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2 ORIGENS DA VIOLÊNCIA CONTRA O NEGRO NO BRASIL

2.3 GUERRA É GUERRA UM MORRE PARA OUTRO VENCER!

2.3.2 A Revolta de Carrancas (1833)

Em 1831, as autoridades e proprietários do Rio das Mortes na região da Freguesia de Carrancas em Minas Gerais, estavam apavorados com o poder das rebeliões dos escravizados em seus arredores. De acordo com Andrade99 (1998-1999), os rebelados resolveram recuar por motivos estratégicos por um período que perdurou por dois anos até a Revolta de Carrancas, iniciada na Fazenda Campo Alegre no dia 13 de maio de 1833, em que foi assassinado o filho do proprietário e deputado da Província de Minas Gerais. A insurreição concentrava um percentual significativo de escravizados, a maioria constituída por africanos e alguns crioulos que possuíam grande capacidade de aglutinação e circulação de informações adquiridas durante os levantes anteriores, o que colocou em sobressalto toda a região centro-sul repercutindo nas províncias de São Paulo e do Rio de Janeiro. Os escravizados tinham ciência dos demais movimentos de resistência do país, pois o tráfico entre províncias permitia o deslocamento de escravos entre um estado e outro, facilitando o compartilhamento dos levantes. Conforme discorre Andrade (1998-1999):

A insurreição teve início na Fazenda Campo alegre, de propriedade de Gabriel Francisco Junqueira, deputado da Província de Minas no parlamento nacional, e se encontrava na Corte no momento em que os escravos se rebelaram e assassinaram seu filho, Gabriel Francisco de Andrade Junqueira. Este, além de dirigir os negócios do pai em sua ausência, era também juiz de paz do Curato de São Tomé da Serra da Letras. Por volta do meio-dia do dia 13 de maio de 1833, alguns escravos do deputado se encontravam trabalhando na roça, quando o “senhor moço” – definição utilizada pelos escravos – chegou com o objetivo de supervisionar o trabalho deles. Achando-se ainda montando em seu cavalo, os escravos Ventura, de nação mina, Domingos, crioulo, e Julião, congo, o atacaram e o assassinaram. (p. 61).

Ainda de acordo com o autor, após o ataque, os escravizados seguiram para a Fazenda Bela Cruz, na qual assassinaram todos os moradores da casa grande e conseguiram novos

99 ANDRADE, Marcos Ferreira de. (1998-1999). Rebeliões escravas na Comarca do Rio das Mortes, Minas

escravizados adeptos à insurreição. Ao chegarem à Fazenda Bom Jardim, o proprietário ciente da movimentação que ocorria na região, articulou seus escravizados para lutarem em defesa de seu senhor, gerando um forte confronto entre eles. Aqui se encontra outro fato intrigante e questionador: por que os escravizados da Fazenda Bom Jardim, ao invés de aderirem à

insurreição, lutaram a favor de seu senhor? O ranço do medo era nítido, além disso, existia o

receio da revolta se expandir e os rebelados ganharem força, pois havia uma organização entre os mesmos que causava temor nas autoridades e nos proprietários da província. Como forma de repressão e de conter os mais exaltados, e claro futuros levantes, os líderes dos revoltosos foram cruelmente assassinados pelas autoridades, proprietários e Guarda Nacional.

O grau de organização e planejamento da revolta foi revelado pelo sucesso do movimento e a articulação entre os escravos de várias fazendas. Alguns desses escravos foram acusados de serem os cabeças da insurreição, tais como Ventura Mina (Fazenda Campo Alegre), Joaquim Mina (Fazenda Bela Cruz), Jerônimo Crioulo e Roque Crioulo (Fazenda da Prata) e Damião (Campo Belo). Este último se enforcou quando soube que fora denunciado. (ANDRADE, 1998-1999, p. 68).

Os escravizados objetivavam matar todos os brancos, para alcançar a liberdade e tomar posse dos bens de seus senhores. Há indícios de que foram influenciados por políticos locais com a falsa promessa de liberdade, mas não se pode negar que a insurreição atemorizou os proprietários e as autoridades. Como forma de repressão, a província de Carrancas assistiu a um dos maiores massacres já vistos na História do Brasil, no entanto, a violência ocorrera em via de mão dupla, tanto do lado das autoridades e senhores, quanto do lado dos escravizados.

De acordo com Ribeiro (2005)100, as autoridades seguiram à risca as leis e os envolvidos

foram condenados à morte, segundo os artigos 113 (insurreição) e 192 (homicídio qualificado) e julgados de acordo com as regras do Código do Processo de 1832, que dava direito de protesto aos escravizados. Os julgamentos seguiram o decreto de 1829, “[...] que vedava aos escravos que matavam seus senhores impetrar petição de graça”, fazendo com que todos fossem condenados. Conforme salienta Ribeiro (2005):

Fato singular: em toda a história da repressão à resistência escrava na Regência e no segundo Reinado, que terá na execução das sentenças de morte baseadas na lei de 10 de junho de 1835 seu ponto alto, não encontraremos nenhum caso com número tão grande de execuções como o da insurreição de

100 RIBEIRO, J. L. (2005). No meio das galinhas as baratas não têm razão. A lei de 10 de junho de 1835: os escravos e a pena de morte no Império do Brasil 1822-1889. Rio de Janeiro: RENOVAR.

Carrancas. Por três dias seguidos São João del Rei assistiu cenas de enforcamento. (p. 50).

Os escravizados estavam convictos e certos da vitória para salvarem suas vidas e, para tanto, utilizaram-se de ataques violentos. A extrema violência, evidenciada nessa insurreição de Carrancas, pode ser associada à situação de extrema vulnerabilidade e violência, à qual a juventude negra está submetida nas favelas. O envolvimento dos jovens na criminalidade é destaque na mídia brasileira, apresentando-os na condição de delinquentes e de indivíduos de alta periculosidade. O Estado, por sua vez, é conivente com o genocídio dos jovens moradores das periferias que vem sendo denunciado no mundo. O abuso do crime organizado e da polícia isola a população por meio da atmosfera do medo criada a partir do toque de recolher. Com isso, a população moradora dessas regiões submete-se a uma disputa territorial entre policiais e facções, como salientada e denunciada por meio da letra de rap, Quem sabe um dia101, do

grupo Realidade Cruel:

O bagulho é monstro “cê” tá nos morro / se esconde lá vem o Caveirão com sede pra abater os bondes / sobram tiros e mais tiros e balas traçantes em pleno meio dia toque de recolher / os traficantes mandam aviso hoje vai ter / outro corpo de PM morto pra aparecer na TV.