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Foram incluídos o total de 56 pacientes, sendo 28 provenientes do

ambulatório do Centro Infantil de Investigações Hematológicas Dr. Domingos A Boldrini e 28 pacientes provenientes do ambulatório do Hospital de Clínicas da Unicamp. A distribuição segundo gênero mostrou-se homogênea, sendo 50% dos pacientes pertencentes ao gênero masculino e 50% ao feminino. A média de idade de ocorrência do primeiro episódio epiléptico foi de 9,83 anos ([0,5 – 55], DP 9,24).

Com relação à semiologia das crises 17 pacientes (30,36%) apresentaram exclusivamente crises focais enquanto trinta e nove pacientes (69,64%) apresentaram também crises tônico-clônicas bilaterais; nenhum apresentou apenas crises tônico- clônicas generalizadas. O intervalo médio entre a ocorrência da primeira crise e o tratamento cirúrgico foi de 7,11 anos ([0,03 – 48], DP 9,58). A idade média dos pacientes no momento da cirurgia foi de 16,87 anos ([1 – 63], DP 13,22). Os dados estão resumidos na tabela 1 e sua respectiva distribuição na figura X.

Tabela 1 – Dados demográficos dos 56 pacientes

Variável

Gênero 28 Feminino: 28 Masculino

Idade da 1ª crise epiléptica 9,83 (0,5 – 55) anos – DP 9,24 Idade na cirurgia 16,87 (1 – 63) anos – DP 13,22 Intervalo 1a crise – cirurgia 7,11 (0,03 – 48) anos – DP 9,58

Figura 5. Dados demográficos dos 56 pacientes – distribuição.

Com relação à topografia das lesões quarenta e nove pacientes (87,50%) apresentaram acometimento de um único lobo, com predomínio pelo lobo temporal, observado em quarenta e um pacientes (73,21%); sete pacientes (12,5%) apresentaram lesões acometendo mais de um lobo conforme tabela 2.

Tabela 2 – Distribuição das lesões segundo lobos cerebrais

Lobos n % Frontal 5 8,93 Fronto-parietal 1 1,79 Fronto-temporal 1 1,79 Fronto-têmporo-insular 1 1,79 Occipital 1 1,79 Parietal 7 12,50 Parieto-insular 1 1,79 Temporal 36 64,29 Têmporo-occiptal 1 1,79 Têmporo-parietal 1 1,79 Têmporo-insular 1 1,79 Total 56 100,00

Nosso protocolo cirúrgico tem por objetivo cirurgia com propósitos curativos, visando, portanto, à ressecção total sempre que possível independentemente de as lesões apresentarem imagens radiológicas sugestivas de tumores benignos (grau I pela OMS) ou do controle medicamentoso satisfatório das crises epiléticas. A lesionectomia foi o procedimento de escolha em todos os quinze pacientes (26,79%) com tumores de localização extra-temporal. Nos quarenta e um pacientes que apresentaram tumores acometendo o lobo temporal, as técnicas cirúrgicas indicadas foram a lesionectomia (33,93%) ou a lobectomia temporal anterior modificada (ressecção estendida envolvendo a corticectomia temporal anterior e as estruturas mesiais temporais; 39,29%). A figura 5 ilustra as técnicas empregadas no estudo. A eletrocorticografia intraoperatória não foi utilizada em nenhum desses procedimentos.

Figura 6. Imagens ilustrativas das técnicas cirúrgicas utilizadas em nossos protocolos.

A lesionectomia com uma pequena margem de tecido peri-lesional é indicada nas lesões extra-temporais e na maioria das lesões temporais laterais (neocorticais) e a lobectomia temporal anterior modificada nas lesões temporais mesiais. A – B: lesionectomia realizada em paciente adulto do sexo masculino apresentando crises incapacitantes por epilepsia fármaco-resistente devido a um ganglioglioma parietal. C – D: lobectomia temporal anterior modificada realizada em uma paciente do sexo feminino apresentando epilepsia fármaco-resistente devido a um tumor temporal compatível com DNET. Ambos os pacientes ficaram livres de crises.

Os quatro tumores mais prevalentes em nossos pacientes foram os gangliogliomas em 29 pacientes, DNETs em 8 pacientes, xantoastrocitoma pleomórfico em 6 pacientes e astrocitoma pilocítico em 4 pacientes. Na tabela 4 estão resumidos os principais resultados histopatológicos. Displasias corticais focais do tipo IIIb estiveram presentes em apenas quatro (7,1%) pacientes.

