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Revisão da literatura sobre a relação entre a teoria e a prática contabilística

Capítulo Ii – Enquadramento Teórico

6. Revisão da literatura sobre a relação entre a teoria e a prática contabilística

Da pesquisa que efetuámos, foram poucos os estudos que encontrámos sobre a relação entre a teoria e a prática contabilística, situação que pensamos ser bem sintomática da diminuição da investigação e da discussão de assuntos relacionados com a teoria da contabilidade, como discutimos no ponto anterior.

Assim, da revisão da literatura efetuada, os estudos que mais se aproximam do objetivo do nosso trabalho são os de García-Ayuso e Sierra Molina (1994), García Benau (1994, 1996), Ospina Zapata (2005) e Flórez Romero (2007).

García-Ayuso e Sierra Molina (1994) realizaram o seu estudo através de questionário, a 198 profissionais do Colégio de Economistas de Sevilla e a 126 académicos da

Asociación Española de Profesores Universitarios de Contabilidad, com o objetivo de recolher evidência sobre a situação da investigação e da prática contabilística em Espanha, e sobre os temas que preocupam os investigadores e os académicos, analisando se os mesmos são ou não coincidentes.

Aqueles autores concluíram que existe uma elevada coincidência entre os temas que preocupam os profissionais e os investigadores, sendo o tema a que é dada maior importância a normalização contabilística, e o tema com menor importância a história da contabilidade. Os autores apontam como razão justificativa para tal, o facto de muitos dos professores de contabilidade serem também profissionais e investigadores na área, como consequência existe uma dificuldade em analisar as diferenças no tratamento dos temas por parte da literatura contabilística e dos profissionais. Por outro lado, justificam a importância atribuída à normalização contabilística com a necessidade de estabelecer as bases da contabilidade e a necessidade de dar resposta à procura de informação, por parte dos profissionais, sobre essa problemática.

Não obstante, estes autores detetam divergências entre o que consideram ser as preocupações passadas e as presentes da comunidade de investigação, divergências que os autores consideram ser sinal do desenvolvimento da contabilidade em Espanha. Documentam uma maior divergência no que respeita à importância, à data do estudo, que é atribuída à relação investigação-prática, uma vez que essa importância não existia dez anos antes da realização do estudo.

Para melhorar a situação atual da prática contabilística, estes autores propõem que se cultive a relação entre os profissionais e os académicos/investigadores, no sentido dos profissionais comunicarem as suas experiências aos investigadores e estes possam produzir investigação com aplicação na prática. Por outro lado, recomendam que os académicos/investigadores exponham os resultados das suas investigações aos profissionais de forma clara e descomplicada.

Os autores consideram, ainda, ser necessário unir os esforços dos académicos e dos profissionais para melhorar os planos curriculares de contabilidade no ensino superior, cabendo aos profissionais a passagem do conhecimento da realidade empresarial e da prática contabilística aos estudantes; aos académicos a divulgação, rápida e em texto, dos resultados das investigações realizadas.

Para estes autores, a chave poderá ser a existência de uma eficaz comunicação e de um bom relacionamento entre os profissionais e os investigadores, para que se possa obter novos e mais adequados resultados através da compreensão e cooperação mútua, e da valorização do trabalho levado a cabo por cada um dos grupos.

Já García Benau (1994) efetuou um estudo que se apoia em três pilares básicos que sustentam o debate entre teoria e prática contabilística: educação, investigação e prática profissional. O seu objetivo foi analisar as questões mais debatidas sobre a relação entre a teoria e a prática contabilística a nível internacional.

Para esta autora, é necessário a existência de uma estreita relação entre a teoria e a prática contabilística, entre o mundo académico e o profissional, pois só assim poderá existir um desenvolvimento mais sustentável da contabilidade. Contudo, a autora também entende que deve sempre existir uma certa separação entre aquelas realidades, não sendo favorável uma sobreposição total dos mesmos.

Na sua opinião, a investigação é um suporte da atividade docente, na medida em que permite introduzir hábitos críticos e metodológicos na formação dos alunos, futuros profissionais, considerando ser este o principal facto de complementaridade da docência e da investigação. Para esta autora, não existe uma boa docência sem que por detrás esteja um importante trabalho de investigação, sendo este um fator necessário para que se consiga um ensino de qualidade. Para que prevaleça a ligação entre estas duas realidades, propõe a participação dos estudantes nos trabalhos de investigação e a discussão dos mesmos com os alunos.

García Benau (1994) concluiu, ainda, que existe um distanciamento entre académicos e profissionais, facto que justifica a fraca relação entre ambos. Este distanciamento é sentido através, quer da ausência do impacto da investigação contabilística sobre a prática, as políticas contabilísticas e a educação, quer através da falta de interesse sentida pelos profissionais no processo e resultado das investigações.

Como soluções para aproximar mais a teoria da prática contabilística, a autora propõe, entre outras, as seguintes:

 o incentivo à comunicação e intercâmbio de ideias e experiências entre os académicos e os profissionais;

 a intensificação dos laços entre as empresas e os EES;

 dar a conhecer quais as investigações relevantes para os profissionais através das associações profissionais.

Mais tarde, a mesma autora (García Benau, 1996) realizou um estudo assente em 87 entrevistas, 45 a profissionais e 42 a académicos, com o objetivo de conhecer a perceção que as pessoas, que trabalham com questões relacionadas com a contabilidade e a auditoria, têm sobre a relação existente entre o mundo académico e o mundo profissional.

