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3. Investigação em JI

3.2. Revisão da Literatura

As relações de amizade contribuem para o desenvolvimento estável das crianças, possibilitando às mesmas adquirir conhecimentos e desenvolver capacidades através delas. Segundo Pereira e Garcia (2011) as relações de amizade são uma área de estudo muito recente, pois só se começou a desenvolver-se, sensivelmente, nos últimos 40 anos. Embora, nas últimas décadas se verifique um maior interesse por esta área de pesquisa, continua a ser uma área pouco abordada, principalmente no âmbito da Educação.

O conceito de amizade, é definido por vários autores. Segundo Rybak e Mcandrew (citados por Schujmann, 2010), somos amigos daqueles em quem depositamos confiança e temos mais proximidade. Estes autores referem que a amizade, encontra-se presente ao longo de toda a vida, e que, por isso, pode afirmar- se que os indivíduos possuem “amigos de infância, amigos de faculdade, do trabalho e assim por diante” (p. 13).

Para Foucault (2004, p. 240) citado por Loponte (2009) “a amizade é uma das formas que se dá ao cuidado de si: todo o homem que tem realmente cuidado de si deve

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fazer amigos”, pois é esta necessidade que nos motiva para estabelecermos relações de amizade. Brun e Lacerda (citados por Schujmann, 2010), definem a amizade como uma necessidade fundamental de um indivíduo em ir ao encontro de outro. Já para Perfeito et al. (2009), o conceito de amizade designa-se por uma “afeição por uma pessoa; estima; simpatia; camaradagem; companheirismo; cumplicidade; entendimento; compreensão; dedicação; bondade; pessoa amiga” (p.98), assim como amigo, caracteriza-se por “aquele que tem com alguém uma relação de amizade” (p.97).

No entanto, o tema do relatório está relacionado com a amizade infantil, sendo, por isso, importante referir que esta, segundo Bukowski et al. e Hartup (citados por Souza e Hutz, 2008) é caracterizada pelo afeto, divertimento, reciprocidade, cooperação, boa resolução de conflitos e benefícios iguais entre crianças, ou seja, carateriza-se pelo desejo de “passar mais tempo na companhia prazerosa um do outro” (p. 261).

A amizade é sem dúvida algo muito importante na vida de cada um, uma vez que nela se investe parte do tempo através de ações e demonstrações para que a vida ganhe um maior sentido. Este é um conceito amplamente reconhecido, uma vez que desde cedo é reconhecido por crianças. Segundo Fehr (1996), quando questionadas sobre o que é um amigo, as crianças em idade pré-escolar referem que é alguém que brinca com elas, alguém que partilha brinquedos (comportamento pró-social) e alguém que não lhes bate (ausência de comportamento agressivo). Outras crianças referem ainda que um amigo é alguém de quem gostamos. É normal e espectável que com o passar do tempo, o conceito que a criança formou se vá modificando, uma vez que as experiências de vida passam a ser outras e certamente farão com que os conceitos se alterem.

As relações de amizade entre pares, são baseadas em momentos/ações simples do seu dia a dia, como a partilha de um brinquedo. Segundo Lopes, Magalhães e Mauro (2003) a criança no início da infância apresenta um vínculo momentâneo nas relações de amizade que estabelece. Neste sentido, o conceito de amizade está condicionado pela proximidade física e pela preferência nas atividades. Rubin (1982), cujo trabalho pioneiro ainda hoje é uma referência, menciona que nesta fase a amizade é concebida de uma forma unilateral e, por vezes, centrada no ponto de vista dos interesses particulares de cada criança. Nestas idades, para uma criança, as outras devem contribuir com algo de positivo para o seu bem-estar ou para o seu prazer, sendo essa

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uma condição para criar uma relação de amizade. Isto é, partilha de interesses e sensação de bem-estar e prazerosa.

Alguns autores (Ladd & Coleman, 2010) referem que as crianças tendem a preocupar-se com o seu bem-estar, não dando muita relevância ao bem-estar dos outros. Por isso, quando estão na creche ou JI e têm a oportunidade de interagir com outras crianças mostram-se muito seletivas quando escolhem os amigos. Ainda assim, há dados que sugerem que desde cedo as crianças valorizam e pensam nas suas amizades, manifestando preocupação com os outros (Ricardo & Rossetti, 2011). Para estes autores a amizade é um fator de proteção social, promovendo a autoestima e o bem-estar das crianças.

Garcia (2005) refere que a sensibilidade das crianças pequenas a situações sentidas como “transgressões”, assim como os argumentos e justificações que apresentam “diferem para amigos e não amigos” (p. 53). Assim, de acordo com este autor, as crianças desculpam, ou não as outras crianças conforme o relacionamento que têm estabelecido com as mesmas, podendo diferenciar caso sejam amigos ou não amigos.

É importante que as crianças invistam nas suas relações de amizade, para que elas se mantenham, pois tal como refere Rubin (1982),

os amigos são proporcionadores de segurança, […], parceiros de atividades em que não podemos atuar sozinhos, guias para lugares não familiares, aprendizes que nos confirmam o nosso próprio sentido, em desenvolvimento, de competência e de especialização (p.90).