Tabela 3 – Principais resultados histopatológicos

n %

Ganglioglioma (OMS I) 29 51,7

DNET (OMS I) 8 14,2

Xantoastrocitoma pleomórfico (OMS II) 6 10,7

Astrocitoma pilocítico (OMS I) 4 7,1

Glioma difuso de baixo grau (OMS II)* 4 7,1

Glioneuronal misto (OMS grau I)** 3 5,3

Ependimoma (OMS II) 1 1,8

Gangliocitoma (OMS I) 1 1,8

OMS grau I 45 80,36

OMS grau II 11 19,64

* Classificação considerando achados histológicos e de imuno-histoquímica diante da indisponibilidade de testes genéticos (oligoastrocitoma, OMS grau II: 2 (3,6%); astrocitoma difuso, OMS grau II: 1 (1,8%); oligodendroglioma, OMS grau II: 1 (1,8%)). ** Características histopatológicas inconclusivas para permitir a classificação como ganglioglioma ou DNET.

Um ano após a cirurgia 48 pacientes (85,71%) estavam livres de crises incapacitantes (Engel I); 43 deles (76,79%) estavam completamente livre de crises (Engel Ia). Onze pacientes (19,6%) foram submetidos a outros procedimentos cirúrgicos até o final do estudo, sete (8,9%) devido à recidiva ou progressão tumoral, e quatro (7,14%) por persistência de crises epilépticas incapacitantes pós-operatórias. Houve quatro óbitos em nossa série (7,14%), três (5,3%) em decorrência de progressão tumoral para formas anaplásicas (grau III ou grau IV), e um deles (1,8%) em decorrências de causas não relacionadas à epilepsia ou à cirurgia (paciente teve o diagnóstico de linfoma). Não houve óbitos ou complicações maiores relacionadas aos procedimentos cirúrgicos. Ao final do estudo (2018), 42 pacientes (75%) continuavam completamente livres de crises epilépticas (Engel Ia), sete deles (12,5%) já sem uso de medicações. O tempo de seguimento dos pacientes pós tratamento cirúrgico foi em média de 8,85 anos ([1,61 – 16,44]; DP 4,72).

Após a análise descritiva foi verificada associação bivariada significativa entre o desfecho Engel IA ao final do estudo e as seguintes variáveis: tumor glioneuronal x outros (p = 0,0266; HR 2,273; IC95% 1,100-4,695), técnica cirúrgica (lobectomia x lesionectomia (p = 0,0166; HR 2,513; IC95% 1,182-5,319) e intervalo entre início das crises e cirurgia (p = 0,0233; HR 1,045; 1,006-,1085). Submetidas ao critério de seleção stepwise e análise de regressão Cox definindo-se como variável preditora a permanência na classificação de Engel IA ao final do estudo, apenas a variável tumor glioneuronal permaneceu estatisticamente significativa (p = 0,0266; HR 2,273; IC95% 1,100-4,695).

A associação bivariada significativa com o desfecho Engel I ao final do estudo foi verificada com a seguinte variável: intervalo entre início das crises e cirurgia (p = 0,0380; HR 1,039; 1,002-1,078). Submetida ao critério de seleção stepwise e análise de regressão Cox definindo-se como variável preditora a permanência na classificação de Engel I ao final do estudo, a referida variável permaneceu estatisticamente significativa.

Aplicando-se o teste exato de Fisher e estatística V de Cramér, a técnica cirúrgica lobectomia (ressecção ampliada) para os tumores temporais mostrou associação estatisticamente significativa com o desfecho Engel I ao final do estudo (p 0,016; V de Cramér 0,401).

Aplicando-se o modelo de regressão logística para a variável dependente Engel IA as variáveis tipo de crise – generalizada (p = 0,026; estimativa = 2,1984; erro padrão = 0,9852; OR = 9,0108) e histologia – grau II (p = 0,026; estimativa = -3,0168; erro padrão = 1,3535; OR = 0,0490) mostraram-se estatisticamente significativas.

