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1 CAPÍTULO – RISCOS E TECNOLOGIAS DE RECICLAGEM DE RESÍDUOS DE EQUIPAMENTOS ELETROELETRÔNICOS

1.1 Riscos ao meio ambiente e à saúde pública

Para discutir a periculosidade dos resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (REEE) vamos utilizar a norma brasileira NBR 10.004 (de 2004) da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que classifica os resíduos sólidos quanto aos seus riscos potenciais ao meio ambiente e à saúde pública para que possam ser gerenciados adequadamente.

A classificação de resíduos envolve a identificação do processo ou atividade que lhe deu origem e de seus constituintes e características, e a comparação destes constituintes com listagens de resíduos e substâncias cujo impacto à saúde e ao meio ambiente é conhecido.

Os resíduos são classificados em: (a) resíduos classe I – perigosos; e, (b) resíduos classe II – não perigosos (resíduos classe II A – não inertes; e, resíduos classe II B – inertes). Os resíduos de classe I (perigosos) são os que requerem maior atenção por parte dos administradores locais, uma vez que os acidentes mais graves e de maior impacto ambiental são causados por esta classe de resíduos. Estes podem ser acondicionados e armazenados temporariamente, incinerados, ou dispostos em aterros sanitários especialmente desenhados para receber resíduos perigosos. São considerados perigosos por apresentarem certas características de periculosidade, tais como: inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade e patogenicidade (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2004).

Somando-se a esta categorização estabelecida em 2004 pela ABNT, foi publicada, recentemente no Brasil, a norma NBR 16.156 (de 2013)33 que versa especificamente sobre a gestão eficiente de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos por meio da manufatura reversa (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2013). Esta norma

33 Esta norma tem como bases normativas: ABNT NBR ISO 14.001, ABNT NBR ISO 9.000, ABNT ISO 10.004 e ABNT NBR 18.801.

define os requisitos para a gestão ambientalmente adequada dos REEE por meio da gestão dos riscos à saúde e à segurança do trabalhador, a rastreabilidade dos resíduos eletroeletrônicos, a descaracterização dos dados do usuário e a proteção da marca do fabricante, conferindo uma nova dimensão à cadeia produtiva ao regulamentar o ciclo reverso destes resíduos.

Genericamente, os Equipamentos Elétricos e Eletrônicos, ou EEE, incluem todos os:

Equipamentos dependentes de corrente elétrica ou de campos eletromagnéticos para funcionarem corretamente, bem como os equipamentos para geração, transferência e medição dessas correntes e campos, e concebidos para utilização com uma tensão nominal não superior a 1.000V para corrente alternada e 1.500V para corrente contínua. (PARLAMENTO..., art. 3º., 2012, p. 45).

Por isso, constituem Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos, ou REEE, “os equipamentos elétricos e eletrônicos, incluindo todos os componentes, subconjuntos e materiais consumíveis que fazem parte integrante do produto, no momento em que este é descartado” (PARLAMENTO..., art. 3º., 2012, p. 45). Portanto, estes materiais se tornam resíduo a partir do momento em que não têm mais utilidade em sua forma original por apresentarem defeitos de fabricação, pararem de funcionar ou por se tornarem obsoletos frente à tecnologia (WIDMER et al., 2005).

A União Europeia, na Diretiva WEEE (Waste of Electrical and Electronic Equipment) de 2012 (PARLAMENTO..., 2012, p. 45), categorizou os EEE em dez categorias que abrangem desde grandes e pequenos eletrodomésticos, equipamentos de informática e telecomunicações, como também outros equipamentos elétricos e eletrônicos, tais como os equipamentos de consumo, painéis fotovoltaicos, equipamentos de iluminação, ferramentas elétricas, brinquedos, equipamentos médicos, instrumentos de monitoramento e controle e os distribuidores automáticos de bebidas e alimentos.

Esta categorização é ampla e detalhada, e possui ainda uma categoria genérica para outros equipamentos (que se enquadrem nos requisitos de elétrico e/ou eletrônico) que não tenham sido mencionados nas demais categorias.