Ora, desde cedo as crianças que vão para a creche começam a interagir com as outras crianças, ou seja, com os seus pares. Ladd e Coleman (2010) referem que durante o primeiro ano de vida, as crianças manifestam vastos comportamentos sociais e Rubin (1982), sugere que uma das primeiras interações na infância consistem em explorar os outros bebés e a interagirem progressivamente de forma mais complexa até começarem a relacionar-se com as outras crianças de forma espontânea e genuína, iniciando interações sociais recíprocas.

De acordo o mesmo autor, as crianças começam a olhar umas para as outras enquanto sorriem, partilham brinquedos, esticando-os e produzem sons envolvendo-se em atividades lúdicas e prazerosas (Ladd & Coleman, 2010). Para Rubin (1982) é precisamente a partir deste momento que as crianças começam assim a demonstrar ter um conceito inicial de amigo, assim como a reconhecer alguém como semelhante e

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familiar, de quem “se esperam respostas especiais e com quem se pode empenhar num conjunto agradável e distinto de actividades” (Rubin, 1982, p. 46). Assim, é possível verificar que as crianças pequenas já têm preferências sobre os seus pares e estabelecem relações, podendo com o tempo tornarem-se mais complexas, tal como referem Vandell e Mueller (citados por Ladd & Coleman, 2010). Embora estes comportamentos sejam observáveis desde cedo, Ladd & Coleman (2010) afirmam que é a linguagem que traz uma maior aptidão para as crianças conceptualizarem, refletirem e descreverem as suas amizades.

Hayes (1978) citado pelos autores acima mencionados, através de investigações realizadas com crianças, constatou que nestas idades, as crianças são capazes de nomear melhores amigos e explicitar quais as razões que os levam a gostar deles. Como traços particulares da amizade entre crianças até aos cinco anos de idade, são referidos os fatores afetivos, pois nesta faixa etária, as crianças atingem um nível de maturidade emocional que lhes possibilita o estabelecimento de relações afetivas de grande proximidade com os seus amigos (Ladd & Coleman, 2010).

Sullivan mencionado por Rubin (1982), declara ainda estas relações são diferentes das que têm com os pais, por exemplo, pois uma das funções das amizades entre crianças é “corrigir alguns pontos de vista estranhos ou potencialmente perniciosos da vida social que as crianças tenham possivelmente obtido a partir das suas primeiras interacções com os pais” (p. 21), ou seja, as crianças ao interagirem com os pares e ao criarem relações de amizade, vivenciam e refletem sobre alguns aspetos da sua conduta como, por exemplo, a frustração, a paciência e a partilha. Também Garcia (2005) assinala que o estabelecimento de relações de amizade entre as crianças, é importante para o desenvolvimento holístico das crianças e para o seu bem-estar psicossocial.

Para além destes aspetos mais relacionados com o desenvolvimento individual, Ferreira (2004) refere que “(…) as redes de amizade podem ser vistas como importantes contributos para o processo de reprodução cultural dentro do grupo, porque é com outras crianças que se brinca, conversa, trocam ideias, se constrói e se expande a sua cultura” (p. 194). Isto é, que as relações de amizade são um dos eixos da construção de culturas infantis no seio do grupo. A este propósito, Trevisan (2007), refere que é possível “identificar diferentes graus de relacionamento e, também, a formação de grupos distintos de amigos” (p.125), dentro de um grande grupo.

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Também em termos temporais, estas relações se podem tornar importantes, pois, tal como refere Cordeiro (2012), existe sempre um ou dois amigos de infância que nos marcam. Segundo Poulin e Chan (2010) a relevância das relações de amizade também se deve à duração das mesmas uma vez que conforme a duração da relação, assim serão os benefícios desta, proporcionando proximidade, intimidade, companheirismo, entre outros benefícios. Quanto mais duradoura for a relação, mais benefícios esta trará às pessoas envolvidas.

Ferreira (2004) menciona que “no quotidiano das crianças no JI, uma grande parte das suas ações sociais parece ter lugar durante aquilo que vulgarmente se designa por brincar, (…)” (p.197). Através do brincar as crianças também transmitem conhecimentos umas às outras, sendo esta, por vezes, a melhor forma de eles aprenderem. Segundo a mesma autora, “ter um(a) amigo(a) significa também ter algum apoio e base de reconhecimento social quando se enfrentam e se resolvem problemas” (p.194). No mesmo sentido, Rubin (1982) refere que um amigo é a pessoa que nos apoia e transmite segurança sempre que precisamos, mesmo na situação das crianças o amigo é aquele que está próximo e sempre presente nas suas brincadeiras.

Em jeito de conclusão, a amizade é um elemento muito importante quer quanto ao desenvolvimento das crianças, quer quanto aos processos de reprodução cultural, quer quanto ao sentimento de pertença ao grupo e ao estabelecimento de redes de suporte. Todos estes processos estão interligados e as relações de amizade são um dos elementos em comum entre os mesmos. É através das amizades que as crianças socializam e se integram nos grupos, transmitindo os seus conhecimentos e as suas experiências e vivências. Muitas vezes é na creche e no JI que as crianças estabelecem pela primeira vez, relações de amizades e, em alguns casos, essas amizades podem vir a ser bastante duradouras, sendo este mais um aspeto pela qual as relações de amizade são tão importantes para as crianças.

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