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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES FINAIS

1.6 Rio Grande: mestiçagens e mediações

A narrativa que sintetizamos nas linhas anteriores, relacionada à conquista do litoral da capitania, é lugar-comum na literatura produzida sobre a história do Rio Grande do Norte. Essa versão do processo que originou o território da Capitania do Rio Grande, assim, emerge da historiografia clássica e dos estudos revisionistas100 como uma espécie de relato a lembrar e eternizar a conquista das terras banhadas pelo rio Potengi pelos portugueses e luso- brasílicos. Essa literatura, que se espelhou, principalmente, no testemunho dos cronistas coloniais, acabou reproduzindo o sentimento de superioridade tão caro ao Ocidente – sobre o qual discorremos na primeira parte deste capítulo – e servindo de base para a historiografia acadêmica surgida no Rio Grande do Norte101 acerca das questões envolvendo o período que vai do século XVI ao XVIII.

A seqüência de acontecimentos que cobrem o século XVI, da alvorada ao seu crepúsculo, observada pela lente da historiografia clássica, permite-nos encará-la como constitutiva da dinâmica da colonização. Dinâmica esta que tinha como sentido precípuo o de natureza fundamentalmente comercial, isto é, a produção para o mercado externo a partir dos produtos tropicais e metais fornecidos pelas colônias102.

Não será enfadonho lembrar que dois marujos que acompanhavam Américo Vespúcio no distante 1501, navegando pelas costas do que hoje é o Rio Grande do Norte, decidiram seguir rumo à terra firme em busca de “alguma riqueza ou especiaria, ou outras drogas” – ali mesmo encontraram a morte e foram moqueados pelos nativos, provavelmente pertencentes ao tronco lingüístico Tupi103. Pouco mais de trinta anos depois, a expedição administrada por Aires da Cunha (1535) com vistas a ocupar a capitania de João de Barros, livrando-a dos corsários franceses, foi objeto de questionamento, em Lisboa, por parte do embaixador do rei espanhol Carlos V, Luís Sarmiento. Julgava o embaixador que o grande aparato militar da esquadra de Aires da Cunha não se resumia a uma expedição de caráter privado – por mais que contasse com o apoio de el-rei – apenas com o desejo de conquista do litoral norte das terras de além-mar. Acreditava que essa esquadra, das particulares a maior que zarpara do Tejo até então, tinha como destino final a busca de ouro no Peru, por meio do rio Amazonas, ao que foi negado veemente por D. João III104. Não conformado com a negativa do rei, e sabedor dos desastrosos resultados das forças de Aires da Cunha, Sarmiento escreveu a Carlos V em 1536, denunciando o interesse em alcançar o Peru pelo Amazonas105.

Os dois trechos citados acima expõem, portanto, a tentativa de incluir os domínios lusitanos de além-mar no circuito da economia européia, aproveitando o seu potencial enquanto complementar ao frutuoso comércio com o Oriente. Os sonhos de João de Barros e Aires da Cunha, donatários do Rio Grande, de tirar proveito da concessão real, entretanto, malogram em função da oposição dos Potiguara conjuntamente com os franceses. Revertida à Coroa após a morte de João de Barros (1570), somente no contexto da política expansionista filipina seria de fato (re)conquistada106. A construção de uma fortaleza cujos patronos eram os Reis Magos – a princípio, de taipa e depois erguida em alvenaria – e de uma cidade aceleraram o processo de ocupação da terra pelos colonos luso-brasileiros, na medida em que representavam pilares da administração lusitana que ia, paulatinamente, se instalando nas terras habitadas pelos Potiguara.

A partir da cidade107 surgida a meia légua da fortaleza, o empreendimento da colonização tomaria seus rumos, seguindo o caminho natural dos cursos d’água a partir do Seiscentos: alastrando-se para oeste, mormente para o leito e as ribanceiras dos rios Potengi e do Jundiaí; para norte, rumo ao vale do rio Ceará-Mirim e para sul, acompanhando a costa, orientando-se pelos caminhos conhecidos que levavam às capitanias da Paraíba e Pernambuco. A historiografia costuma apontar apenas dois pontos em que a atividade açucareira gerou bons frutos nos solos do Rio Grande: no Engenho Potengi, posteriormente Ferreiro Torto, na várzea do Jundiaí e no Engenho Cunhaú, de propriedade dos descendentes de Jerônimo de Albuquerque, situado na várzea do Cunhaú108. Nos outros pontos da capitania, atingidos pela ocidentalização até o prelúdio do século XVII, vivia-se da agricultura, da caça, da pesca e da criação de gado109.