Os elaboradores destas categorias da Diretiva WEEE tiveram como pretensão abranger o maior número e tipos de equipamentos elétricos e eletrônicos possíveis a fim de que a norma de disposição final e reciclagem não ficasse em falta a nenhum tipo de equipamento, mesmo que este não estivesse diretamente mencionado em uma das categorias preestabelecidas. Essas categorias seguem listadas e exemplificadas no Quadro 1.1.

Quadro 1.1: Categorias de equipamentos eletroeletrônicos abrangidas pela Diretiva WEEE.

CATEGORIAS EQUIPAMENTOS

(1) Grandes eletrodomésticos

Grandes aparelhos de arrefecimento; frigoríficos; congeladores; outros grandes aparelhos utilizados na refrigeração, conservação e armazenamento de alimentos; máquinas de lavar roupa; secadores de roupa; máquinas de lavar louça; fogões; fornos elétricos; placas de fogão elétricas; microondas; outros grandes aparelhos utilizados para cozinhar ou transformar os alimentos; aparelhos de aquecimento elétricos; radiadores elétricos; outros aparelhos de grandes dimensões para aquecimento de casas, camas, mobiliário para sentar; ventoinhas elétricas; aparelhos de ar condicionado. (2) Pequenos

eletrodomésticos

Aspiradores; aparelhos de limpeza de alcatifas; outros aparelhos de limpeza; aparelhos utilizados na costura, tricô, tecelagem e outras formas de transformar os têxteis; ferros de engomar e outros aparelhos para engomar, calandrar e tratar o vestuário; torradeiras; fritadeiras; moinhos, máquinas de café e aparelhos para abrir ou fechar recipientes ou embalagens; facas elétricas; aparelhos para cortar o cabelo, secadores de cabelo, escovas de dentes elétricas, máquinas de barbear, aparelhos de massagem e outros aparelhos para o cuidado do corpo; relógios de sala, relógios de pulso e aparelhos para medir, indicar ou registar o tempo.

(3) Equipamentos informáticos e de telecomunicações

Processamento centralizado de dados: macrocomputadores (mainframes); minicomputadores; unidades de impressão; equipamentos informáticos pessoais; computadores pessoais (cpu, mouse, ecrã e teclado incluídos); computadores portáteis “laptop” (cpu, mouse, ecrã e teclado incluídos); computadores portáteis “notebook”; computadores portáteis “notepad”; impressoras; copiadoras; máquinas de escrever elétricas e eletrônicas; calculadoras de bolso e de secretária; e outros produtos ou equipamentos para recolher, armazenar, tratar, apresentar ou comunicar informações por via eletrônica; sistemas e terminais de utilizador; telecopiadoras (fax); telex; telefones; postos telefônicos públicos; telefones sem fios; telefones celulares; atendedores automáticos; e outros produtos ou equipamentos para transmitir som, imagens ou outras informações por telecomunicação. (4) Equipamentos de

consumo e painéis fotovoltaicos

Aparelhos de rádio; aparelhos de televisão; câmeras de vídeo; gravadores de vídeo; gravadores de alta-fidelidade; amplificadores áudio; instrumentos musicais; e outros produtos ou equipamentos para gravar ou reproduzir o som ou a imagem, incluindo sinais ou outras tecnologias de distribuição do som e da imagem por outra via que não a telecomunicação; painéis fotovoltaicos.

(5) Equipamentos de iluminação

Aparelhos de iluminação para lâmpadas fluorescentes (com exceção dos aparelhos de iluminação domésticos); lâmpadas fluorescentes clássicas; lâmpadas fluorescentes compactas; lâmpadas de descarga de alta intensidade, incluindo lâmpadas de sódio sob pressão e lâmpadas de haletos metálicos; lâmpadas de sódio de baixa pressão; outros equipamentos de iluminação ou equipamento destinado a difundir ou controlar a luz (com exceção das lâmpadas de incandescência).

(6) Ferramentas elétricas e eletrônicas (com exceção de ferramentas industriais fixas de grandes dimensões)

Berbequins; serras; máquinas de costura; equipamento para tornear, fresar, lixar, triturar, serrar, cortar, tosar, brocar, fazer furos, puncionar, dobrar, encurvar, ou para processos similares de tratamento de madeira, metal e outros materiais; ferramentas para rebitar, pregar ou parafusar ou remover rebites, pregos ou parafusos, ou para usos semelhantes; ferramentas para soldar ou usos semelhantes; ferramentas para cortar relva ou para outras atividades de jardinagem.

