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O capítulo se propõe a ser uma síntese provisória do pensamento do autor sobre o tema do sujeito contemporâneo, sua tese principal é a de estes sujeitos estariam mais próximos do borderline do que do neurótico, e isto em razão da mudança nos estilos de educação que os pais exercem nos filhos, ramificação final das mudanças da sociedade. Esta educação seria realizada pela “imposição de limites” e não pela “castração cruel” como na “era vitoriana”, sendo assim a criança não abriria mão de suas características femininas como a empatia e identificação dual- porosa, e, conservando-as, aproximar-se-ia de uma vida mais criativa e espontânea, característica do borderline “brando”. Acompanhemos brevemente os caminhos argumentativos do autor com mais vagar.

No começo do texto Armony defende que existiria um borderline “normal” e que este já teria sido apresentado na psicanálise por alguns autores, entre eles Bleger e Winnicott. Após inserir dois trechos que confirmariam a presença desta categoria nestes autores, segue para a descrição de Paula, um exemplo do que seria um borderline brando.

Depois de enumerar as características de Paula, apresentada qual seria a origem e característica da “subjetividade neurótica”: apoiando-se em dois trechos de Freud, defende que esta seria caracterizada pelo “processo psíquico do recalque” e que comportaria diversas gradações, desde o “neurótico brando” (associado com a normalidade na época de Freud), até o “neurótico grave necessitado de tratamento”; a característica da neurose seria “uma tendência à busca de processos coercitivos e repetitivos para lidar com as ansiedades da vida”. Por outro lado, a “subjetividade borderline” é caracterizada pelo “processo psíquico de divisão” e pela “onipotência mitigada”, esta última seria a conservação da “experiência de onipotência”

64 vivenciada pelo bebê (tal como teorizado por Winnicott) em um grau reduzido. Como efeitos destes suportes, o borderline mostra uma “pertinácia diante do aparentemente impossível” que faz dele uma “força transformadora”.

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Passando para o subtítulo Normalidade e patologia borderline, temos a tese de que a normalidade perfeita seria um ideal impossível: os homens teriam traços neuróticos (que forneceriam suas referências sustentadoras) e traços psicóticos (que forneceriam a criatividade, intuição e comunicação não verbal). Trazendo Winnicott como sustentação, Armony fala que o “perigo da neurose está no empobrecimento da personalidade, e o do borderline criativo, na inadequação, dispersão e fragmentação”, mas faz uma ressalva apontando que este seria o caso do “borderline patológico do qual falam os autores psicanalíticos”. Inicia-se então uma diferenciação entre o que seria o “borderline pesado” e o “borderline brando”: o primeiro seria “polissintomático, ambulatorial, necessitando eventualmente de internação, com dificuldades na área afetiva das relações interpessoais por suas susceptibilidades narcísicas exacerbadas” (ARMONY, 2013, p. 230), já o segundo é definido como tendo “tendência à atuação, a necessidade afetivo/dinâmica de uma circunvizinhança humana para nela atuar seus fantasmas e realizar seus desejos infantis, o uso da divisão/compartimentação, o exercício da onipotência mitigada de forma a não ultrapassar a fronteira da tolerância social esticada ao máximo, a extrema sensibilidade, a incomum permeabilidade ao próprio inconsciente, ao inconsciente do outro e à subjetividade circulante” (ARMONY, 2013 , p. 230-231).

Após mais algumas precisões acerca das características do borderline brando, inicia-se o subcapítulo Castração e limite, no qual Armony trará a distinção entre estes dois termos. Inicialmente anuncia que se valerá do termo castração tal como este foi trazido por Freud, e a associa o termo “mais ao campo do neurótico”. Para Armony a castração é uma “palavra evocativa de brutalidade e que em Freud se refere à proibição do incesto com a mãe” (ARMONY, 2013, p. 232), entretanto devemos examiná-la de um “ponto de vista mais amplo” como uma “metáfora do abandono de características femininas como empatia, identificação dual-porosa, etc., para poder tornar o menino um ‘Verdadeiro Homem’”. A colocação de limites, por sua vez, seria caracterizada pelo “carinho e sensibilidade da mãe no trato com a criança”, que “presentificam modos de relacionamento e valores que não à-toa chamamos de femininos, tais como empatia, dual-porosidade, compaixão, percepção sutil, intuição, impulso conciliador, etc.” (ARMONY, 2013, p. 232). Antes de inserir dois trechos de Freud e um de

65 Winnicott que suportariam suas afirmações, Armony sintetiza sua compreensão acerca do tema com o seguinte frase: “A castração como conceito foi introduzido por Freud e refere-se a uma ação dura, cruel, enquanto a colocação de limites é uma atividade realizada com benevolência, amabilidade e sensibilidade” (ARMONY, 2013, p. 232).

Tendo apontado estas diferenças entre os conceitos, a tese defendida logo em seguida é que a “subjetividade neurótica” teve o acesso ao “feminino” impedido pela castração, fato que seria muito comum no século XIX, este não seria mais o caso hoje (ou pelo menos caminharíamos para uma diminuição disto): atualmente os “pais em geral são amorosos com os filhos e as proibições são realizadas, o mais possível, de forma delicada, carinhosa e sensível” (ARMONY, 2013, p. 233). Nesta nova maneira de educar os filhos, o acesso às “características femininas” não seria mais reprimido, o que explicaria as mudanças nos sujeitos.

Mais adiante no capítulo Armony trará o que compreende ser a “família patriarcal prototípica do período vitoriano”, “composta por uma mãe suficientemente boa e por um pai que impunha, a qualquer custo, com a aquiescência da mãe, as leis da casa; isto incluía a ação de castração na época apropriada” (ARMONY, 2013, p. 236). Sendo este o caso, “o resultado era o provável desenvolvimento de um neurótico normal”, já a “combinação de uma mãe insuficientemente boa com um pai autocrático tenderia a produzir uma dissociação entre psique e mente e, portanto, um borderline falso self” (ARMONY, 2013, p. 236). Caso não ocorra uma “intervenção súbita e brutal de um pai edípico” teríamos dois caminhos: se a mãe for “insuficientemente boa”, “a identificação da criança com o materno será de má qualidade e mais tarde buscará em primeira instancia uma personificação de mãe (ou de pai) para com ela realizar uma relação anaclítica na tentativa de suprir as deficiências de origem”; se no caso de uma mãe “suficientemente boa”, esta “tendo fornecido um solo identificatório materno seguro, permite às valências identificatórias abertas voltarem-se mais para os aconteceres externos, acompanhando o devir dos acontecimentos e afastando-se das relações anaclíticas” (ARMONY, 2013, p. 237).

Este último caso seria o horizonte para o qual estaríamos caminhando, segundo Armony, um mundo de sujeitos que teriam tido “uma mãe suficientemente boa possibilitando-lhe a internalização de valores femininos que persistem na vida adulta, não por se defrontarem com a castração paterna, mas sim com a colocação graduada de limites tanto do pai quando da mãe, ambos realizando uma mesma tarefa que poderíamos chamar de masculina” (ARMONY, 2013, p. 237). Este seria, cada vez mais, o sujeito contemporâneo.

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