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Aristóteles definiu a retórica como um mecanismo de controle do real em que se faz necessária uma verificação que permita a constituição de um determinado saber. A retórica, tendo em vista a interpretação ou a explicação dada para um problema que o orador considera a mais acertada, possibilita – levando-se em consideração a inventio – a produção de (um) saber/saberes. Assim sendo, o filósofo enfatiza que em si, a retórica não é arte de persuasão, mas dispositivo que permite encontrar o modo mais adequado de persuasão para cada caso:

Entendamos por retórica a capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso com o fim de persuadir. Esta não é seguramente a função de nenhuma outra arte; pois cada

21 Arte de vencer uma discussão contraditória, não implicando necessariamente a descoberta de uma verdade em

uma das outras é apenas instrutiva e persuasiva nas áreas da sua competência; como, por exemplo, a medicina sobre a saúde e a doença, a geometria sobre as variações que afetam as grandezas, e a aritmética sobre os números; o mesmo se passando com todas as outras artes e ciências. Mas a retórica parece ter, por assim dizer, a faculdade de descobrir os meios de persuasão sobre qualquer questão dada. E por isso afirmamos que, como arte, as regras que não aplicam a nenhum gênero específico de coisas. (ARISTÓTELES, 2005, p. 96.).

Para tanto, o filósofo trabalha com uma teoria argumentativa que utiliza a prova e o silogismo retórico (entimema), além do raciocínio, para se chegar à persuasão. Nesse ponto, Aristóteles propõe patamares mais sólidos para a retórica do que seus predecessores como, por exemplo, Górgias. Sobre isso afirma Reboul (2000, p. 23):

[...] se Górgias e Aristóteles estão falando da mesma coisa, não falam da mesma maneira. O discurso do sofista é digno quando muito de uma praça pública; sua argumentação pelo exemplo dá guinadas. O de Aristóteles, ao contrário, é muito coeso; procede por silogismos implícitos, ou entimemas.. Em suma, passa-se de uma arenga propagandística, do tipo “vocês vão ver o que vocês vão ver”, para uma argumentação vigorosa.

A utilidade da retórica aristotélica está em suplantar o sofismo e garantir uma argumentação consistente e produtora de persuasão. O filósofo visa examinar a capacidade de defesa verbal, a defesa da verdade e da justiça e a capacidade de argumentar sobre temas contrários22, independentemente do domínio do assunto em pauta. Sua técnica não se restringe, portanto, a um auditório específico.

De acordo com Aristóteles, ensina-se a retórica com fins de construção de um discurso persuasivo e também como forma de decodificação de discursos sobre qualquer matéria de discussão. Fundamentando sua técnica, o filósofo grego estabelece gêneros de discurso: deliberativo, judicial e epidíctico, contemplando, desse modo, vários auditórios23, e menciona dois tipos de provas: as técnicas (produzidas no discurso e dependentes da habilidade do orador) e as não técnicas (anteriores ao discurso, ou seja, já existentes na forma de documentos, testemunhos, confissões e etc). Sobre as provas técnicas – produzidas via discurso – o filósofo aponta:

as provas que se estabelecem pelo modo como se dispõe o auditório, ou seja, por meio dos afetos – o páthos;

as provas que se estabelecem através do próprio discurso, isto é, pelo que esse discurso demonstra ou sugere – o lógos.

22 Segundo Aristóteles (2005, p. 93), “a retórica é útil porque a verdade e a justiça são por natureza mais fortes

que os seus contrários”.

23 O conceito de auditório será abordado segundo a definição de Perelman, em seu Tratado de Argumentação

as provas que se estabelecem pelo caráter moral do orador – o éthos.