Quadro 1.1 – Continuação...

CATEGORIA EQUIPAMENTOS

(7) Brinquedos e equipamento de desporto e lazer

Conjuntos de comboios elétricos ou de pistas de carros de corrida; consoles de jogos de vídeo portáteis; jogos de vídeo; computadores para ciclismo, mergulho, corrida, remo, etc.; equipamento desportivo com componentes elétricos ou eletrônicos; caça-níqueis.

(8) Aparelhos médicos (com exceção de todos

os produtos implantados

Equipamentos de radioterapia; equipamentos de cardiologia; equipamentos de diálise; ventiladores pulmonares; equipamentos de medicina nuclear; equipamentos de laboratório para diagnóstico in vitro; analisadores; congeladores; testes de fertilização.

(9) Instrumentos de monitoramento e

controle

Detetores de fumo; reguladores de aquecimento; termostatos; aparelhos de medição, pesagem ou regulação para uso doméstico ou como equipamento laboratorial; outros instrumentos de controle e comando utilizados em instalações industriais (por exemplo, em painéis de comando).

(10) Distribuidores automáticos

Distribuidores automáticos de bebidas quentes; distribuidores automáticos de garrafas ou latas quentes ou frias; distribuidores automáticos de produtos sólidos; distribuidores automáticos de dinheiro; todos os aparelhos que forneçam automaticamente todo o tipo de produtos.

(11) Outros Outras categorias não consideradas anteriormente.

Fonte: Parlamento... (2012, p. 53).

A composição geral dos REEE apresenta mais de mil substâncias diferentes dentre compostos tóxicos, metais nobres e metais pesados (tais como mercúrio, chumbo, arsênio, cádmio, selênio, cromo hexavalente) e retardantes de chama à base de brominatos (que quando queimados emitem dioxinas34), e é listada, com suas respectivas porcentagens, na Figura 1.1 (WIDMER et al., 2005).

34 Dioxina é o nome genérico para certos compostos de cloro orgânico. Existem cerca de 210 tipos diferentes, sendo a substância mais tóxica já criada pelo ser humano. Foi muito utilizada como arma química na guerra do Vietnã, quando os americanos usaram o “desfolhante laranja”. A dioxina pode gerar doenças no sistema imunológico, câncer e tetragenia (doença que causa má formação do feto como, por exemplo, ausência de lábios, nariz e cérebro). Pode ser encontrada na queima de alguns tipos de plástico, como o PVC, além de ser utilizado em larga escala na produção de papel branco, para o clareamento da celulose (ESAB, 2013).

Figura 1.1: Composição geral dos resíduos de equipamentos eletroeletrônicos.

Fonte: Elaboração própria a partir de Widmer et al. (2005, p. 445).

Os materiais encontrados em maior quantidade nos REEE são os metais ferrosos, como o ferro e o aço, que compõem, em média, 48% desses equipamentos. Em seguida, está o plástico que compõe cerca de 26% do material. O cobre e o vidro estão em 7% e 5,4%, respectivamente, dos REEE. São encontrados também, porém em menor quantidade, materiais como: alumínio, madeira, concreto e cerâmica, borracha e placas de circuitos impressos. Esses componentes representam a fração visível da sucata eletrônica, que quando manipulados liberam uma série de substâncias químicas tóxicas ao ser humano e ao meio ambiente.

Por isso, se manipulados sem equipamentos de proteção individual, armazenados em locais inadequados (galpões sem licenciamento ambiental) ou descartados a céu aberto no meio ambiente, onde entram em contato direto com o solo, animais e seres humanos, os REEE liberam diversas substâncias tóxicas, conforme detalhado no Quadro 1.2. Placas de

circuitos impressos, por exemplo, podem liberar desde substâncias mais conhecidas como o chumbo, o antimônio e o cádmio, até mercúrio e dioxinas liberadas pelos retardantes de chamas bromados.

Quadro 1.2: Substâncias tóxicas encontradas em componentes de equipamentos

eletroeletrônicos.