Aplicando-se o modelo de regressão logística para a variável dependente Engel I e do método stepwise de seleção de varáveis, as seguintes variáveis foram selecionadas para o modelo final: intervalo entre início das crises e cirurgia (p = 0,191; estimativa = 0,1713; erro padrão = 0,1311; OR = 1,1869), técnica cirúrgica – ressecção ampliada para os tumores temporais (p = 0,061; estimativa = 2,8542; erro padrão = 1,5248; OR = 17,3611) e histologia – grau II (p = 0,131; estimativa = -1,7216; erro padrão = 1,1388; OR = 0,1788).

5. DISCUSSÃO GERAL

A epilepsia está associada à uma grande variedade de tumores que acometem o sistema nervoso central, sobretudo os tumores glioneuronais de baixo grau motivados por fatores bioquímicos, moleculares, estruturais e da própria biologia desses tumores como o comportamento indolente e maior expectativa de vida. (28, 29, 30, 31, 32). As neoplasias neuroepiteliais de baixo grau associadas à epilepsia (LEATs) compreendem grande parte desses tumores, frequentemente relacionando- se à epilepsia de início precoce, fármaco-resistente e como única ou principal manifestação clínica. Na tabela 4 estão relacionados os principais trabalhos da literatura a respeito do tema e suas principais conclusões.

Tabela 4 – Principais séries envolvendo tumores compatíveis com LEATs

Séries n Principais achados

Babini et al.; 2013 (33) 30 Início precoce de crises associado a pior prognóstico no controle de crises pós cirurgia.

Brahimaj et al.; 2014 (34) 18 Maior número de drogas antiepilépticas empregadas antes da cirurgia associado a prognóstico desfavorável no controle de crises.

Brainer-Lima et al.; 2002 (35) 42 Hipointensidade em T1(RM) pode estar associada a ganglioglioma em pacientes jovens com epilepsia.

Bauman et al.; 2009 (36) 145 Análise de tumores de baixo grau supratentoriais e sobrevida.

Chang et al.; 2010 (29) 50 Cirurgia mostrou-se efetiva para DNETs. Eletrocorticografia e ressecção estendida mostraram-se úteis.

Chappé et al.; 2013 (37) 96 Caracterização molecular dos tumores

Chassoux et Daumas-Duport; 2013 (38)

78 Caracterização de subtipos de DNETs

Daszkiewicz et al.; 2018 (39) 52 Menor duração da epilepsia e pacientes com menor idade são fatores de bom prognóstico.

Ehrstedt et al.; 2017 (40) 25 Prognóstico favorável a longo prazo associado à ressecção total.

Faramand et al.; 2018 (41) 150 Controle da epilepsia associado à ressecção total. Função cognitiva associada à menor duração e início tardio da epilepsia.

García-Fernandez et al.; 2011 (42)

21 Ressecção total associada ao bom controle da epilepsia. Cirurgia precoce pode preservar função cognitiva.

Giulioni et al.; 2009 (23) 28 Ressecção estendida associada a melhor controle das crises em tumores temporais

Giulioni et al.; 2006 (43) 21 Lesionectomia associada a bons resultados em lesões extra-temporais e temporais neocorticais

Khajavi et al. 1999 (44) 34 Prognóstico favorável com ressecção total. Mapeamento intraoperatório pode não ser necessário como rotina.

Ko A et al.; 2019 (45) 58 Ressecção completa relacionada ao controle favorável das crises e desempenho cognitivo. Considerar cirurgia precoce.

Lopez-Gonzalez et al.; 2012 (46)

130 Avaliação pré-operatória multidisciplinar é recomendada. Prognóstico favorável com ressecção total.

Luyken et al.; 2003 (15) 207 Cirurgia precoce está associada à alta taxa de sucesso e redução do risco de malignização.

Minkin et al.; 2008 (47) 24 Prognóstico favorável diante da ausência de crises generalizadas pré-operatórias.

Mittal et al.; 2005 (48) 38 Prognóstico desfavorável com descargas epileptiformes bitemporais ou multifocais e ressecção incompleta das estruturas mesiais temporais.

Morris et al.; 1998 (49) 38 Prognóstico favorável com cirurgia precoce.

Nolan et at.: 2004 (50) 30 Prognóstico favorável com ressecção total. Duração da epilepsia e idade na cirurgia podem influenciar negativamente o prognóstico.

