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A Revisão Constitucional de 1993

No documento ICMS COMO SUBSISTEMA POLÍTICO (páginas 85-90)

4. GUERRA FISCAL E REFORMAS TRIBUTÁRIAS: EVENTOS PARA ANÁLISE

4.2. P ROPOSTAS DE REFORMAS NO SISTEMA TRIBUTÁRIO

4.2.2. A Revisão Constitucional de 1993

A primeira iniciativa de proposta de reforma no âmbito fiscal e tributário no período pós-Constituinte, ocorreu durante o governo Collor, com a criação da Comissão Executiva da Reforma Fiscal (CERF). A CERF propôs um conjunto de medidas que passaram a constituir os termos da discussão pública em torno da questão ao longo da década de 1990. Uma dessas medidas referia-se à criação de um Imposto sobre Valor Adicionado (a partir da fusão do IPI, ICMS e ISS) pago no destino.

Os trabalhos dessa comissão, contudo, não foram analisados pelo Congresso Nacional em virtude do impeachment do presidente Collor. Mas, segundo Melo (2002), a proposta estava fadada ao malogro pela intensa resistência oferecida pelos setores da burocracia pública, pelos governos estaduais e pelas associações empresariais. O debate público que acompanhou os trabalhos da CERF e as propostas que surgiram em virtude dessa discussão forneceram as bases programáticas das propostas de emenda que foram discutidas na Revisão Constitucional de 1993-1994.

A reforma constitucional de 1993/1994 estava prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição de 1988 para ocorrer cinco anos após a sua promulgação. O período de revisão iniciou-se no dia 13 de outubro de 1993 e encerrou-se em 31 de maio de 1994, após 80 sessões. Nesse prazo, votou-se apenas 19 mudanças, das quais 12 foram rejeitadas já no primeiro turno de votação. Das 17 mil propostas relatadas, apenas seis foram aprovadas.

O malogro da revisão estaria fortemente relacionado a constrangimentos associados ao timing dessa reforma. No que se refere à organização dos trabalhos legislativos, a revisão de 1993 seria bastante peculiar, haja vista que configurou uma situação ad hoc instituída para a revisão, não seguindo a rotina processual das emendas à Constituição. Os procedimentos rotineiros para reformas constitucionais são mais severos, demandando um exercício maior de barganha política e logrolling. Exige, portanto, custos políticos mais elevados, requerendo a formação de maiorias sem se aplicar os mecanismos usuais de controle do conteúdo e da agenda dos trabalhos do Legislativo pelo Executivo, como o regime de urgência.

Melo (2002) apresenta quatro fatores para tratar o contexto político- institucional em que a revisão constitucional entrou na agenda pública. Em primeiro lugar, havia as especificidades do governo de transição e de “salvação nacional”, que caracterizaram o período pós-impeachment. No que se refere ao governo de transição, tudo o que os atores sociais estratégicos esperavam do governo Itamar era a superação da crise institucional aberta com o impeachment, e não que se desse início a uma nova etapa de inovações institucionais e políticas, simbolicamente associadas ao governo Collor.

Além disso, o arranjo organizacional adotado para os trabalhos de revisão teria alimentado os problemas gerados pela falta de comando e pelo desinteresse coletivo

naquela. Os trabalhos foram centralizados no relator e em uma única comissão de revisão, que se pronunciava sobre a admissibilidade e mérito das emendas e as propostas da relatoria tinham que ser aprovadas ou rejeitadas sem que os parlamentares pudessem fazer emendas. A vedação regimental a iniciativas do Executivo na revisão contribuiu diretamente para inibir uma ação concertada daquele Poder. Podiam apresentar emendas à Constituição: os congressistas, os partidos por meio do líder, as assembléias legislativas de, no mínimo três Estados da Federação, manifestando-se pela maioria de seus membros, ou um mínimo de três entidades associativas que organizassem proposta revisional popular subscrita por pelo menos 15 mil eleitores. Na revisão, o Legislativo deteve o poder de agenda, que se concentrou fortemente no relator.

Em segundo, o autor cita a comoção institucional causada pela CPI do orçamento para caracterizar o contexto político-institucional da revisão de 1993/1994. A CPI debilitou o Congresso enquanto instituição e, sobretudo, sua imagem junto aos setores reformistas da opinião pública e aos setores e grupos de interesses não empresariais. A oposição no Congresso se alimentou desse processo e apontou para a ilegitimidade dos trabalhos de revisão por um Congresso com inúmeros representantes que seriam possivelmente cassados. A revisão constitucional também saturou a agenda parlamentar na medida em que os trabalhos da CPI ainda não se haviam encerrado. O ajuste fiscal do programa de estabilização do governo e seu relativo êxito deveram-se em grande parte ao fato de que o Congresso estava enfraquecido e incapaz de oferecer resistência às iniciativas agressivas do governo de contenção de gasto público.