COMPONENTES APLICAÇÕES SUBSTÂNCIAS TÓXICAS

Placas de circuito impresso Utilizadas em quase todos os EEE, desde geladeiras até computadores

Chumbo (Pb) e antimônio (Sb) em ligas, cádmio (Cd) em

contatos e interruptores, mercúrio (Hg) em interruptores e relés, retardantes de chama bromados (plásticos)

Baterias EEE portáteis (computadores, celulares, iPods, iPads)

Níquel e Cd em baterias Ni-Cd, Pb em baterias chumbo-ácidas, mercúrio em baterias de Hg Componentes contendo

mercúrio

Termostatos, sensores, relés, interruptores, lâmpadas,

equipamentos médicos, celulares

Mercúrio (Hg)

Tubos de raios catódicos TVs antigas, monitores antigos, osciloscópio

Pb, Sb, Cd no vidro

Cabos, cordões e fios Diversos Cd, cobre (Cu), plástico, PVC (cloreto de polivinil), retardantes de chama bromados

Visor de cristal líquido (LCD)

Diversos Cerca de 20 substâncias distintas Circuitos de refrigeração Aparelhos de ar condicionado,

freezers, geladeiras

Clorofluorcarbonos (CFCs) Cartuchos de tinta e toner Impressoras, aparelhos de fax,

copiadoras

Toner e poeira de carbono Revestimentos de aço e

ferro, explosivos

Diversos Zinco Painéis de vidro e juntas de

monitores, solda nas placas de circuito impresso

Diversos Pb

Fonte: Elaboração própria baseada em SEPA (2011); Gouveia, Maleronka e Kuno (2014); Furtado

(2004); Babu, Parande e Basha (2007).

Em contato com a pele humana, seja pela manipulação de componentes de REEE ou pela inalação de fumaça destes resíduos, essas substâncias são potencialmente prejudiciais à saúde e podem vir a causar uma variedade de distúrbios no organismo humano, conforme descrito no Quadro 1.3.

Quadro 1.3: Efeitos das substâncias tóxicas, presentes nos resíduos eletroeletrônicos, na

saúde humana.

SUBSTÂNCIA VIAS DE CONTAMINAÇÃO EFEITOS

Antimônio Manipulação; inalação. Irritação do trato respiratório e cancerígeno.

Berílio Manipulação; inalação. Neoplasia maligna dos brônquios e do pulmão; conjuntivite; dermatite de contato.

Bromo Manipulação; inalação. Laringotraqueíte aguda; enfisema; estomatite ulcerativa; dermatite de contato.

Cádmio Manuseio; inalação e ingestão de alimento e água contaminada.

Dermatite; transtornos do nervo

olfatório; disfunção renal; gastroenterite e colite tóxica; neoplasia maligna dos brônquios e do pulmão.

Chumbo Ingestão de alimento e água contaminada, inalação e manuseio.

Disfunção renal, anemia, alterações no sistema nervoso e reprodutivo, alterações no fígado e aumento da pressão.

Cristal líquido Manipulação. Dermatites. Cromo Ingestão de alimento e água

contaminada, inalação e manipulação.

Asma; rinites alérgicas; ulceração ou necrose do septo nasal; dermatites alérgica de contato; osteonecrose; polineuropatia.

CFCs Liberação no meio ambiente. Destrói a camada de ozônio, causando efeitos indiretos ao ser humano. Fósforo Ingestão de alimento e água

contaminada, inalação e manipulação.

Arritmias cardíacas; dermatites alérgica de contato; osteonecrose; polineuropatia; intoxicação aguda.

Hidrocarbonetos Ingestão de alimento e água contaminada, inalação e manipulação.

Angiossarcoma do fígado; púrpura hemorrágica; hipotireoidismo; acrocianose; depressão; encefalopatia tóxica aguda.

Mercúrio Ingestão de alimentos, como peixes e crustáceos contaminados,

inalação e manuseio.

Lesões renais; alterações neurológicas; alterações no sistema digestivo; depressão.

Níquel Manipulação; ingestão de água e alimentos contaminados; inalação.

Alteração de células sanguíneas, alterações renais e comprometimento pulmonar.

Poeira de carbono e toner

Inalação. Comprometimento pulmonar.