Longe de representar apenas um empreendimento econômico, a ocidentalização representou um processo de (re)conhecimento do outro, na medida em que, do século XVI em diante, por meio das navegações marítimas e do estabelecimento de colônias, pessoas dos quatro cantos do mundo – ou que nesses cantos tiveram experiências – passaram a se encontrar. É o caso do donatário Aires da Cunha, “soldado vitorioso na Índia” e que, das águas orientais, comandara posteriormente uma armada na patrulha de flibusteiros nas imediações dos Açores110. Poderíamos anotar, ainda, o nome do jesuíta Gaspar de Samperes, que, antes de professar os votos e adentrar na ordem inaciana, trabalhou na confecção de plantas cartográficas na Espanha (seu país de origem) e Portugal. Esse padre, inclusive, foi o autor da planta da construção da Fortaleza dos Reis Magos – em sua versão de taipa –, que foi aprimorada e construída de alvenaria pelas mãos e desenhos de outro arquiteto, o português

Recuando no tempo até 1501, acreditamos que o contato trágico entre os tripulantes da expedição de Américo Vespúcio e os nativos da costa da futura Capitania do Rio Grande certamente irrompeu em um choque de temporalidades e de cosmogonias distintas entre o Ocidente e sua contraparte, agora conhecida no contexto da anexação das terras do além-mar ao império marítimo português111. Não podemos afirmar se tal choque também ocorreu no instante em que os franceses iniciaram seu convívio – clandestino, em relação aos portugueses – com os Potiguara. Podemos, todavia, assegurar que o relacionamento desses corsários com os nativos do Rio Grande foi marcado pela aliança contra os lusos, já que aos primeiros interessava o tráfico do pau-de-tinta e sua comercialização na Europa, reclamado pelo fato da França não aceitar a divisão do globo entre Portugal e Espanha. O historiador Tarcísio Medeiros assegura que, além de amplo conhecimento dos territórios nativos e da coabitação com alguns principais dos Potiguara, vários normandos e bretões geraram filhos nas índias: dado que nos leva a crer que as primeiras mestiçagens não se deram entre os portugueses e os nativos, mas, destes com os franceses112. Os piratas que se amalgamaram às nativas desempenharam, portanto, o papel de agentes mediadores, já que, nas circunstâncias da exploração irregular da costa à busca dos produtos tropicais, mantiveram um trânsito entre duas culturas – a ocidental e a indígena –, estreitando as fronteiras de dois mundos que, à primeira vista, poderiam parecer tão díspares e distantes. Esse estreitamento seria o terreno fértil para germinarem as alianças entre os que se encontravam na costa quando o branco dos caravelões foi avistado e os que, descontentes com um suposto testamento de Adão, passaram a comerciar nas áreas de domínio ibérico.

Os contatos do mundo ocidental com a colônia portuguesa na América, durante a maior parte do século XVI, foram esporádicos e ocasionais. Não é vã, portanto, a opinião de frei Vicente do Salvador de que os portugueses eram negligentes, pois, “sendo grandes conquistadores de terras, não se aproveitam delas, mas contentam-se de as andar arranhando ao longo do mar como caranguejos”113. Em que pese a resistência indígena ao modelo de colonização adotado pelos portugueses – num primeiro momento, especialmente nos engenhos, mas, também, na coleta do pau-de-tinta – e a insistência dos corsários franceses em se apoderarem do que os trópicos lhes ofereciam, passando por cima dos ditames de Tordesilhas, esse bordejamento pelo litoral explica o porquê de estarmos tratando de prospecções. Essa fase do processo de ocidentalização corresponde ao momento de conhecimento do litoral por meio de pequenas investidas, não se indo tão longe rumo a oeste, sempre com o receio dos Potiguara e dos franceses, porém, ao mesmo tempo, com interesse

em constatar a geografia desse verde que suscitava a imaginação e, por outro lado, atemorizava os olhares com seus perigos e armadilhas.