A terceira variável considerada para descrever o contexto da revisão constitucional é a crise fiscal e o timing das discussões constitucionais, que se desenrolavam simultaneamente com a elaboração do orçamento para 1994. O timing do

ajuste fiscal explicaria parte do interesse do Executivo na revisão constitucional. As iniciativas nas áreas tributária e fiscal exigiam efetivamente mudanças constitucionais. A necessidade de promover mudanças constitucionais para o programa de estabilização impulsionou o governo a se engajar na instalação dos trabalhos da revisão constitucional. O governo teria pego carona para aprovar o Fundo Social de Emergência e depois teria sido omisso. Ele se beneficiou da fragilidade do Congresso para oferecer resistência e manejou estrategicamente a agenda da revisão, convertendo-a virtualmente em um pacote de pequenas mudanças na área fiscal. Decorre daí que o Fundo Social de Emergência tenha se constituído na primeira emenda promulgada.

Por fim, aponta-se o calendário eleitoral de 1994 como fator fundamental na explicação do fracasso da revisão constitucional de 1993-1994. O prazo estabelecido para o fim dos trabalhos de revisão (abril de 1994) foi definido por ser a data limite para a desincompatibilização de ocupantes de cargos para as eleições de novembro. Assim, boa parte do Congresso voltava-se para a campanha eleitoral e a oposição empenhava-se ainda na obstrução dos trabalhos, tornando difícil a obtenção de quorum para as votações.

Na revisão constitucional, as propostas tratadas no substitutivo do relator - salvo exceções como a proposta que cria o FSE – regimentalmente se originavam no próprio Congresso, com base em articulações de grupos de interesse. Em 1993, os trabalhos revisionais seguiam tramitação acelerada e quorum reduzido, tanto para deliberação como para votação. Ao contrário da Assembléia Constituinte, adotaram-se o rito sumário para a promulgação das propostas aprovadas e o formato unicameral.

Melo (2002) destaca que o conjunto de propostas relativas ao sistema tributário apresentadas no período 1990-1995 revela que a iniciativa propositiva em torno do tema está circunscrita a um conjunto de deputados especialistas. Esse padrão se revela

também nos debates em torno das propostas de emenda do Executivo apresentadas em 1995 e em 2003.

Na revisão, algumas características relativas ao arranjo institucional adotado teriam contribuído para aumentar o potencial de mudança na ordem constitucional. Dentre elas, destacam-se a rapidez na tramitação de emendas, a relatoria centralizada, e o quorum reduzido para mudanças constitucionais. Outras características apontadas, contudo, tais como o monopólio do Legislativo da iniciativa de proposição, a inexistência de policy

advocates para as emendas e a simultaneidade de votações reduziram o potencial de

mudança por parte do governo. Assim, o potencial que o arranjo institucional produzia foi anulado por fatores contextuais, como os constrangimentos eleitorais e a estrutura de incentivos com que se deparavam o Executivo e o Legislativo na conjuntura da CPI do orçamento.

Desse modo, a questão tributária já se constituía em tema de debate no início dos anos 90. Antes e durante a Revisão Constitucional, surgiram propostas de mudança no funcionamento do ICMS e de criação de um Imposto sobre o Valor Adicionado com incidência no destino. No entanto, a Revisão Constitucional ocorreu em um delicado momento político da história brasileira, marcado pelo impeachment do presidente Collor de Melo e da CPI do Orçamento, que culminou na cassação de inúmeros parlamentares. Assim, naquele momento, o ICMS e outras questões tributárias não compunham a agenda de prioridades do governo não só pelos fatores de conjuntura política considerados, como também por não apresentarem naquele momento o caráter emergencial que outros temas apresentavam, como o ajuste fiscal, a inflação e as medidas econômicas para contê-la. Dessa forma, o Executivo foi um ator pouco expressivo durante a Revisão Constitucional,

enquanto o Legislativo constituiu-se a principal instância de decisão naquele momento, ainda que enfraquecido pela CPI.

No documento ICMS COMO SUBSISTEMA POLÍTICO (páginas 85-90)

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