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submitted to the American Journal of Psychiatry

RESUMO EM PORTUGUÊS

As alterações da substância branca cerebral associadas à idade (ASBC) designam as alterações radiológicas da substância branca cerebral detectadas quer por tomografia axial computadorizada como por ressonância magnética, de etiologia vascular provável, que são frequentemente descritos nas pessoas idosas (1,2,3). O significado clínico destas alterações tem sido objecto de investigação nas últimas três décadas e continua um assunto controverso.

Alguns factores demográficos e factores de risco vascular associam-se a maior risco de ASBC mais severas, e entre aqueles, sobretudo a idade, a hipertensão e o acidente vascular cerebral (2, 3, 4). As ASBC são mais frequentes em doentes com demência (5). As ASBC têm sido implicadas no declínio cognitivo, em alterações da marcha, na disfunção urinária e em alterações da personalidade e depressão (6), no entanto, os resultados contraditórios dos diversos estudos têm impedido um consenso neste campo (7).

Várias questões permaneciam em aberto quando iniciámos o estudo, especialmente a questão de saber se as ASBC poderiam implicar deterioração cognitiva a longo termo, em indivíduos completamente independentes com algum grau de ASBC. Adicionalmente, não existia nenhum dado que evidenciasse algum risco de evolução para algum sub-tipo de demência, tendo em consideração o espectro global dos factores de risco concomitantes.

Os objectivos deste trabalho foram 1) investigar a influência das ASBC e dos factores de risco vasculares no desempenho neuropsicológico e na progressão para demência em indivíduos idosos com alterações das ASBC, independentes nas actividades de vida diária; 2) investigar as implicações das queixas de memória nos mesmo indivíduos; 3) investigar o significado dos sintomas depressivos de início tardio; e, 4) esclarecer se a actividade física regular reduz o risco de demência em indivíduos idosos com ASBC.

Este trabalho foi levado a cabo integrado num estudo cooperativo multicêntrico Europeu (o estudo LADIS: 11 centros europeus: Amsterdão, Copenhaga, Florença – centro coordenador-, Graz, Gotemburgo, Lisboa, Helsínquia, Huddinge, Mannheim, Newcastle-upon-Tyne e Paris), que foi desenhado para avaliar o papel das ASBC como factor preditor independente da transição de um estado de completa autonomia funcional para incapacidade no idoso, e ainda o papel da progressão das ASBC nesta transição (8). O centro de Lisboa teve a responsabilidade de definir a avaliação

123 cognitiva, os critérios cognitivos e ainda a monitorização dos diagnósticos cognitivos ao longo do estudo.

Os critérios de inclusão do estudo foram: (i) 65–84 anos; (ii) ASCB de qualquer gravidade (de acordo com a escala de Fazekas) detectadas na ressonância magnética (RMN) crânio-encefálica (CE) (9); e (iii) sem alteração da autonomia, determinada pela Escala de Actividades Instrumentais de Vida Diária (IADL) (10). Os doentes foram referenciados para o estudo por terem ASBC em tomografia axial computadorizada (TAC) ou RMN CE (8).

Os participantes foram avaliados na inclusão e depois anualmente durante 3 anos, com um protocolo extenso que incluiu o registo das variáveis demográficas, dos factores de risco vasculares, da patologia concomitante, avaliação da depressão, da qualidade de vida, avaliação neurológica e médica e avaliação neuropsicológica. A avaliação clínica incluiu a classificação de defeito cognitivo de acordo com os critérios clínicos usuais (11). A RMN foi efectuada na inclusão e repetida após os 3 anos de seguimento.

A inclusão dos participantes iniciou-se em Julho 2001, tendo sido incluídos 639 indivíduos (idade média 74.1 anos, SD 5.0, 55% género feminino, 9.6 anos de nível de escolaridade, SD 3.8). Da amostra inicial, 89% (568), 78.4% (501), e 75% (480) dos participantes foram seguidos nas visitas clínicas de mês 12, 24 e 36, respectivamente. Após um período de seguimento médio de 2.9 anos, obteve-se informação da transição de completa autonomia para incapacidade em 633 (99%) participantes. Quarenta e três participantes morreram (6.7% da amostra inicial) até ao 3º de seguimento. Cinquenta e um participantes faltaram a todas as visitas clínicas de seguimento. Para estes cinquenta e um participantes não foi possível atribuir um diagnóstico de estado cognitivo no seguimento, apesar de ser conhecido o estado vital e funcional. Considerando os diagnóstico cognitivos efectuados na última visita clínica, foi feito diagnóstico de demência em 90 participantes (Demência vascular, 54; doença de Alzheimer, 22; doença de Alzheimer com componente vascular, 12; Demência fronto-temporal, 2), e foi efectuado diagnóstico de defeito cognitivo não demência em 147 participantes (Defeito cognitivo vascular sem critérios de demência - CIND, 86; Defeito cognitivo ligeiro - MCI, 61).

