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O promotor agora quer saber se na frase “[ ] who sweetened the snatches of a million

2.2.2 On the Road

A trama da obra mais famosa da geração beat se inicia com a frase “Eu primeiro conheci Neal não muito depois de meu pai morrer...126” (KEROUAC, 2008, p. 109)127. Um número de questões centrais ao livro já estão postas nesse início. Primeiro, a narração é em primeira pessoa. Há um personagem chamado Neal (Cassady) que será um tema central para a prosa e que divide nome com uma pessoa real na qual o personagem é baseado. E, há uma ausência, a figura paterna. As duas primeiras questões são atadas quando entendemos que o

125 O artigo “After me, the deluge”, publicado post-mortem no Los Angeles Times em Outubro de 1969 e disponível para essa pesquisa a partir da fonte < http://www.pdf-archive.com/2011/10/16/afterme-thedeluge/> é a principal referência para a dissociação de Kerouac com os movimentos sociais dos anos 1960.

126KEROUAC, 2008, p. 109 “I first met Neal not long after my father died...”

127 Todas as citações de On the Road utilizadas nessa seção correspondem a traduções livres nossas a partir do manuscrito original publicado pela Penguin Classics em 2008.

narrador divide também o nome do autor do livro Jack Kerouac. Este é o primeiro passo do estabelecimento da mitologia beat. “O autor é o narrador; então, tudo que ele está dizendo é real?”

Já dissemos que uma narrativa por princípio é aquilo que o leitor nunca confunde com o que ela não é, ou seja, a realidade. A percepção individual dificilmente constitui a realidade e a contação dela através da linguagem muito menos. Mas os princípios de honestidade e simplicidade empregados por Kerouac em sua obra causam confusão e fazem a narrativa iludir ser o que, de fato, não é. Mas, como também dissemos acima, a narrativa vai além disso. E esse estilo terá outras repercussões na forma e no conteúdo do texto, como veremos em seguida.

On the Road é dividido em cinco livros. O livro I se inicia com a frase citada acima e

reconta a primeira viagem de Kerouac pela América. Ele sai de Nova York com o intuito de seguir em uma linha reta até a Califórnia, onde seu amigo Henri Cru lhe garantiu um emprego na marinha mercante. Logo de início ele percebe que a viagem naquela linha reta não será possível e é forçado a zigue-zaguear através do país, cumprindo pequenas distâncias nas caronas que pega na estrada. A narrativa também segue esse princípio vagueante e se demonstra disposta a sair do curso, adiantar-se, dar meia volta, fazer desvios, tomar atalhos e seguir em frente para discutir detalhes, fazer descrições ou contar estórias que aparentemente não se ligam à narrativa principal.

Ora, como dissemos, o romance é em primeira pessoa e o narrador é um certo Jack Kerouac. Estamos ligados à sua percepção das coisas e somos cientes de seus pensamentos internos tal qual ele nos relata. Mas, sabemos, como nos conta James Wood em Como

funciona a ficção (WOOD, 2012, p. 17-19), o narrador moderno já é pouco confiável. Além

do que, o estilo de narração é completamente informal e ocorre como uma conversa. De modo que Jack dá suas impressões em retrospectiva e já avaliando sua experiência à luz do que ocorreu depois. A cronologia segue certa linearidade, no sentido de que cada um dos livros reportará eventos que ocorreram na ordem em que eles estão dispostos, porém a narrativa se permite fazer pequenos desvios e comentários que tanto levam o leitor brevemente a entrever coisas que acontecerão cronologicamente mais à frente como eventos que já ocorreram. Ademais, a narrativa de Kerouac é, por muitas vezes, enriquecida por relatos que ele, como narrador em primeira pessoa, jamais poderia saber. Notavelmente, na longa passagem em que ele relata as explorações de Allen Ginsberg, Neal Cassady e William Burroughs no Texas e de volta a Nova York, enquanto ele ainda se encontrava na estrada e se desencontrara dos demais. A longa passagem termina com “Naquela noite que Bill Burroughs finalmente achou

um apartamento era a tarde californiana em que eu deixei Selma128” (KEROUAC, 2008, p. 205). Somos dados a entender que Kerouac soube disso através de relatos de seus companheiros de viagens. Porém, o efeito que isso tem na narração presente é de um breve relance de visão através da América que conecta os personagens soltos ao redor do país. Em outro exemplo, de sua viagem final ao México, já no livro IV, “Nós passamos Walsenburg; subitamente passamos Trinidad onde Hal Chase estava em algum lugar na beira da estrada em frente a uma fogueira com Ginger e talvez um punhado de antropólogos e como dantes ele também contava sua estória de vida129” (KEROUAC, 2008, p. 371). Ainda outro exemplo, no livro II, “Desejávamos estar de volta em Nova Orleans com Al Hinkle que naquele exato momento estava sentado nos diques do Mississippi falando com homens velhos de cabelos brancos ao invés de procurar um apartamento e um emprego130” (KEROUAC, 2008, p. 260).

