostas de pessoas concretas. Eu gosto de saber que «aquele tipo» «gostou», e que «aquela» pessoa «gostou mais deste texto do que daquele»... E isso para mim é o mais vali- oso. O meu objetivo não é propriamente trabalhar para trazer... «Ah! Um milhão de pessoas!» [...] Claro que se for um milhão, eu sei que são um milhão de indivíduos. Nunca confundo isso com uma massa anónima e amorfa. Interessa-me muito a reação e a aproximação a cada leitor. Mas também me interessa que a revista tenha um número de leitores suficiente para poder vin- gar e afirmar-se. Mas entre o ter um número suficiente de leitores para poder existir e ter uma massa amorfa... [entrevista a Carlos Vaz Marques, diretor da Granta Portugal, realizada a 21- 10-2013]

Verificou-se também que os livreiros potenciaram a atenção dos leitores, como refere o dire- tor da revista:

Como a primeira correu bem, nós temos a sorte de os livreiros estarem a destacá-la. É muito importante. Este jogo de exposição é onde muitas vezes se ganha mais ou menos capacidade de sobrevivência. [entrevista a Carlos Vaz Marques, diretor da Granta Portugal, realizada a 21- 10-2013]

Mas não me iludo em relação ao facto de o n.º 1 ser aceite. O n.º 1 tem sempre uma procura maior que qualquer outro seguinte. Por isso, há que distinguir aquilo que é o mérito da própria revista e aquilo que é o facto de ser uma novidade. Se o nosso patamar médio fosse metade da- quilo que fizemos no n.º 1 – que foram 7000 exemplares –, era excelente. [entrevista a Carlos Vaz Marques, diretor da Granta Portugal, realizada a 21-10-2013]

Essa visibilidade é, naturalmente, essencial para a editora do ponto de vista comercial. Tanto que, a partir do n.º 2, a Tinta-da-China adicionou ao tipo de registo ISSN o ISBN, como es- clarece Carlos Vaz Marques:

O ISSN é para periódicos e o ISBN é para livros. Alterou-se porque, por exemplo, o n.º 1 não apareceu no top da Fnac por não ser considerado livro (teve vendas para tal). Por outro lado, porque para ser um periódico (ISSN) não cumpria uma série de requisitos da autoridade da co- municação social. Aqui a questão tem também a ver com determinadas condições entre ser li- vro e ser periódico. Agora a n.º 2 já será tratada como livro. E já poderá estar no top da Fnac... Que é algo que tem valor... Até comercial. [entrevista a Carlos Vaz Marques, diretor da Granta Portugal, realizada a 21-10-2013]

No que diz respeito às hipóteses ponderadas como motivadoras para editar uma revista literá- ria (nesta etapa, assume-se ser a edição da Granta), nomeadamente, «fidelizar leitores» e/ou «captar leitores», através de Bárbara Bulhosa foi possível confirmar essa perceção:

A Tinta-da-China edita livros para quem gosta de ler, para quem gosta de livros e a Granta en- caixa-se completamente nesse público. O público da Granta é o público da Tinta-da-China. E é natural que através da Granta a Tinta-da-China tenha ganho novos leitores. É natural que a Granta tenha despertado mais atenção por ser dirigida pelo Carlos Vaz Marques, que tem uma carreira de décadas a trabalhar em jornalismo cultural, nomeadamente com livros, inclusive a marca Tinta-da-China. Parece-me que estas componentes aliadas transmitiram ao público que o projeto tinha qualidade. Daí termos tido 300 assinantes antes de sair o primeiro número – antes de saberem o que ia acontecer. [entrevista a Bárbara Bulhosa, diretora da Tinta-da-China, reali- zada a 04-10-2016]

Porém, e voltando àquilo que se deduz como sendo o cerne da questão, a ideia de publicar uma revista literária apenas se consumou por ter surgido a possibilidade de ser editada a Granta em Portugal. Como referiu a diretora da Tinta-da-China [entrevista a Bárbara Bulho- sa, realizada a 04-10-2016]:

[...] não queríamos fazer uma revista literária per si.

O que aconteceu é que conhecíamos a Granta, eu gostava muito do projeto, sabia que estava a expandir-se (Granta Itália, Granta Japão, Granta China, Granta Brasil, etc.) e achei que terí- amos público para fazer uma revista literária, mas dentro da Granta.

Carlos Vaz Marques relata como tudo se «desenrolou [...] à velocidade da luz»:

Isto tem uma história engraçada, porque a Bárbara Bulhosa desafiava-me há muito tempo para fazermos uma revista. E eu achava a ideia louca... Mas, há três ou quatro anos fui ao Brasil e vi lá a Granta brasileira. Voltei todo entusiasmado (não sabia que havia «Grantas» nos outros pa- íses...) e disse-lhe: «Nós devíamos era fazer a Granta!» Porque percebi que tinham a possibili- dade de ir buscar textos à Granta original e de fazer aquele mix de Granta «local» com Granta «original». A ideia era gira... Mas o assunto ficou por ali. Até que, há cerca de dois anos (em 2012), a Bárbara foi à FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty) e estava lá o John Freeman no lançamento da edição dos «20 Melhores Autores Brasileiros». A Bárbara Bulhosa reconhe- ceu-o, apresentou-se e deu-lhe o catálogo da Tinta-da-China – que foi logo elogiado (também porque já conhecia muitos dos títulos) – e disse-lhe que já tinha pensado editar a Granta em Portugal. Ao que o John Freeman respondeu: «Nós também gostávamos. Estamos a expandir... Porque não?» A Bárbara regressa e liga-me a dizer: «Não vais acreditar! Vamos fazer a Gran- ta!» E a partir daí a ideia concretizou-se. Foi trabalho... [entrevista a Carlos Vaz Marques, dire- tor da Granta Portugal, realizada a 21-10-2013]

Considera-se que, no geral, as hipóteses colocadas foram confirmadas pelos informadores – umas com mais peso do que outras. Contudo, deduz-se que o fator impulsionador do projeto que deve ser sublinhado foi ter surgido a possibilidade de franquiar a revista literária Granta. Caso contrário pensa-se que, pela gestão estratégica cautelosa de Bárbara Bulhosa, não teria sido editada pela Tinta-da-China qualquer outra revista literária, em meados de 2013.

[...] é muito complicado sobreviver com todas estas características, porque nós vivemos só dos livros que vendemos. Não tenho nenhum sócio capitalista, e portanto, essa parte é complicada e tenho que usar muito do meu tempo para fazer a gestão mais rigorosa possível para não escor- regarmos. [entrevista a Bárbara Bulhosa, diretora da Tinta-da-China, realizada a 04-10-2016]