Enquanto outras capitanias prosperavam nos rincões da América Portuguesa, sobretudo com a instalação de núcleos populacionais em torno de engenhos de cana-de- açúcar, na donataria do Rio Grande o Ocidente apenas efetuava prospecções, promovendo varreduras por sobre a extensão do território conhecido. O resultado dessas buscas pelo conhecimento da geografia da colônia e mesmo sua efetiva ocupação geraram, na Europa, descrições não muito pormenorizadas ou superficiais sobre a Capitania do Rio Grande, seja na literatura, seja na cartografia quinhentista. A exceção a ser lembrada é com relação aos franceses, que puderam, graças à política de alianças perpetrada com os Potiguara, penetrar um pouco mais nas reservas naturais dos indígenas e, a julgar pelos dados que nos fornece o mapa de Jacques de Vaulx, de Claye, ter um contato mínimo com os que habitavam no interior da capitania.

Essas prospecções encontram o seu termo durante o período filipino, quando os intentos expansionistas de Filipe II propiciam condições favoráveis para a montagem de uma estratégia visando assegurar o domínio ibérico no norte da colônia. A expedição de conquista de 1597, capitaneada por Mascarenhas Homem e contando com o beneplácito direto do rei e do governador-geral do Brasil, representa, por conseguinte, uma intervenção mais profunda e que consegue transformar a paisagem, dotando-a de dois monumentos: a fortaleza e a cidade. Monumentos que se traduzem em signos da administração colonial ibérica, que, paulatinamente, vão fincando raízes nos solos americanos e modificando as noções indígenas de tempo e de espaço: a fortaleza, como marco da administração militar; a cidade, enquanto marco de uma incipiente administração civil. Os finalmentes do século XVI marcam, também, as primeiras descrições mais detalhadas acerca da alteridade encontrada no Novo Mundo, pela pena de cronistas como Pero de Magalhães Gândavo, Gabriel Soares de Souza, frei Vicente do Salvador e Ambrósio Fernandes Brandão114.

Por outro lado, o fim das prospecções pela costa induz ao estabelecimento de percursos menos distantes entre o Ocidente e os nativos do ponto de vista dos contatos. Lembramos da importância de Jerônimo de Albuquerque como preposto de Mascarenhas Homem nas obras de erguimento da fortaleza, considerando que, sendo mestiço – filho de Jerônimo de Albuquerque com a índia Maria do Arcoverde – o seu conhecimento sobre a língua e as peculiaridades indígenas lhe permitiram negociar e forjar laços com os Potiguara quando ainda resistiam. A permeabilidade dessas fronteiras culturais estaria mais presente,

pazes entre o projeto colonial ibérico e os índios descontentes. Mediação cultural que contribuiria, inclusive, para que o território colonial em construção cada vez mais se sobrepusesse aos territórios nativos: ao invés dos limites estabelecidos pela caça e pelas hostilidades entre os grupos indígenas, as fronteiras tendiam a se materializar em marcos da administração ibérica como a cidade, a fortaleza e a freguesia – referimo-nos à Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação, que tem seus primórdios ligados à conquista do litoral e fundação da Cidade do Natal. A ocidentalização promovida pelos povos ibéricos, em direção ao interior da capitania, seria obstruída pela ocupação holandesa do norte colonial, no contexto das rivalidades entre potências européias. Nessa nova etapa da ocidentalização, os holandeses firmariam alianças com os grupos indígenas do interior, possibilitando uma experiência que revelaria para os olhos europeus representações iconográficas e das práticas culturais da outra alteridade indígena. Nas próximas páginas nos debruçaremos sobre essa experiência dos neerlandeses junto com as populações nativas do sertão, na tentativa de visibilizar a construção de uma determinada imagem do índio e dos seus territórios.

Notas

1 Escrevendo a respeito da relação entre a destruição das torres gêmeas e os processos de mundialização, Jacques Le Goff nos lembra de que “Sendo os Estados Unidos a potência dominante da globalização atual, os atentados de 11 de setembro foram a resposta de grupos que se apresentam como os intérpretes de populações muçulmanas que entendem a globalização dominada pelos Estados Unidos como uma opressão”. O autor encara, assim, a atitude da Al Qaeda como uma resposta motivada por razões de ordem civilizacional e, principalmente, religiosa, já que a globalização levada a cabo pelos Estados Unidos acarreta “o maior dos males que pode sofrer uma sociedade: a recusa da tolerância” (LE GOFF, Jacques. Qual o impacto dos atentados sobre o processo de globalização? Veja, 26 dez. 2001, p. 158-60).

2 Estamos tomando civilização partindo da concepção discutida por BRAUDEL, Fernand. O espaço e a história

no Mediterrâneo, p. 105-51, para quem as civilizações são realidades de longuíssima duração e solidamente

enraizadas em seu espaço geográfico, constituindo-se em verdadeiros germes das futuras nações, entendendo esse processo como inscrito no âmbito da longa duração.

