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Retomando e articulando conceitos

3. CAPÍTULO II

3.7. Retomando e articulando conceitos

Abordados os conceitos presentes nos postulados de Michel Pêcheux, de Michel Foucault,

também a questão da diferença e da identidade, buscamos, nesse momento, destacar a importância de se focar tais conceitos de uma forma articulada, de uma maneira que evidencie que mesmo havendo diferenças entre a forma de abordar questões e conceitos teóricos entre os autores focados, podemos dizer que os conceitos dialogam. Vislumbramos os conceitos teóricos presentes nos diferentes pensadores como sendo uma rede bastante complexa que ao ser articulada nos dá luz para que os objetivos propostos sejam alcançados. Então, com o intuito de destacar a maneira que iremos abordar os elementos teóricos, passamos a articulá- los. Durante esse momento de articulação, destacaremos o que acreditamos ser de extrema importância em relação aos conceitos trabalhados: a possibilidade de diálogo entre eles. Começaremos discorrendo sobre o objeto da presente pesquisa; objeto que é marcado simultaneamente pelo social, pela história, pela ideologia e pelo inconsciente. Tanto em Michel Pêcheux, em Michel Foucault quanto em Authier-Revuz, encontramos elementos que fazem parte da constituição do discurso como, por exemplo, a busca da exterioridade, do social, do contexto histórico, do inconsciente. No entanto, são as figuras de Pêcheux, principalmente, e de Foucault que lidam com a noção de discurso. Partindo do que foi mencionado e levando em consideração os postulados dos três autores, mostraremos a maneira que iremos tratar do discurso durante a trajetória analítica dessa pesquisa. O discurso será tratado como uma materialidade que resulta da articulação da língua com a história; como um conjunto de enunciados que oferecem lugar para interpretação; como um acontecimento que nem a língua nem o sentido conseguem esgotar; como práticas descontínuas podendo se cruzarem ou se excluírem; como produto de interdiscurso – de discursos já-ditos, do já-lá. No discurso, há sempre a presença da heterogeneidade mostrada e/ou da heterogeneidade constitutiva: o que nos mostra que há, sempre, a presença do outro e/ou do Outro sendo que eles podem ou não serem detectados. Se o for, marcas lingüísticas explícitas serão encontradas no discurso. Se não o for, tais marcas não serão encontradas no

discurso. De qualquer forma, deve-se buscar a exterioridade, o social, o histórico, o ideológico e o inconsciente para que se possa perceber a presença do outro (Outro) no discurso. Como as identidades são construídas dentro do discurso e não fora dele, trazemos, nesse momento de articulação de conceitos, a questão da diferença. Como sabemos, a diferença é aquilo que separa uma identidade da outra, estabelecendo distinções,

freqüentemente na forma de oposições, no qual as identidades são construídas por meio de

uma clara oposição entre “nós” e “eles” (WOODWARD, 2003, p. 41); ela é encontrada no

discurso e, por isso, podemos dizer que ela, assim como o Outro em Authier-Revuz, é aquele elemento sempre presente. O Outro como sendo a diferença é um elemento que é negado, que é excluído, que é exterior, mas constitutivo de todo e qualquer discurso. Para finalizar nossas considerações acerca do discurso, gostaríamos de destacar que esse elemento será abordado como dispersão, descontinuidade.

Juntamente com o discurso, tem-se a formação discursiva. Em Pêcheux, as formações discursivas estão ligadas diretamente às formações ideológicas (crenças, valores, atitudes) e ao interdiscurso. Por meio desses elementos, diferentes vozes e lugares discursivos podem ser percebidos. O conceito de heterogeneidades enunciativas, presente em Authier-Revuz, pode ser articulado com o conceito de interdiscurso, pois detectamos nesses dois conceitos a seguinte semelhança: a de buscar destacar e evidenciar que existem, em um discurso, rastros de discursos outros, discursos já-ditos, retomados.

Já, em Foucault, as formações discursivas estão ligadas a relações de poder, o que indica que uma formação discursiva lida com a dispersão, com a contradição, com a descontinuidade e com a instabilidade, pois onde há poder, há mudança, deslocamentos, há resistência. Temos, então, um conceito que lida com a dispersão, com a instabilidade, pois evidencia que há várias formas de um sujeito se posicionar, por intermédio de seu discurso, diante de uma questão.

Esse conceito indica valores, crenças de um determinado sujeito discursivo, indicando, também, o espaço discursivo em que ele está inscrito e inserido.

