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Sobre diferença e identidade

3. CAPÍTULO II

3.6. Sobre diferença e identidade

Para falarmos de identidade, precisamos trazer à baila a questão da diferença e, como postula Hall (2003), há, nos últimos anos, uma verdadeira explosão discursiva em torno dessa questão. Levando em consideração essa explosão discursiva, vemos a necessidade de

8 Nesse momento, o outro está fazendo referência ao conceito de heterogeneidades enunciativas, ou seja, está

delimitar fronteiras e buscar destacar qual é a concepção de identidade que trazemos para a nossa pesquisa.

Identidade, não é, nesse espaço discursivo, concebida como concluída, plena, pronta, fechada: ela é, ao contrário, concebida como um constante processo em andamento, em construção. A identidade é plural, é “movente”; ela é deslocamento, transformação e construção. Dito isso, trazemos um excerto encontrado em Woodward (2003). Nessa passagem, percebemos que a identidade é construção e, sendo construção, modifica-se, transforma-se. Woodward (2003) postula que as identidades são produzidas em momentos

particulares no tempo (...) as identidades são contingentes emergindo em momentos

históricos particulares (WOODWARD, 2003, p. 38), ou seja, elas são construções. Importa

salientarmos que, assim como a identidade, a diferença também é construção, é deslocamento, é transformação. Esses dois elementos, que são interdependentes, são construções sociais e culturais, ou seja, os dois partilham da mesma característica: a movência. Para deixarmos clara essa idéia de construção, trazemos uma passagem em Silva (2003), que postula:

além de serem interdependentes, identidade e diferença partilham uma importante característica: elas são resultado de atos de criação lingüística. Dizer que são o resultado de atos de criação significa dizer que não são “elementos” da natureza, que não são essências, que não são coisas que estejam simplesmente aí, à espera de serem reveladas ou descobertas, respeitadas ou toleradas. A identidade e a diferença têm que ser ativamente produzidas. Elas não são criaturas do mundo natural ou de um mundo transcendental, mas do mundo cultural e social. Somos nós que as fabricamos, no contexto de relações culturais e sociais. A identidade e a diferença são criações sociais e culturais. (SILVA, 2003, p. 76).

Partindo dessas generalizações, passamos a abordar a relação entre identidade e diferença. Para chegarmos a essa relação, focaremos, primeiramente, a questão da diferença. A diferença

é aquilo que separa uma identidade da outra, estabelecendo distinções, freqüentemente na forma de oposições, no qual as identidades são construídas por meio de uma clara oposição

identidades e estabelece distinções entre elas, as constitui. Por meio dessa enunciação, chegamos ao que postula Woodward (2003): a identidade depende da diferença; a marcação da diferença é crucial no processo das posições de identidade. Importante, nesse momento, destacarmos os apontamentos de Hall em relação à questão da identidade. Segundo Hall (2003), a diferença é aquilo que é deixado de fora e que a identidade requer: a diferença é o exterior que constitui a identidade. As identidades, como postula Hall (2003), pautando-se em Derrida (1981), em Laclau (1990) e em Butler (1993):

são construídas por meio da diferença e não fora dela. Isso implica o reconhecimento radicalmente perturbador de que é apenas por meio da relação com o Outro, da relação com aquilo que não é, com precisamente aquilo que falta, com aquilo que tem sido chamado de seu exterior constitutivo, que o significado “positivo” de qualquer termo – e assim, sua identidade – pode ser construído. (HALL, 2003, p. 110).

O Outro, o que não é, ou seja, a diferença, faz parte das construções das identidades; o Outro, por mais que seja negado, não deixa de ser um elemento constitutivo das identidades, pois uma identidade busca ser o que outra não é. Com isso, percebemos que a construção das identidades se dá de uma forma relacional – entre aquilo que é e o que não é (a diferença). Como pontua Woodward (2003), a mesmidade (ou a identidade) porta sempre traço da

outridade (ou da diferença) (WOODWARD, 2003, p. 79). Importante destacarmos que no

processo de construções de identidades há a existência das contradições. Como já destacamos, as contradições apontam para o inconsciente como constitutivo do sujeito, como constitutivo de seu discurso e de sua identidade. Há, nesse processo de construções de identidades, dimensões inconscientes do “eu” que lhe são constitutivas, que indicam que o sujeito não tem controle sobre o seu discurso e nem sobre sua identidade. E, por meio das contradições, o

sujeito nos deixa detectar a presença daquilo que busca negar, que busca se distanciar: o Outro9, a diferença.