As considerações de Aristóteles sobre o páthos, o lógos e o éthos permitem verificar, respectivamente, a emoção do auditório, a lógica dos argumentos e a imagem do orador. No que se refere ao páthos, o filósofo discorre sobre a importância de suscitar bons sentimentos no auditório, sentenciando, então, que o orador que se preocupa em despertar boas emoções acaba por predispor seu auditório de forma mais efetiva à adesão da tese exposta e/ou defendida. No seu entender,

O discurso será emocional se, relativamente a uma ofensa, o estilo for o de um indivíduo encolerizado; se relativo a assuntos ímpios e vergonhosos, for o de um homem indignado e reverente; se sobre algo que deve ser louvado, o for de forma a suscitar admiração; com humildade, se sobre coisas que suscitam compaixão. E de forma semelhante nos restantes casos. O estilo apropriado torna o assunto convincente, pois, por paralogismo, o espírito do ouvinte é levado a pensar que aquele que está a falar diz a verdade. Com efeito, neste tipo de circunstâncias, os ouvintes estão em tal estado que pensam que as coisas são assim, mesmo que não sejam como o orador diz; e o ouvinte compartilha sempre as mesmas emoções que o orador, mesmo que ele não diga nada. É por esta razão que muitos impressionam os ouvintes com altos brados. (ARISTÓTELES, 2005, p. 257).

Segundo o filósofo, a conveniência do discurso está intimamente ligada à expressão de emoções adequadas, ou seja, o discurso é efetivo quando desperta, emocionalmente, os sentimentos corretos.

O lógos, por sua vez, seria o argumento retórico que se constitui de entimemas e exemplos. O entimema é um tipo de argumento dedutivo que possibilita, a partir de premissas que são ou quase sempre são prováveis, provar ou comprovar uma assertiva. Caracteriza-se, então, por ser uma espécie de silogismo (diferente, porém, dos silogismos lógicos da dialética) que é extraído de um pequeno número de proposições. Diz Aristóteles que, se uma das premissas é conhecida, não há necessidade de enunciá-la, pois o ouvinte a supre. Trata-se, pois, de uma prova dedutiva. Assim, se comparado ao silogismo dialético, o entimema pode ser considerado um silogismo incompleto que se baseia no senso comum, já que alguma informação fica implícita, podendo, no entanto, ser facilmente recuperada pelo interlocutor.

Em seus estudos sobre argumentação, Plantin (2008) caracteriza o entimema como uma proposição subentendida. Citando como exemplo a frase: “Os homens são falíveis, tu és falível”, observa que nela há uma premissa implícita que sugere que o destinatário da mensagem, ou seja, o “tu” certamente é um homem, o que, obviamente, dispensa a colocação dessa premissa.

Também Aristóteles fornece um exemplo de entimema ao dizer que, para se chegar à conclusão de que Dorieus recebeu uma coroa como prêmio de sua vitória, basta dizer que ele

foi “vencedor em Olímpia”. Assim, é inútil acrescentar que “em Olímpia o vencedor recebeu uma coroa, porque este é um fato conhecido de todos”. (ARISTÓTELES, 2005, p. 80).

Já o exemplo seria uma espécie de indução fundada em fatos passados, nos quais o orador baseia sua argumentação:

Quando os dois termos são do mesmo gênero, mas um é mais conhecido do que o outro, então há um exemplo; como quando se afirma que Dionísio tenta a tirania porque pede uma guarda; pois também antes Pisístrato, ao intentá-la, pediu uma guarda e se converteu em tirano mal a conseguiu, e Teágenes fez o mesmo em Mégara; estes e outros que se conhecem, todos eles servem de exemplo para Dionísio, de quem ainda se não sabe se é essa a razão por que a pede. (ARISTÓTELES, 2005, p. 92).

A terceira prova a ser considerada, o éthos, requer especial atenção, tendo em vista sua importância para Aristóteles que, grosso modo, concentrava sua retórica na pessoa do orador. Segundo o filósofo, para fazer uso do lógos e conquistar a atenção do auditório, demonstrando proposições através do pensamento lógico, e do páthos, para suscitar nos ouvintes sentimentos de acolhimento às suas proposições; o orador precisa contar, impreterivelmente, com sua imagem para passar autoridade, para mostrar-se digno de adesão – precisa, pois, apresentar seu melhor éthos. Sendo um elemento de fundamental importância para este trabalho, o éthos será apreciado mais detalhadamente, a seguir, contemplando inclusive outros autores que (re)leram essa noção, sobretudo no quadro da AD.

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