As pesquisas efetuadas para este estudo dão conta da existência de um distanciamento entre o mundo académico e o profissional e indicam que, no futuro, é necessária a cooperação entre estes dois mundos.

Os resultados das entrevistas indicam que, para os professores, o modelo de ensino a seguir deve estar mais direcionado para a orientação profissional. Já para os académicos, o modelo de ensino deve ser mais teórico e assente nos resultados da investigação. O estudo revela que um modelo de ensino que incorpore as duas vertentes satisfaz as duas partes. A este propósito, os académicos consideram que no ensino da contabilidade existe um excessivo enfoque nas técnicas, enquanto os profissionais consideram que o seu ensino é insuficiente. Daqui se denota a existência de divergências entre a opinião de um e outro grupo.

Já no que respeita ao contacto com a prática durante a formação, a opinião dos entrevistados parece ser coincidente. Assim, tanto os académicos como os profissionais, consideram que é favorável o contacto com a prática contabilística em empresas, durante a formação superior, embora alguns académicos considerem que esse é um fator desnecessário.

Neste estudo e no que respeita à investigação, os resultados demonstram que, tanto os profissionais como os académicos, não parecem ter uma posição clara em relação à relevância da investigação em contabilidade que é realizada pelas universidades espanholas. Com efeito, os resultados do estudo revelam que os profissionais preferem que a investigação se centre na investigação aplicada, enquanto os académicos parecem preferir a investigação básica. Porém, ambos consideram favorável a realização de

trabalhos de investigação em conjunto, proporcionando o encontro de interesses entre estes dois grupos.

Os resultados revelam ainda que, tanto para os académicos, como para os profissionais, a principal área de interesse da contabilidade são os princípios e as normas contabilísticas e, ainda, que os dois grupos desconhecem o trabalho que é realizado pela parte contrária.

Por fim, resta referir que os resultados deste estudo corroboram os anteriormente obtidos no estudo realizado pela mesma autora, em 1994: existe pouca evidência, em Espanha, sobre o nível de satisfação ou insatisfação existente entre o mundo académico e o profissional, e uma falta de informação sobre o modo como a prática requer que se realize a investigação e a docência, e como estas influenciam a prática contabilística. Mais recentemente, em 2005, Ospina Zapata elabora um estudo no qual uma parte é dedicada à relação entre a teoria e prática contabilística. Neste estudo conclui-se que existe um distanciamento entre o discurso científico e a prática contabilística, provocado pela falta de desenvolvimento da pesquisa, porquanto é esta que permite conhecer a essência da contabilidade e fomentar o diálogo da epistemologia e da prática contabilística.

Este estudo revela, ainda, que existe um distanciamento entre a teoria e a prática contabilística, considerando o autor que este é um indicador da existência de uma disfunção na construção da nossa disciplina.

O autor considera ser necessária uma postura que entenda a contabilidade como um saber que estuda as realidades sociais, identifique os problemas dessas realidades, descreva os conflitos, os interesses, as linguagens, as relações e outras noções que possibilitam a criação de um corpo teórico mais ágil para a prática da contabilidade e que origine numa postura epistemológica específica.

No mesmo seguimento, o estudo de Flórez Romero (2007) também indicia a existência de uma separação entre a teoria e a prática contabilística. Para este autor, na prática contabilística, a informação é apenas utilizada para dar cumprimento às obrigações normativas ou para o registo e apresentação das demonstrações financeiras, os quais não representam a realidade das operações das entidades, porquanto servem os interesses de apenas alguns sujeitos.

O autor considera que algumas universidades estão demasiado focadas na componente teórica da contabilidade e outras na componente prática, apontando o estado do ensino da contabilidade como uma agravante daquela separação.

Para que se consiga pôr fim à separação entre a teoria e a prática da contabilidade, o autor considera que se deveria redirecionar a investigação que se realiza e os seus resultados. Entende que muitas investigações resultam em fórmulas que não têm aplicação prática na contabilidade, referindo que a investigação deve-se preocupar com a realidade prática da contabilidade, para que, assim, a contabilidade possa atuar em função da sociedade.

Em síntese, os estudos documentam algumas conclusões comuns sobre a relação existente entre a teoria e a prática contabilística, entre elas:

 García-Ayuso e Sierra Molina (1994) e García Benau (1994) concordam que,

tanto os profissionais como os investigadores/académicos, parecem demonstrar interesse pelos mesmos temas na contabilidade;

 García Benau (1994, 1996) e Ospina Zapata (2005) concordam que existe um

distanciamento entre o mundo académico/científico e o mundo profissional;

 García Benau (1994), Ospina Zapata (2005) e Flórez Romero (2007) concordam

que existe um distanciamento entre a teoria e a prática contabilística14.

De referir, por fim, que da revisão da literatura efetuada não foi encontrado qualquer estudo sobre a relação entre teoria e prática da contabilidade em Portugal, o que justifica o estudo empírico levado a cabo, de natureza exploratória, ao contexto português, o qual apresentamos no capítulo seguinte.

14

A estes autores acrescentamos também a opinião de Johnson e Kaplan (1987), Kaplan (1986) e de Scapens (1994 e 2006) que, no que respeita à contabilidade de gestão, consideram existir um fosso entre o que diz a teoria e o que se faz na prática.