Dando continuidade a essa parte de nossa pesquisa, gostaríamos de destacar uma questão bastante importante quando o assunto é identidade e diferença: como se dá a marcação dessa e a afirmação daquela. Para destacarmos tal questão, aportamo-nos em Silva (2003, p. 82).

a afirmação da identidade e a marcação da diferença implicam, sempre, as operações de incluir e de excluir. Como vimos, dizer “o que somos” significa também dizer “o que não somos”. A identidade e a diferença traduzem, assim, em declarações sobre quem pertence e sobre quem não pertence, sobre quem está incluído e quem está excluído. A identidade está sempre ligada a uma forte separação entre “nós” e “eles”. Essa demarcação de fronteiras, essa separação e distinção, supõem e, ao mesmo tempo, afirmam e reafirmam relações de poder. “Nós” e “eles” não são, neste caso, simples distinções gramaticais. Os pronomes “nós” e “eles” não são, aqui, simples categorias gramaticais, mas evidentes indicadores de posições-de sujeito fortemente marcadas por relações de poder.

Por meio desse excerto, percebemos a delimitação das fronteiras, percebemos a busca da separação entre “nós” e “eles”, entre o que “somos” e o que “não somos”. Vislumbramos, também por intermédio dessa passagem, que há o estabelecimento de distinções, há a demarcação da diferença. O estabelecimento de distinções e o estabelecimento da demarcação da diferença se dão, freqüentemente, por meio de oposições binárias: há, assim, uma divisão dicotômica entre dois mundos diferentes; uma divisão que busca uma separação clara entre os dois pólos. Nevrálgico trazer à baila o que pontua Silva (2003), pautando-se nas análises desse processo de construções de oposições binárias feitas pelo filósofo Jacques Derrida. As

oposições binárias não expressam uma simples divisão do mundo em duas classes simétricas binárias: em uma oposição binária, um dos termos é sempre privilegiado, recebendo um

valor positivo, enquanto o outro recebe uma carga negativa (SILVA, 2003, p. 83).

Gostaríamos de retomar uma questão que já destacamos anteriormente: as oposições binárias,

9 O Outro, nesse momento, refere-se à questão da diferença, daquilo que não é, ou seja, esse Outro não é o

mesmo que o Outro em Authier-Revuz.

por mais que busquem se distanciarem umas das outras, por mais que busquem salientar suas diferenças, suas características, estão inseridas em um processo em que o Outro (a diferença) aparece como sendo constitutivo, como sendo um elemento basilar para que a construção da identidade aconteça; há embate entre essas oposições. O Outro é inevitável no processo de construção de identidades, pois é por intermédio dele que a construção se instaura e vai se edificando.

Antes de concluirmos essa parte que “fecha” a construção do arcabouço teórico desta dissertação, trazemos uma passagem que aponta para uma questão que está presente no processo de construção de oposições binárias: a classificação.

Dividir o mundo social entre “nós” e “eles” significa classificar. O processo de classificação é central na vida social. Ele pode ser entendido como um ato de significação pelo qual dividimos e ordenamos o mundo social em grupos, em classes. A identidade e a diferença estão estreitamente relacionadas às formas pelas quais a sociedade produz e utiliza classificações. As classificações são sempre feitas a partir do ponto de vista da identidade. Isto é, as classes nas quais o mundo social é dividido não são simples agrupamentos simétricos. Dividir e classificar significa, neste caso, também hierarquizar. Deter o privilégio de classificar significa também deter o privilégio de atribuir diferentes valores aos grupos assim classificados. (SILVA, 2003, p. 82).

Percebemos que o processo de construção de oposições binárias não apenas separa o

mundo, mas o classifica, o hierarquiza. Por isso é preciso, como postula Silva (2003), questionar a identidade e a diferença como relações de poder, pois isso significa problematizar os binarismos (masculino/feminino, branco/negro, heterossexual/homossexual) em torno dos quais elas se organizam.