As condições ou as possibilidades de produção dos discursos devem ser trazidas à tona quando o assunto em foco é o discurso e a formação discursiva. São essas condições ou possibilidades que evidenciam que não se pode dizer qualquer coisa em qualquer lugar e que os sujeitos não estão livres para dizer o que quiserem nem para agirem da forma que desejarem: há regras, norma; há, enfim, condições para que discursos sejam produzidos e posicionamentos sejam tomados. Nesse momento, podemos trazer o conceito de memória discursiva. Esse conceito, que aparece em Pêcheux, fortifica a idéia de que o sujeito está inserido na história, que é por ela afetado. A memória discursiva destaca que há um conjunto complexo, pré-existente e exterior ao organismo e que esse conjunto constitui um corpo sócio-histórico de traços que devem ser levados em consideração durante a análise de discurso. Temos, então, o entrelaçamento entre discurso, formação discursiva e ideológica, interdiscurso, condições ou possibilidades de produção de discurso e memória discursiva. Falta retomarmos um conceito chave para a nossa pesquisa: o sujeito.

O sujeito será abordado como sendo simultaneamente social, histórico, ideológico e inconsciente. O sujeito, sendo considerado dessa forma, traz marcas do social, do histórico, porque é um ser histórico, social, é um ser que está inserido na trama histórica e por isso é afetado por relações de poder. O sujeito é incompleto, heterogêneo, polifônico, dialógico; tem a ilusão do domínio da fala-escrita e a ilusão de ser fonte de seu discurso; não é visto como um sujeito empírico, intencional, soberano, dono de suas palavras e do sentido. Além disso, o sujeito é visto como uma construção, uma “fabricação” histórica; é objeto de saber, de poder e de construção identitária. Ele pode se representar e representar o mundo à sua volta de inúmeras maneiras, pois, como já destacamos, ele é afetado pela História de diferentes formas. É por isso que dependendo de como a História afeta o sujeito, de onde o sujeito fala,

em que momento ele vive e dependendo também de suas crenças, seus posicionamentos podem ser os mais variados possíveis. Importante salientar que ao se posicionar, por meio do discurso, em relação a alguma questão, ele se subjetiva, se mostra, se inscreve em um determinado espaço discursivo. O sujeito, apesar de estar assujeitado a questões de ordens sociais, históricas, ideológicas e econômicas, e, apesar também de haver imposição de conduta, luta, resiste, mostra sua insubmissão em relação a ideologias e costumes ditos dominantes; o sujeito se singulariza. Como já destacamos, por meio da resistência, o sujeito produz discursos sobre si, sobre sua existência, sua maneira de ver o mundo, sobre sua forma de ser e viver e ao produzir tais discursos ele expressa sua subjetivação, sua constituição identitária.

Como aludimos previamente, percebemos que mesmo havendo diferenças entre a maneira de abordar questões e conceitos teóricos entre os autores focados, há consonância, pois, os conceitos dialogam.

Outra questão que importa abordarmos nessa parte de nossa pesquisa – parte essa que visa a destacar a forma que abordaremos os conceitos teóricos – é a questão do autor. Na presente pesquisa, o autor é visto como um constructo social e, assim como o sujeito, não é visto como sendo soberano, dono de suas idéias; o autor é incompleto e heterogêneo. Como já mencionamos, não temos o objetivo de partir da figura do autor para alcançar os objetivos que propomos alcançar. Partiremos dos sujeitos discursivos presentes nos contos, materializados neles; partiremos dos posicionamentos e discursos desses sujeitos. Ou seja, na presente pesquisa, o autor não é considerado o elemento que possibilita a análise do corpus.

Para concluirmos, gostaríamos de ressaltar que temos o intuito de analisar o corpus deste trabalho partindo da idéia de que a estrutura da enunciação é social, é afetada pelo inconsciente e pelo Outro – sendo esse Outro o encontrado em Revuz e o encontrado em Hall, em Silva e em Woodward; de que não há subjetivismo individualista; de que não há ato

individual puramente interior; de que a consciência e a atividade mental são socialmente determinadas, de que não há ato de criação puro, original e de que o sujeito é um ser social, dialógico, dividido, clivado, afetado pelo inconsciente. Acreditamos que os postulados dos autores que dão base e que sustentam a nossa pesquisa fortificam o que buscamos: mostrar que mesmo a fala de um sujeito (personagem) literário que busca extravasar sentimentos, questões existenciais e pessoais, deve ser considerada dentro de um contexto e de uma determinada situação social10; mostrar que, por meio dessa fala, um momento sócio-histórico-

cultural pode ser percebido pelo analista de discurso e mostrar, também, que todo discurso é afetado por discursos outros (Outros).

10 O corpus literário, por vezes, tende a ser analisado dentro de uma perspectiva subjetivista, individualista.

Muitas análises focam a questão existencial de um personagem sem, no entanto, relacioná-la com o contexto social de sua produção, com uma determinada situação social. Percebemos que tanto Bakhtin quanto Pêcheux, Foucault e Authier-Revuz trazem à baila o social para com isso mostrarem que não se pode dizer qualquer coisa em qualquer lugar e que cada enunciação traz consigo elementos sócio-histórico-ideológicos.