3 Luis Fernando Ayerbe classifica o atentado de 11 de setembro de 2001 – uma verdadeira invocação da religião como fonte inspiradora contra os Estados Unidos, símbolo máximo da ameaça à sobrevivência do modo de vida islâmico – como sendo parte do novo terrorismo, caracterizado por enorme número de vítimas fatais, alvos simbólicos, ataques suicidas e demora em assumir a autoria, não havendo um objetivo político preciso, do contrário, o engajamento em ações mortíferas feitas em nome de Deus e supostamente com sua bênção seriam a chave explicativa dos vários processos desencadeados. Diferentemente do velho terrorismo, onde grupos conhecidos como o Exército Republicano Irlandês (IRA), a Frente Popular para a Libertação da Palestina e as Brigadas Vermelhas não costumavam esconder o fato de praticarem atos de terror do restante da comunidade internacional (AYERBE, Luis Fernando. O Ocidente e o “resto”: A América Latina e o Caribe na cultura do Império, p. 40-1).

4 Os estudos pós-coloniais se constituem, conforme Sérgio Costa, em uma variedade de contribuições com orientações diversas, que têm como traço comum uma referência epistemológica crítica às concepções dominantes de modernidade, sobretudo as noções – e aplicações em pesquisas – de eurocentrismo, ocidentalização e globalização. O prefixo pós não indica apenas um depois na acepção cronológica do termo, mas, uma operação de ressignificação do campo discursivo: são pós-coloniais, portanto, relações que extrapolam os limites do colonialismo e remetem a situações de opressão diversas, definidas a partir de fronteiras de gênero, étnicas ou raciais (COSTA, Sérgio. Muito além da diferença: (im)possibilidades de uma teoria social pós- colonial. Cholonautas – Biblioteca Virtual, p. 1-28). Não é à toa que Orientalismo, de Edward Said, seja considerado um dos manifestos do pós-colonialismo. Aliás, os intelectuais que representam essa tendência, em sua maioria, são de origem oriental, a exemplo de Ranajit Guha, Homi Bhabha, Gayatri Spivak, Gyan Prakash, Achille Mbembe, Mani Lata, Ella Shohat, Arjun Appadurai e Partha Chatterjee (MACHADO, Igor José de Renó. O que é Pós-Colonialismo?, p. 5-6).

5 SAID, Edward. Entrevista concedida ao jornalista Carlos Graieb sobre os planos de George Bush com relação ao Oriente Médio. Veja, 25 jun. 2003. Verificar, para um melhor entendimento a respeito das práticas do Imperialismo e de sua relação com os diferentes padrões culturais envolvidos nas relações de dominação e subordinação, SAID, Edward. Cultura e imperialismo.

6 Essa demarcação de caráter bipartido é confirmada pela análise etimológica dos termos Oriente e Ocidente, na análise do sinólogo Mário Sproviero: “A palavra oriente vem do latim oriens, ‘o sol nascente’, de orior, orire, ‘surgir, tornar-se visível’, palavra da qual nos vem também ‘origem’. A palavra ocidente nos vem do latim

occidens, ‘o sol poente’, de occ-cidete, de op, ‘embaixo etc’, e cadere, ‘cair’. Seríamos induzidos a seguinte

analogia: da mesma maneira que o sol nasce no Oriente e morre no Ocidente, assim também a cultura nasce no Oriente e morre no Ocidente.” Para o autor, embora sejam incertas as origens dos termos Ásia e Europa, as evidências lingüísticas levam a crer que se tratem de sinônimos, respectivamente, de Oriente e Ocidente (SPROVIERO, Mário B. Oriente e Ocidente: demarcação, p. 2).

7 KNAUSS, Paulo. Imagem do espaço, imagem da história: a representação espacial da cidade do Rio de Janeiro.

8 A opinião de René Guenón acerca das diversas realidades orientais e a construção de determinas imagens sobre elas pelo Ocidente pode ser aprofundada em GUENÓN, René. Oriente y Occidente [ 1924 ].

