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Foi só a partir da década do 80, após a saída das ditaduras militares vividas em ambos países do Plata, que o tango se expandiu como manifestação popular e se reafirmou mais uma vez, como símbolo das identidades nacionais de ambos países. Alguns dados são importantes para compreender melhor esta nova etapa do tango. Em 1984 a Secretaria de Cultura da cidade de Buenos Aires, cria o Programa Cultural en Barrios21, através do qual diversas oficinas artísticas eram realizadas, dentro delas

aulas de tango, em centros culturais dos diversos bairros da cidade (MOREL, 2011). Começa assim um movimento que irá crescendo cada vez mais, primeiro com a inclusão das aulas de tango dentro das academias de dança e mais tarde com a abertura das academias de tango. Cada vez mais pessoas buscaram aprender a dançar, sem as pressões que pode sentir um principiante dentro do ambiente da milonga, no qual devem se seguir determinados padrões de conduta. A sala de aula oferecia este ambiente mais descontraído, no qual todos podiam aprender.

Nesta época o tango sofrerá outra transformação adaptativa importante. A partir do novo ambiente, não só a forma de se dançar mudou, mas também a forma em que este era ensinado. Carozzi chama a este fenômeno de revolução didática: “O

20 Durante el lapso en el que la circulación del tango porteño se pierde en un ocaso que duró varias

décadas, es el nombre de A. Piazzolla (1921-1992) quien asegura la presencia del género ‘tango’ como marca prestigiosa en el mercado internacional de la música popular. En efecto, hay varios caminos que parten de Piazzolla hacia el nomadismo global del tango.

21 Este projeto ofereceu atividades de iniciação e formação em artes, levando atividades de diversas índoles a mais de 30 centros culturais descentralizados em diversos bairros da cidade.

surgimento e multiplicação das aulas coletivas, que contaram nas suas origens com o apoio do governo da cidade, e a posterior transformação dos métodos de ensino, originaram uma revolução didática. ” (CAROZZI, 2012, p. 46)22. Esta revolução, teria

desempenhado um papel fundamental no aumento da quantidade de bailarinos, bem como na redefinição dos estilos de baile. Segundo a autora, o novo público interessado em aprender tango provinha das classes mais privilegiadas da cidade, o que teria levado junto com outros fatores, à mudança dos métodos de ensino. Esta revolução didática será vista por Carozzi como uma das causas da revitalização do circuito milonguero na cidade de Buenos Aires.

María Mercedes Liska, no artigo “La Revitalización del Baile Social del Tango en Buenos Aires: Neoliberalismo y Cultura Popular durante la Década de 1990”, publicado em 2013, traz outros fatores que teriam favorecido esta nova explosão do tango. Segundo a autora a sociabilidade pós-ditadura, junto ao neoliberalismo, o neopopulismo e o neoconservadorismo, bem como a exaltação pós-moderna do corpo, são todos fatores desta revitalização. Lentamente o tango, que muitos acreditavam findado, começa a se expandir e ganhar novos adeptos, o que levará a uma explosão não só de aulas e academias, mas também de milongas e de uma nova modalidade de baile: as prácticas. As prácticas são encontros de dançarinos, que geralmente acontecem nos mesmos espaços das aulas e após elas, com o objetivo de experimentar as possibilidades coreográficas do tango. Ao mesmo tempo, sem os códigos que regem as milongas, as prácticas permitem em um espaço compartilhado com outros casais, trocar informações e saberes sobre o tango. Desde então prácticas e milongas convivem no território urbano, ampliando o leque de possibilidades para os dançarinos.

Esta pesquisa considera relevante mencionar um outro fator que, mesmo sem bibliografia de referência, serve para entender um pouco mais a chegada do público jovem ao tango, principalmente no final da década de 90 e no início do ano 2000, em Montevidéu e Buenos Aires. Esta ideia foi enunciada por Virginia Arzuaga, uruguaia, dançarina, milonguera e pesquisadora de tango, com quem tive o prazer de compartilhar além de muitas conversas, muitas milongas. Ela identificava uma conexão profunda entre o tango e o rock rio-platense pós-ditatorial, música que era

22 El surgimiento y multiplicación de las clases colectivas, que contaron en su origen con el apoyo del

gobierno de la ciudad, y la posterior transformación en los métodos de enseñanza originaron una ‘revolución didáctica’.

muito escutada pelos jovens daquela época, e que podemos observar como um hibrido entre contaminações norte-americanas e europeias, e manifestações locais (principalmente provenientes da cultura popular, como a milonga, a payada, o tango e o candombe). A sua pesquisa tomava como referência bandas uruguaias e argentinas (Traidores, Patricio Rey y sus Redonditos de Ricota, Sumo, por exemplo). A partir das músicas destes grupos, Arzuaga determinou que muitas palavras do lunfardo (gíria rio-platense), bem como o sentimento nostálgico do tango, eram recorrentes neste rock pós-ditatorial. Mesmo se tratando de um estilo musical totalmente diferente, o rock rio-platense parecia compartilhar com o tango o sentir e a forma de manifestar esse sentir. Talvez isto explique por que a partir da década de 90, tantos jovens entraram no universo milonguero.

Pessoalmente fui um desses jovens. Lembro que nas primeiras milongas que frequentei lá pelo ano de 1998, a grande maioria das pessoas tinha mais de 50 anos, a exceção de alguns poucos jovens que como eu, começavam a se apaixonar pelo tango. Ele sempre tinha estado ali. Todas as manhãs da minha infância, acordava com os acordes tangueros entonados pelo rádio Clarín. Mas, como nunca antes eu tinha chegado a uma milonga? Como ninguém havia me falado da beleza da sua dança? Como podia estar tão alheia a uma arte tão íntima e própria? Hoje fica claro que nessa época, o tango como manifestação popular, ressurgia das cinzas sobrevivendo a uma geração de esquecimento23. Porém, a partir desta nova etapa,

começará uma ascensão acelerada, que levará à multiplicação de dançarinos no Río de la Plata, à declaração do tango como Patrimônio Imaterial da humanidade, à realização do Campeonato Mundial de Tango, patrocinado pelo governo de Buenos Aires, bem como à proliferação de aulas de tango e milongas no mundo todo. O tango é hoje, além de popular, uma manifestação espalhada pelo globo terrestre.