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A RETÓRICA DA INTEGRAÇÃO REGIONAL E OS INTERESSES BRASILEIROS NA AMÉRICA DO SUL

Uma constante observada entre os analistas de política externa brasileira é a de que em termos de políticas para a América do Sul o discurso diplomático brasileiro a favor da integração regional deve ser considerado mais como um recurso retórico com objetivos de convergência política na região do que em termos de realizações efetivas (MIYAMOTO, 2008; SPEKTOR, 2010; SENNES, 2010; MALAMUD, 2012, VEIGAS e RÍOS, 2008).

Miyamoto (2008) aponta que a integração regional na América do Sul não avança pois os países buscam fundamentalmente lucros individuais utilizando-se de instituições multilaterais como instrumentos de suas políticas, o Brasil não destoa e age primeiramente de acordo com seus próprios interesses implementando as políticas que lhe são mais convenientes. Para o autor prova disso seriam as oscilações dos objetivos das intenções brasileiras no subcontinente ao longo do tempo de acordo com as necessidades domésticas e externas do país.

Spektor (2010) ressalta que o ativismo brasileiro na região é renovado a partir de 2000 e a intenção de tal estratégia tem fins calcados no aumento de policy space. Para esse autor a prevalência da América do Sul nos discursos diplomáticos brasileiros tem menos a ver com novas ideias sobre governança coletiva ou identidade regional comum e encontra mais sentido em considerações de poder e autonomia.

Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD, Dourados, v.2. n.3, jan./jun., 2013 Disponível em: <http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/moncoes>

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Três proposições, portanto, marcam o pensamento brasileiro a respeito do ambiente regional: o Brasil pode gozar de poder, prestígio e influência nas relações internacionais sem que isso implique assumir o papel de potência regional; a região pode funcionar como um escudo protetor da “autonomia” nacional na era da globalização; e a região pode funcionar como uma plataforma de lançamento para o acréscimo de poder, prestígio e influência nacional. Apontando em direções distintas, as três convivem de modo flutuante e pouco confortável, ajudando a explicar, ao menos em parte, as ambiguidades da atitude brasileira em relação à América do Sul (SPEKTOR, 2010).

Sennes (2010), também qualifica como ambígua e pouco evidente a estratégia regional brasileira. O autor enfatiza que ela não corresponde ao discurso diplomático e este último deve ser considerado apenas como um dos vetores relevantes do processo. Segundo ele, a crescente presença regional do país observada nas últimas duas décadas nas esferas política e econômica não guarda relação causal direta com projetos de cunho integracionista, o autor ressalta que não quer dizer que o Brasil não disponha de uma agenda regional positiva, mas que há um transbordamento de ações derivadas de decisões governamentais ou privadas negociadas com atores públicos e privados de países vizinhos em bases bilaterais.

Nesse ponto nos é útil a análise desenvolvida por Malamud (2012) acerca da característica da integração regional na América do Sul. Para ele não se pode usar o termo “integração regional” para classificar os processos regionalistas no subcontinente, uma vez que eles fogem da concepção clássica desenvolvida por Haas (1967) na qual necessariamente os estados nacionais perdem atributos factuais de soberania.

Malamud soma a essa definição o fato de que essa perda de soberania ocorre em detrimento da criação de instituições permanentes e comuns capazes de tomar decisões pelos membros. O autor coloca que nada menos do que isso - aumento dos níveis de comércio, encorajamento do aumento de contato entre

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190 as elites, facilitação da comunicação entre pessoas nas fronteiras nacionais - pode ser chamado de integração regional.

A integração regional é evocada usualmente nos discursos de política externa a partir dos anos 1990, no entanto o que observamos é que conforme coloca Malamud, a soberania nacional tem sido sempre mais valorizada do que os ganhos vindos de uma integração regional nos moldes de Haas.

Torna-se essencial para uma análise mais clara a desvinculação do uso indiscriminado de “integração regional” para qualquer dinâmica da ação brasileira na América do Sul. Por mais que o discurso diplomático nos leve a pensar em tais moldes.

Com a complexificação do cenário comercial e econômico regional a partir de 2000, não é tarefa fácil rastrear todas as frentes e atores brasileiros envolvidos em ações na região. O aumento dos fluxos de comércio entre o Brasil e seus vizinhos, principalmente de manufaturados quesito no qual o país é superavitário com qualquer outro na América do Sul, somados aos aumentos dos investimentos externos brasileiros (IEDBs) e a participação cada vez mais frequente de empresas e serviços nacionais provocaram impactos que independem das intenções oficiais brasileiras. Os movimentos brasileiros têm repercussões na região, mesmo que não estejam incorporados em políticas e iniciativas explícitas (Força Tarefa América do Sul – CEBRI, 2007).

A raiz dessa ambivalência brasileira – e o distanciamento entre seu discurso diplomático regionalista e posturas efetivas reticentes a ele – está na ausência de consenso doméstico sobre os benefícios do projeto regional para o Brasil (SENNES, 2010).

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191 Além da falta do consenso doméstico e até mesmo do desconhecimento por parte de setores chave da sociedade sobre questões relacionadas à integração sul-americana como a IIRSA, não se conhece também de forma sistematizada os interesses desses próprios setores em relação à América do Sul. Conforme nos aponta o relatório produzido pelo CEBRI em 2007, essas dúvidas permeiam diversos setores da sociedade e da burocracia estatal.

Dessa forma não há dúvida de que a América do Sul é vista desde o Brasil sob várias óticas, arriscamos apontar algumas: 1) uma ótica ligada mais às questões políticas e de governança regional, tendo a diplomacia como maior interlocutor. O principal objetivo desse discurso é buscar a convergência político-ideológica na região; 2) uma ótica da América do Sul como extensão do lócus de expansão e desenvolvimento da economia brasileira tendo o BNDES e as empresas brasileiras que atuam na região como principais atores e 3) a ótica do discurso da necessidade da integração regional como forma de desenvolvimento da região, ancorada pelo governo e diplomacia e que funciona como elemento legitimador da atuação brasileira em qualquer esfera que o país participe na América do Sul.