Radhakrishnan et al.; 2016 (18)

105 Considerar cirurgia precoce nos LEATs. Crise tônico-clônica bilateral, localização temporal e espículas tardias pós- operatórias associados à responsa insatisfatória no controle das crises.

Ramantani et al.; 2014 (51) 29 Prognóstico favorável com ressecção total. Cirurgia relacionada à melhora cognitiva.

Ruban et al.; 2009 (52) 38 Prognóstico favorável com ressecção total.

Thom et al.; 2011 (53) 101 Caracterização de subtipos histológicos de DNETs. Dados de biologia molecular incorporados.

Uliel-Sibony et al.; 2011 (54) 48 Excelentes resultados da cirurgia no controle da epilepsia de crianças e adolescentes com tumores temporais de baixo grau.

Yang et al.; 2019 (55) 39 Lesões tumorais satélites podem comprometer o resultado cirúrgico.

Embora os LEATs não sejam tão frequentes, por sermos centros de referência observamos uma prevalência relativamente elevada de pacientes portadores desses tumores em nossos ambulatórios, sobretudo pacientes com controle insatisfatório de crises e com uma incidência de crises tônico-clônicas bilaterais (anteriormente denominadas secundariamente generalizadas) acima do esperado segundo a literatura, consistindo, portanto, vieses na constituição de nossa amostra (3, 11, 14, 21). Dificuldades próprias da organização do sistema de saúde no referenciamento de pacientes para centros de excelência, frequente manejo desses pacientes por clínicos generalistas, sobretudo diante de um controle farmacológico inicial possivelmente favorável das crises, influenciaram o perfil epidemiológico da população estudada.

Dos 56 pacientes incluídos observamos uma igual distribuição por gênero. O início das crises ocorreu em geral na infância (média 9,83 anos; DP 9,24); a maioria dos pacientes apresentou crises tônico-clônicas bilaterais além das crises focais, provavelmente pelo viés de seleção acima mencionado. O intervalo médio entre a primeira crise clinicamente manifesta e a primeira cirurgia foi de 7,11 anos (DP 9,58). Em concordância com a literatura observamos predomínio pelo lobo temporal, a epilepsia como principal manifestação clínica e fator de comprometimento da qualidade de vida, gangliomas e DNETs como principais achados histopatológicos; resultados favoráveis no controle das crises após o tratamento cirúrgico e superioridade da ressecção cirúrgica envolvendo as estruturas mesiais temporais sobre a lesionectomia nos tumores acometendo esse lobo (56).

Contrapondo os achados da literatura tivemos uma baixa incidência de displasias corticais focais associadas aos tumores. Encontramos apenas 4 casos (7,1%) confirmados pela patologia, diferentemente de incidências publicadas de até 80% em algumas séries (25). Alguns fatores podem ter contribuído com tais resultados. Trata-se de um estudo retrospectivo que incluiu pacientes operados há

quase 20 anos, quando a coloração por hematoxilina-eosina era a principal técnica empregada no diagnóstico histopatológico, condição que dificulta a diferenciação entre infiltração neoplásica e displasias (25). Vários dos nossos pacientes foram operados no centro de oncologia pediátrica, com abordagem neurocirúrgica pela perspectiva oncológica, visando ao mínimo dano peri-lesional (lesionectomia) porém que pode ter repercutido na condição do espécime encaminhado ao patologista (ressecção em fragmentos ao invés de “em bloco”). Ressalta-se ainda que não dispomos de recursos acessórios como a eletrocorticografia intraoperatória na grande maioria das nossas cirurgias, recurso esse que poderia auxiliar na identificação de displasias associadas não identificadas por outros métodos. Em nossa séria a eletrocorticografia intraoperatória não foi utilizada em nenhuma das cirurgias, essa limitação, porém, aparentemente não comprometeu nossos resultados cirúrgicos quando comparados à literatura (56). Os exames pré-operatórios de RNM, incluindo sobretudo as técnicas tradicionais (T1, T2, FLAIR) não se mostraram suficientes para o diagnóstico de displasias associadas. Tal condição pode futuramente ser modificada com a inclusão de técnicas avançadas de aquisição de imagens nos protocolos pré- operatórios de investigação, como atualmente já realizada no Hospital de Clínicas da UNICAMP.

