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CAPÍTULO 4 – Do púlpito para a bancada: a voz da ortodoxia dirigida

4.1. Ritos iniciais da missa

Das pregações ouvidas e transcritas nesta pesquisa, observamos que há um dado comum na maioria que é a abertura constar sempre de uma acolhida, saudando os presentes. Como a celebração litúrgica é uma cerimônia da Igreja oficial, seguem-se, dessa forma, alguns ritos protocolares, próprios desse gênero, de modo que, conforme os ditames de qualquer cerimonial, religioso ou não, a saudação das autoridades obedece à ordem decrescente, ou seja, menciona-se a maior autoridade e prossegue-se até a menor. Nas missas presenciadas por nós, durante a pesquisa, observamos que muitos celebrantes não seguem esse ritual à risca. Durante as celebrações do dia 20, por exemplo, foi verificável, em quase todas as missas, a presença do prefeito da cidade, de forma que um determinado celebrante assim se pronunciou:

“Amados romeiros e romeiras, vindo de diversos estados e cidades do Nordeste brasileiro, querido povo do Juazeiro, autoridades dessa cidade em festa pelo seu primeiro centenário de emancipação política; prezados sacerdotes, diáconos, amigos telespectadores e radiouvintes”.

(Pregação nº 10. Proferida em 20/07/2011).

Conforme vamos observando no discurso acima, há uma inversão proposital na ordem das autoridades, como se o locutor supervalorizasse a presença do romeiro, ainda que numa missa onde Estado e Igreja se coadunem no ensejo do centenário da cidade, dessa feita, a saudação nesse contexto, passa a adquirir um teor de acolhida, própria das celebrações religiosas. O romeiro é assim, afinal, o protagonizador da razão de ser do Juazeiro.

Em outra pregação, porém, o sacerdote já saúda os presentes de outra forma: “Queridos sacerdotes aqui presentes, irmãos e irmãs, queridos romeiros do padre Cícero e da Mãe das Dores, louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!” (Pregação nº 05. Proferida em 20/09/2011). Nessa acolhida, nota-se que os romeiros já se posicionam em outro grau hierárquico em relação às autoridades eclesiais presentes. No entanto, só o fato de serem citados sinaliza a inserção desses sujeitos no referido evento religioso.

Ainda insistindo nessa primeira parte da missa, há outra saudação a ser considerada. Vejamos:

Querido povo de Deus de Juazeiro do Norte, queridos paroquianos de Nossa Senhora das Dores, queridos irmãos no sacerdócio, padre João Claudio, demais sacerdotes e telespectadores. Povo de Deus, romeiro, romeiras, devotos do padre Cícero e da Mãe das Dores. [...].

(Pregação nº 04. Proferida em 20/10/2012).

Nessa pregação, a despeito da acolhida e da hierarquia já citada, tem-se um dado novo de relevante observação. Seria a distinção clara entre romeiros e devotos do padre Cícero. Esse aspecto já foi mencionado no capítulo anterior, mas vale aqui retomar um dado que em Juazeiro, devotos são, por assim dizer, todos que acreditam e seguem os ensinamentos do padre Cícero, enquanto que o termo romeiros já se refere aos devotos que vêm em peregrinação para Juazeiro. Daí a distinção feita pelo sacerdote. Outro ponto destacável é o termo: “queridos” que de adjetivo se constitui um usual pronome

de tratamento referente ao romeiro, ou seja, na maioria dos discursos, os celebrantes presentes fazem uso desse recurso. O que também pode ser considerado como uma forma de acolhida ou até mesmo um mero termo com simples função fática.

É ainda nessa entrada que o celebrante saúda os padres presentes, no caso, o padre João Claudio, representando os padres denominados padres romeiros; são os que vêm ao Juazeiro à frente das caravanas. Muitas vezes, em tempo de romaria, são esses padres que ajudam nas celebrações das missas, desafogando os demais, por conta da demanda existente nesse tempo.

Segundo o padre Joaquim, atual pároco da Igreja do Socorro, durante as romarias tem-se um calendário das missas com os respectivos padres diocesanos, no entanto, sempre é deixado um espaço para os padres que vêm nas caravanas celebrarem. Esses fazem questão de participarem das celebrações. Também nas cartas analisadas, os romeiros fazem menção a esses padres que instigam as romarias e solicitam que quem não pode ir, escreva cartas para o padre Cícero. Essas caravanas, na maioria das vezes, trazem faixas que ficam expostas pelos mesmos durante toda a celebração. Num desses momentos, o celebrante chega até ler os dizeres das referidas faixas como forma de acolher tais visitantes.

Essas são as primeiras brechas concedidas pelo rito oficial litúrgico para estabelecer e manter elos com a bancada dos fiéis. No decorrer da celebração, surgirão outros ínfimos espaços laicais, mas de grande relevância na análise dos dados desta pesquisa ao se propor investigar a relação entre altar e povo mediados pelo culto religioso católico.

Ainda nessa parte introdutória, vem-se o denominado “Ato Penitencial”, instante de confissão coletiva mediada por pedido de perdão e concluída com a absolvição dada pelo sacerdote. É um momento de interiorização pessoal, ainda que muito breve, chegando ao ponto de mecanizar-se, uma vez, que o espaço de tempo é bastante ínfimo para se pensar nos pecados, sentir-se arrependido, bem como firmar propostas de mudanças.

Também, logo a seguir, introduz-se outra etapa que é “o Glória” em que se glorifica a Deus por ter atendido na anterior súplica de ser perdoado. Conclamada com a voz do sacerdote que diz: “na certeza de sermos perdoados... entoemos o cântico de

Glória”, toda a assembleia entoa o referido canto com palmas e alegria. Segundo o Missal Romano, o Glória é um hino bastante antigo pelo qual a Igreja glorifica e faz súplicas a Deus Pai. Quando não é cantado, é recitado por todos, juntos ou alternadamente. É nesse momento, também, que os romeiros levantam os chapéus e passam a seguir o canto, repetindo os refrãos.

Desconfiamos de que esse momento do Glória pode atenuar ou até relativizar o anterior, de modo que aquele pecado já não mais incomoda em favor da confiança da misericórdia divina. Talvez isso se justifique também, porque nas cartas analisadas quase não detectamos esse discurso penitencial, conforme já afirmamos no capítulo anterior. Não é verificável uma inquietação na infração dos preceitos católicos, por isso esse tipo de rogo ao padre Cícero, quase não foi identificado.

Outro momento do exórdio é a coleta, a verdadeira súplica a Deus em que o sacerdote convoca toda a assembleia a expor interiormente os seus pedidos, citando somente os nomes das missas encomendadas em ação de graças ou para os fiéis defuntos. É um breve momento de silêncio, muitas vezes interrompido por alguns pedidos feitos em voz alta que geralmente discorre sobre alguma intenção de interesse da própria Igreja. Os pedidos da bancada propriamente dita não são assim enfatizados, Esses últimos são previamente depositados em um cesto pelos próprios devotos e romeiros. Observamos, entretanto, que em nenhum momento da missa esses pedidos do cesto são retomados. Geralmente ficam à parte como se nada os vinculassem à celebração comunitária.

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