O nosso estudo mostrou que:

6. A gravidade das ASBC se relaciona com pior desempenho nas medidas globais de cognição, nas funções executivas, na velocidade e controlo motor e em testes de atenção, nomeação, e capacidades visuo-construtivas em indivíduos idosos que

124 vivem de forma independente. O impacto das ASBC no desempenho neuropsicológico manteve-se mesmo quando se controlou a análise para variáveis demográficas (idade e educação), factores de risco vascular e atrofia do lobo temporal.

7. A gravidade das ASBC é preditora de defeito cognitivo (demência e não demência)

em indivíduos idosos com ASBC, ao longo do tempo. As ASBC e ter tido acidente vascular cerebral são preditores de demência vascular mas não de doença de Alzheimer, enquanto que a atrofia do lobo temporal é preditor de doença de Alzheimer e de demência vascular. Os factores de risco vascular (diabetes, hipertensão e acidente vascular cerebral prévio) surgiram como factores relevantes com influência no desempenho neuropsicológico em indivíduos idosos que vivem autonomamente, independentemente da gravidade das ASBC. Após 3 anos, a diabetes na inclusão foi o único factor que foi preditor de defeito cognitivo de qualquer tipo (demência e não demência).

8. As queixas de memória de indivíduos idosos com ASBC são preditoras de doença de Alzheimer com e sem componente vascular ao longo do tempo, independentemente da presença de sintomas depressivos e do estado global cognitivo na inclusão. A elevada frequência de participantes com queixas de memória que desenvolveram doença de Alzheimer ao longo do seguimento reforçou a importância das queixas de memória nos idosos, mesmo que tenham evidência de doença de pequenos vasos cerebral.

9. Os sintomas depressivos estão associados a pior desempenho cognitivo (em medidas de avaliação cognitivas globais, funções executivas e velocidade) na inclusão e são preditores de posterior declínio cognitivo ao longo do seguimento. Estes resultados estão de acordo com a hipótese da “depressão vascular” para os sintomas depressivos de início tardio. Os sintomas depressivos poderiam ser a expressão de lesão vascular e não o resultado de uma patologia do humor. É ainda possível que os sintomas depressivos e as ASBC tenham um efeito aditivo ou sinergístico para o desenvolvimento de demência ao longo do tempo.

10. A actividade física reduz o risco de progressão para defeito cognitivo, especialmente demência vascular, mas não para doença de Alzheimer, em indivíduos idosos com ASBC. Uma das explicações possíveis para esta redução de risco pode ser o controlo dos factores de risco vascular, uma vez que a actividade física se associa a um estilo de vida mais saudável. Os nossos resultados apoiam a perspectiva de que os sujeitos idosos com factores de risco vascular e evidência de ASBC beneficiam de actividade física regular.

125 O estudo tem algumas limitações, nomeadamente relacionadas com a selecção da amostra, que não foi retirada da comunidade. Os participantes foram seleccionados de consultas externas por terem ASBC de qualquer gravidade. A outra limitação prende- se com a evolução tecnológica, pois o estudo foi desenhado há 10 anos. No entanto, este estudo foi realizado numa amostra heterogénea de dimensão considerável, com uma abordagem rigorosa, sistemática e muito completa. Acresce ainda que apesar de alguma perda de informação na avaliação cognitiva ao longo do tempo, 99% da amostra inicial teve informação quanto ao estado vital e funcional no fim dos três anos de seguimento. Adicionalmente o seguimento foi suficiente para permitir conversão para defeito cognitivo incluindo demência, e um número considerável de participantes fez RMN de seguimento.

Após este trabalho pensamos existir evidência suficiente para afirmar que as ASBC não são um achado inócuo associado à idade.

Os nossos resultados indicam que as ASBC severas estão implicadas na transição para defeito cognitivo. Identificámos ainda vários factores de risco implicados na progressão para defeito cognitivo, como a diabetes e o AVC, que surgem como factores de potencial intervenção para prevenir demência. Os nossos resultados salientam ainda o papel do controlo de factores de risco vasculares como da actividade física na redução do risco cognitivo associado à idade.

Infelizmente ainda não há dados que sustentem recomendações específicas quanto ao tipo de controlo dos factores de risco vascular e tipo de actividade física como preventiva do desenvolvimento de demência. Esta é uma área de claro interesse da investigação futura. Tais recomendações têm que partir de estudos intervencionais que controlem os marcadores imagiológicos vasculares. Estes devem incluir técnicas que permitam não só avaliar áreas de ASBC nas sequências convencionais como sequências que permitam maior sensibilidade de detecção de ASBC, quando os exames convencionais são aparentemente normais. Devem ainda incluir técnicas destinadas a avaliar outras alterações de pequenos vasos cerebrais, como micro- hemorragias e ser controlados para os potenciais factores confundentes (como a atrofia cerebral). Para este objectivo os estudos têm que ter dimensão suficiente, o que só nos parece possível numa base multicêntrica. Por último, as ASBC surgem como um potencial objectivo primário para estudos de intervenção na área dos ensaios cognitivos.

126 Referências

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14. Ylikoski A, Erkinjuntti T, Raininko R, Sarna S, Sulkava R, Tilvis R. White matter hyperintensities on MRI in the neurologically nondiseased elderly. Analysis of cohorts of consecutive subjects aged 55 to 85 years living at home. Stroke 1995;26:1171-7.

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