PVC Manipulação; inalação. Alterações no aparelho reprodutivo e no sistema linfático; ação teratogênica e carcinogênica; inalação de dioxinas e furanos decorrentes da incineração. Retardantes de

chama bromados

Manipulação; inalação. Efeitos neurológicos; alterações no sistema endócrino e imunológico.

Fonte: Elaboração própria baseada em SEPA (2011); Gouveia, Maleronka e Kuno (2014); Augusto

A partir dos anos 2000, a conceituação de produtos eletrônicos pós-consumo, que os considerava inerentemente resíduos, começou a ser questionada. Por exemplo, Kahhat e Williams (200935, p. 6010) questionaram se os PCs em fim de vida exportados dos EUA para o Peru deveriam ser entendidos como resíduos ou como produtos, visto que a maior parte desses eletrônicos entrou no mercado de reuso do Peru, e não na cadeia de reciclagem. Além disso, esses autores descobriram que devido a “condições puramente econômicas” as placas de circuito impresso foram exportadas do Peru para os países europeus, que possuem legislações e padrões ambientais próprios para a recuperação ambientalmente adequada de metais preciosos. Para Kahhat e Williams (2009), esta situação contraria as proposições generalistas da hipótese sobre a existência de paraísos de poluição no Terceiro Mundo.

Entretanto, Lepawsky e McNabb (2010) argumentam que a própria existência de redes de comércio e de tráfego de REEE significa que alguma forma de valor deve existir ou pode ser criado após o descarte ocorrer. Tal quadro é bastante diferente do enredo sobre o tipo de reciclagem dominante na África e na Ásia descrito por ONGs (organizações não- governamentais) ambientalistas (por exemplo, Toxic Link India (2003); BASEL ACTION NETWORK (2005); Greenpeace (WWF, 2008)).

Lepawsky e Billah (2011) documentaram o movimento de matérias-primas provenientes de resíduos eletroeletrônicos que servem como insumo no ciclo de produção do setor eletrônico e também em uma ampla gama de outros setores (por exemplo, brinquedos, joias, utensílios domésticos, hardware e artigos diversos). O fenômeno dos mercados de segunda-mão abrange a revalorização dos mais diversos materiais, desde roupas e outros produtos do setor têxtil, até móveis, eletrodomésticos e também os componentes da indústria eletrônica.

O StEP E-waste WorldMap (órgão da ONU que estuda e mapeia questões ligadas à cadeia de reciclagem de resíduos eletroeletrônicos no mundo) em coleta de dados relativos ao ano de 2012, indicou que os países que colocaram mais equipamentos eletroeletrônicos novos no mercado em 2012, em quilotoneladas, foram, respectivamente: China (11.054 kt),

35

O estudo de Kahhat e Williams (2009) utilizou como pilares empíricos a análise de dados do governo do Peru sobre o comércio de computadores novos e usados (entre os anos de 2003 e 2007) e entrevistas de vendedores de computadores, recondicionadores e recicladores. Constaram que os Estados Unidos são a principal fonte de PCs usados importados para o Peru, e que 87-88% dos computadores usados importados tinham preço mais elevado do que o valor de reciclagem de seus materiais constituintes. Neste caso, concluíram que o comércio oficial de computadores em fim de vida no Peru é impulsionado pela reutilização em oposição à reciclagem. Além disso, distinta da reciclagem informal na China e na Índia, as placas de circuito impresso geralmente não são recicladas internamente (no Peru), mas exportadas para a Europa para a reciclagem avançada, ou para a China para (presumivelmente) a reciclagem informal. É notável que as considerações de ordem puramente econômica levem as placas de circuito à exportação para a Europa, onde as normas ambientais são rigorosas, e presumivelmente devido a uma maior recuperação de metais preciosos.

EUA (9.965 kt), Índia (4.362 kt) e Japão (3.335 kt). O Brasil, país de economia em desenvolvimento, ficou na sétima posição dentre os países que colocaram mais equipamentos eletrônicos novos no mercado, com 2.069 kt. O montante de equipamentos produzidos no mundo possibilita que se tenha uma ideia do tamanho do problema existente para a cadeia de reciclagem de eletroeletrônicos na gestão dos fluxos de descarte destes equipamentos pós- consumo.