Considerando o controle de crises, no primeiro ano após o tratamento cirúrgico tivemos 85,7% dos nossos pacientes livres de crises incapacitantes – Engel I; e 76,7% encontravam-se totalmente livres de crises – Engel Ia. Ao final do estudo 75% dos nossos pacientes permaneceram completamente livres de crises (Engel Ia); sete pacientes (12,5%) não estavam mais fazendo uso de medicações antiepilépticas, portanto livres de crises e dos potenciais efeitos colaterais relacionados a essas medicações, e outros mais já em processo de redução de dose.

Durante o período do estudo, onze pacientes foram reoperados. Desses, sete pacientes (8,9%) tiveram indicação oncológica devido à recidiva ou progressão tumoral nos casos em que a ressecção completa não fora possível na primeira cirurgia. O acometimento de áreas eloquentes é o principal motivo de ressecções subtotais. Quatro pacientes (7,1%) foram reoperados por persistência de crises após o primeiro procedimento e evoluíram posteriormente com resultados satisfatórios. A ressecção incompleta da zona epileptogênica inicialmente seria a principal causa de

falha terapêutica, porém, a reavaliação e abordagens subsequentes podem ser uma opção conforme mostraram nossos resultados e os da literatura (57).

As seguintes variáveis relacionadas a um desfecho favorável – Engel I ou Ia ao final do estudo, foram avaliadas: gênero, idade de início das crises, intervalo até a cirurgia, presença de crises tônico-clônicas bilaterais, acometimento temporal ou envolvimento de mais de um lobo, presença de DCF, técnica cirúrgica, histologia, presença de componente neuronal (tumores glioneuronais).

Os pacientes com crises tônico-clônicas bilaterais e o diagnóstico de tumores glioneuronais, ou seja, os que apresentavam em sua constituição componentes neuronais: gangliogliomas, gangliocitomas, DNETs, e os tumores glioneuronais mistos, nos quais não houve elementos suficientes para uma classificação histopatológica mais precisa, apresentaram uma chance maior de concluírem o estudo completamente livres de crises (Engel IA); enquanto que os tumores classificados como grau II pela OMS relacionaram-se à um pior controle das crises ao final do estudo quando comparados aos tumores grau I.

Considerando-se como desfecho a classificação Engel I, os pacientes com tumores envolvendo o lobo temporal submetidos à lobectomia temporal anterior modificada (ressecção estendida) e os com maior intervalo entre o início das crises e o tratamento cirúrgico tiveram maior chance de concluírem o estudo livres de crises incapacitantes; tumores grau II pela OMS mantiveram sua associação com pior controle das crises.

Os principais achados estão resumidos nas tabelas 5 e 6.

Tabela 5 – Principais associações estatísticas – Engel IA ao final do estudo

Método de Regressão de Cox

Variável Resultado

Tumor glioneuronal p = 0,0266; HR 2,273; IC95% 1,100-4,695

Método de Regressão Logística

Presença de CTC bilaterais p = 0,026; estimativa = 2,1984; erro padrão = 0,9852; OR = 9,0108

Histologia grau II p = 0,026; estimativa = -3,0168; erro padrão = 1,3535; OR = 0,0490

Tabela 6 – Principais associações estatísticas – Engel I ao final do estudo

Método de Regressão de Cox

Variável Resultado

Intervalo Início das crises – cirurgia p = 0,0380; HR 1,039; 1,002-1,078

Método de Regressão Logística

Variável Resultado

Intervalo Início das crises – cirurgia p = 0,191; estimativa = 0,1713; erro padrão = 0,1311; OR = 1,1869

Técnica cirúrgica – lobectomia* p = 0,061; estimativa = 2,8542; erro padrão = 1,5248; OR = 17,3611

Histologia grau II p = 0,131; estimativa = -1,7216; erro padrão = 1,1388; OR = 0,1788

* Tumores temporais

O tratamento cirúrgico mostrou-se eficaz no controle das epilepsias, com 75% de pacientes completamente livre de crises ao final do estudo. Comparando-se os tumores glioneuronais com os demais, observamos que, os tumores que não apresentaram componente neuronal em sua constituição associaram-se a um melhor controle pós-operatório da epilepsia. Esse resultado pode ser explicado pela importância do componente neuronal no processo de epileptogênese – células altamente complexas e diferenciadas, produtoras de moléculas neuro-ativas, expressando receptores de glutamato, ácido gama amino-butírico (GABA), integradas a circuitos excitatórios e inibitórios e redes neuronais (25, 58), além do fato dessas características estarem potencializadas em neurônios displásicos tumorais (33).