9 SPROVIERO, Mário B. Op. cit., p. 3-5.

10 Dentre as críticas que foram feitas à obra de Edward Said podemos anotar a de Manuela Delgado Leão Ramos, num estudo sobre Antonio Feijó e Camilo Pessanha tendo por base a literatura, tida pela autora como um dos mais eficientes filtros de imagens, discursos e conceitos sobre o outro. Manuela Ramos considera a posição de Said como de acepção negativa em relação ao orientalismo, que ela considera não apenas como sendo baseado numa relação de dominação intelectual e política, mas, também, numa intenção de conhecimento e entendimento mútuos. Enfatiza, portanto, um orientalismo positivo, ao abordar obras de escritores portugueses como Wenceslau de Morais e Eça de Queiroz (RAMOS, Manuela Delgado Leão. Antonio Feijó e Camilo Pessanha

no panorama do orientalismo português. Lisboa: Fundação Oriente, 2001, apud TEÓFILO, Teresa. Identidade e reconhecimento: o outro chinês. Contributos para a o estudo da Comunidade Chinesa de

Portimão, p. 11-3).

11 Para Teresa Teófilo, “Há quem afirme que os portugueses criaram o primeiro orientalismo europeu a partir do século XVI. (...) as navegações marítimas portuguesas permitiram a construção de um império, não só territorial, geográfico, comercial, mas também cultural e imagético: o Oriente Português. Do contacto com culturas tão diferentes como a Índia ou a China, resultou uma construção da visão do Outro ao longo dos séculos.” (Id., p. 10).

12 SAID, Edward. Estruturas e reestruturas orientalistas. In: Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente, p. 121-205. O autor afirma, ainda, que quatro grandes correntes de pensamento determinam a presença do movimento de (re)estruturação do intelecto e das instituições orientais no século XVIII: a expansão geográfico-religiosa do Oriente; a capacidade de tratar historicamente com culturas não-européias e não judeu- cristãs; solidariedade na identificação seletiva com regiões e culturas; as classificações da humanidade por cristérios (cor, raça, origem, por exemplo) que não as de ordem religiosa.

13 COSTA, Sérgio. Muito além da diferença: (im)possibilidades de uma teoria social pós-colonial, p. 3-4. 14 TEÓFILO, Teresa. Op. cit., p. 9.

15 Sobre o imperialismo francês e inglês no século XIX e início do século XX, sobretudo suas conseqüências e desdobramentos na Primeira Grande Guerra, observar HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios – 1875-1914. 16 SAID, Edward. Op. cit., p. 13-39. As duas situações que citamos no início desse texto – a do 11 de Setembro e a da invasão do Iraque pelos Estados Unidos – partem, portanto, da experiência norte-americana de construção de determinadas idéias sobre o Ocidente e sobre o Oriente.

17 NEMO, Philippe. O que é o Ocidente?, p. 11.

18 Essa fusão é corroborada por SPROVIERO, Mário B. Op. cit., p. 3, que considera a cultura ocidental, surgida na Europa, como um grande sistema cultural, formado da síntese de três culturas: a grega, a romana e a judaica (na componente cristã), mais os elementos vindos dos povos germânicos.

19 NEMO, Philippe. Op. cit., p. 9-10.

20 Esses excertos, caracterizantes da abordagem etnocentrista e eurocentrista do autor, encontram-se em praticamente todos os capítulos da obra. Podemos dar destaque, para exemplo, dos seguintes: “ Nenhuma civilização não-ocidental parece ter desejado deliberadamente o progresso” (p. 45); “O atraso do islã, em termos de ciência, técnica e economia seria por causa da ‘opressão’ imposta pelas potências colonizadoras que, deliberadamente, teriam ‘bloqueado’ seu desenvolvimento” (p. 81); “Houve uma ciência indiana, chinesa, japonesa, árabe; no entanto, a ausência de verdadeira liberdade crítica acabou-lhes sendo fatal. É ponto pacífico que esses embriões de ciência jamais conseguiram provocar a espécie de ‘precipitado químico’ do progresso científico observada no Ocidente a partir da Era Moderna, ou seja, do momento em que foram instaladas as instituições de liberdade (...)” (p. 89); “Podemos realmente duvidar de que a democracia – pelo menos, na forma como a conhecemos – venha a enraizar-se onde não existe esse húmus intelectual e moral, ou seja, na maior parte das civilizações não-ocidentais” (p. 96). E, para finalizar, em tom aterrador, Philippe Nemo apregoa que “O

Ocidente foi colonizador por ter sido tecnológica e economicamente superior, graças ao processo de morfogênse cultural, já descrito (...). Na colonização, não houve nenhuma ‘maldade’ ou, de forma mais exata, não foi cometido nenhum exagero diferente do que possa ter ocorrido em todos e em cada um dos fenômenos anteriores