Os dados de geração de REEE dimensionam de maneira direta esse universo. A Figura 1.2 apresenta o ranking dos países que mais geraram resíduos eletroeletrônicos em 2012 – Estados Unidos (9.359 kt) e China (7.253 kt) são os maiores geradores desses resíduos. O Brasil se mantem na sétima posição.

Figura 1.2: Ranking mundial de geração de resíduos eletroeletrônicos (em quilotoneladas).

Fonte: Elaboração própria baseada em dados coletados em StEP (2012).

As consequências do descarte desses resíduos em locais inadequados vão desde a contaminação do solo do local, dos alimentos cultivados na região do local afetado, assim como a contaminação de lençóis freáticos, o que pode estender os malefícios das substâncias tóxicas e metais pesados presentes nos REEE no meio ambiente ao ser humano.

Esta exposição pode ocorrer via ingestão de água ou alimentos contaminados com essas substâncias, por exposição à poeira e à fumaça tóxica (devido à queima de REEE nos locais de despejo irregular) ou pelo contato direto no manuseio dessa sucata quando do desmonte sem equipamentos de proteção individual.

O caminho informal da economia é seguido pelo setor de reciclagem de resíduos eletroeletrônicos em diversos países em desenvolvimento, pois ainda não se sujeitam às regulações internacionais e prosseguem com a utilização de processos e métodos rudimentares de reciclagem, sem controle das emissões de gases tóxicos, nem tampouco dos poluentes infiltrados no solo e na água, ou dos trabalhadores contaminados nestes processos (BASEL ACTION NETWORK, 2005). A Nigéria é um destes países, com uma regulação ambiental nascente com apenas uma lei nacional, a Política Nacional de Meio Ambiente (em vigor desde 2011), que rege toda a gestão de resíduos sólidos urbanos (inclusive os eletroeletrônicos) (STEP, 2012).

Camuflados por declarações oficiais de conterem equipamentos para reuso, mais de 500 navios por mês transportam material eletrônico em direção à Nigéria e Gana. A Basel Action Network (2005) afirma que 75% desse material que chega ao porto de Lagos, na Nigéria, são lixo – não são comercializáveis, quer devido à falta de funcionalidades, ou devido ao fato de sua reparação não ser economicamente viável.

O Porto de Apapa na capital da Nigéria, Lagos, é o local de entrada dos carregamentos de resíduos eletroeletrônicos que chegam ao país. Situada na parte sul do país (localização ilustrada na Figura 1.3), a capital Lagos é permeada de lixões e aterros irregulares para onde são enviados os restos de materiais que passaram por triagem e foram separados para reciclagem, conserto ou revenda da montagem de equipamentos para reuso que abastecem os armazéns de Ijeshu e Ibru, em Westminster (região de Lagos) e mercados locais de venda de equipamentos para reuso — são eles: Ikeja Computer Village, Alaba International Market, Oshodi Market e Lawanson Market (BASEL ACTION NETWORK, 2005, p. 9-12).

O processo de reciclagem que ocorre em Lagos é simples, por meio de desmantelamento manual dos materiais, ou seja, no caso de tubos de raios catódicos é feita a quebra manual dos tubos, por exemplo, para a extração do cobre presente neles. Após este processo, o trabalhador vende o cobre extraído a uma fundição. O resto do material, que não tem serventia para reuso nem revenda, é depositado em armazéns ou levado a lixões de resíduos eletrônicos nas proximidades da capital, tais como Olusosun (em Oregun), Oke-Odo (em Abule-egba) e Esolo (em Isolo-Lagos) (BASEL ACTION NETWORK, 2005, p. 15).

Figura 1.3: Mapa da Nigéria (à esquerda) e armazém com computadores usados perto do

Porto de Apapa, em Lagos (à direita).

Fonte: Compilação própria a partir de Basel Action Network (2005, p. 10-12).

A Figura 1.4 ilustra em quatro imagens a rotina da cidade, capital nigeriana e principal destino de REEE no continente africano: em (1) e (2) há vendedores vendendo monitores, televisões e placas de circuitos retiradas de diversos equipamentos a fim de serem utilizadas na reposição de algum equipamento que tenha conserto (a maioria dos equipamentos e das peças não funciona mais); em (3) vê-se uma criança coletando restos de lixo eletrônico em um pântano (feito de local irregular de despejo) para tentar revender em um dos mercados locais;