Em nosso estudo a presença de crises convulsivas tônico-clônicas bilaterais associou-se a uma maior chance de o paciente evoluir completamente livre de crises após o tratamento cirúrgico. Embora esse dado possa ter um viés de seleção

como previamente mencionado, reforça o potencial do tratamento cirúrgico na melhora da qualidade de vida e redução da morte súbita em epilepsia nesses pacientes.

As neoplasias classificadas como OMS grau II são neoplasias com maior propensão a evoluírem para graus de maior agressividade e que apresentam um caráter mais infiltrativo (16), características que dificultam a ressecção cirúrgica completa e que podem explicar um menor controle oncológico e das crises epilépticas pela persistência, por exemplo, de lesões residuais.

Quando consideramos o intervalo entre a primeira crise e o tratamento cirúrgico, tivemos um resultado inesperado diante de alguns trabalhos na literatura que tem associado a precocidade do tratamento cirúrgico a um resultado favorável no controle da epilepsia (56, 59, 60), sobretudo quando entendemos a epileptogênese como um processo dinâmico. Tal resultado pode ser explicado por alguns fatores. O período de estudo foi de quinze anos. Nos primeiros anos da série tínhamos uma equipe cirúrgica, em ambos os serviços, mais heterogênea e onde a lesionectomia, mesmo para tumores temporais, teve um maior espaço. A partir de 2011, tivemos uma mudança de paradigma, com a indicação de ressecção ampliada envolvendo as estruturas mesiais quando o tumor acometia o lobo temporal, e uma uniformização na equipe cirúrgica de ambos os serviços. Nossa série incluiu pacientes submetidos à cirurgia mais precoce, porém, com ressecções mais restritas, e que tardiamente foram reoperados por persistência das crises, submetidos a ressecções mais amplas e com resultados satisfatórios, provavelmente pela exclusão de toda a zona epileptogênica nessa segunda abordagem. O critério definido para essa variável foi a primeira cirurgia, portanto esses pacientes contribuíram para o subgrupo de pacientes operados precocemente com resultados insatisfatórios. Outro possível viés é o fato de que tivemos pacientes com uma longa história de epilepsia, de até 48 anos por exemplo, apenas tardiamente encaminhados aos nossos serviços e que ficaram livres de crises após a cirurgia. São pacientes que possivelmente fariam parte do grupo dos precocemente operados e com bons resultados se tivessem sido referenciados também de forma precoce. Esse é um aspecto muito importante a ser salientado pois esses pacientes ainda têm dificuldades de acesso aos serviços de referência, seja pelas limitações do serviço público de saúde, seja por falta de conhecimento sobre a indicação e potencial benefício do tratamento cirúrgico entre os clínicos generalistas

que assistem boa parte desses pacientes na atenção primária. Por outro lado, são resultados que corroboram o benefício do tratamento cirúrgico mesmo para pacientes com longa duração de doença.

Particularmente em nosso estudo, as ressecções ampliadas envolvendo as neoplasias do lobo temporal parecem ter tido um maior impacto no controle da epilepsia que a precocidade da cirurgia. Quatro dos pacientes reoperados por controle insatisfatório de crises foram inicialmente submetidos à lesionectomia com intervalo entre o início das crises e a primeira cirurgia variando de 0,5 a 5 anos (média de 2,2 anos). Após nova abordagem cirúrgica com ampliação da área inicialmente ressecada tais pacientes mantiveram-se completamente livres de crises até o final do estudo. Isso demonstra que embora a literatura aponte para a precocidade da indicação cirúrgica como fator de bom prognóstico, esse deve sempre ser considerado no contexto da ressecção de toda a zona epileptogênica, possivelmente vindo a perder importância quando analisado de forma isolada. O desenvolvimento continuado de técnicas de imagem e neurofisiologia associados à disponibilidade de uma equipe multidisciplinar contribuem nesse sentido para uma avaliação pré-operatória mais ampla e precisa, que permita identificar a zona epileptogênica e direcionar o tratamento cirúrgico visando a um resultado cada vez mais satisfatório.

Os tumores gliais e glioneuronais associados à epilepsia são relativamente raros diante das neoplasias que afetam o sistema nervoso central. As maiores séries

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