Kerouac repete esse procedimento por diversas vezes. Mas, em alguns momentos, a conexão é falha. “[...] Neal quase começou a suar com animação. Ó onde estaria o seu pai esfarrapado naquela noite?131” (KEROUAC, 2008, p. 315). Essa falha se dá pois há coisas além do seu alcance. E, como ressaltamos na análise da primeira frase do texto, há uma persistente ausência que estrutura a obra, as figuras paternas.

O que está, afinal, ao alcance é o que o narrador de fato vê. E no primeiro livro o que ele vê é a América. Ora, Kerouac viaja porque ele quer viver a vida de fato, conhecer a América, o seu país nativo. Ele deixaria isso claro mais à frente em enunciação “Eu estava fadado à estrada e à lacerada investigação do meu país nativo com o maluco Neal132” (KEROUAC, 2008, p. 280), mas é nesse primeiro livro que mais claramente a América é apresentada. Em suas caronas, nas cidades que ele visita, nas pessoas que conhece; no percurso inteiro, há um implacável desejo de conhecimento e uma dedicação em humanizar cada rosto que ele descreve. Assim, quando ele chega a Los Angeles e encontra, em sua descrição, os personagens mais derrotados do país, sua reação é: “Eu queria conhecer todos

128 KEROUAC, 2008, p.205; “That evening that Bill Burroughs finally found an apartment was the California

afternoon that I left Selma

129 KEROUAC, 2008, p. 370-371; “We passed Walsenburg; suddenly we passed Trinidad where Hal Chase was

somewhere off the road in front of a campfire with Ginger and perhaps a handful of anthropologists and as of yore he too was telling his life story and never dreamed we were passing at that exact moment in the highway headed for Mexico telling our own stories. Oh sad American night!”.

130 KEROUAC, 2008, p. 260; “We wished we were back in New Orleans with al Hinkle who at that very moment

was sitting on Mississippi levees talking to old men with white hair instead of looking for an apartment

131KEROUAC, 2008, p. 315; “Neal almost began to sweat again with excitement. Oh where was his ragged

father that night?”

132 KEROUAC, 2008, p. 280; “I was doomed to the road and the ragged investigation of my native country with

eles, falar com todo mundo133” (KEROUAC, 2008, p.187-188). Mais do que isso, por se tratar de um romance de longo porte, há tempo para tanto.

O Fantasma era um pequeno idoso atrofiado com uma sacola de papel que dizia estar rumando para o “Canidá”. Ele andava muito rápido, ordenando que eu o seguisse, e disse que havia uma ponte mais à frente que poderíamos cruzar. Ele tinha cerca de sessenta anos; falava incessantemente das refeições que comera, quanta manteiga lhe deram para as panquecas, quantos pedaços extra de pão, como os velhos tinham o chamado da varanda de uma casa de caridade em Maryland e o convidado para ficar um fim de semana, como ele tomou um bom banho quente antes de sair; como ele encontrou um chapéu novinho na margem da estrada em Virgínia e lá estava em sua cabeça; como ele passava em todas as Cruz Vermelha da cidade e lhes mostrava suas credenciais de veterano da Primeira Guerra; como eles o tratavam; como a Cruz Vermelha de Harrisburg não valia o nome; como ele se virava nesse mundo árduo e às vezes vendia gravatas. Mas até onde eu podia ver ele era somente algum tipo de vagabundo andante semi-respeitável que cobria toda a Vastidão Oriental a pé passando nos escritórios da Cruz Vermelha e de vez em quando mendigava as Ruas Principais por uns trocados. Nós fomos vagabundos juntos134. (KEROUAC, 2008, p. 208).

Nesse sentido, Kerouac, o autor, se aproxima muito da fotografia de Robert Frank, seu contemporâneo e amigo, a qual já discutimos acima. Se Frank percorreu os Estados Unidos em busca de rostos e cenas que descrevessem a América imprevista e cotidiana, tal como ele ainda a encontraria, Kerouac faz o mesmo, mas em linguagem escrita135.

Em Butte Montana eu me envolvi com uns índios bêbados; passei a noite toda em um grande e louco saloon que era a resposta à busca de Bill Buroughs pelo bar perfeito [...]; Eu vi um velho carteador que parecia exatamente com W. C. Fields e me fez chorar pensando em meu pai. [...] Eu também vi um homem de noventa anos chamado Velho John que jogava cartas com olhos em fendas e vinha fazendo eles me disseram pelos últimos setenta anos na noite de Butte. Em Big Timber eu vi um jovem cowboy que perdera um braço na guerra e sentava com idosos numa estalagem de tarde de inverno olhando com olhos ansiosos os garotos pulando lá fora nas grandes neves de Yellowstone. Em Dakota eu vi um arado rotatório bater em um Ford novinho em folha e arremessá-lo despedaçando-se em um milhão de pedaços na planície, como semear para a Primavera136. (KEROUAC, 2008, p. 278).

133 KEROUAC, 2008, p. 187-188; “I wanted to meet them all, talk to everybody”.

134KEROUAC, 2008, p. 208; “The Ghost was a shriveled old man with a paper satchel who claimed he was

headed for “Canady”. He walked very fast, commanding me to follow, and said there was a bridge up ahead we could cross. He was about sixty years old; talked incessantly of the meals he had, how much butter they gave him for pancakes, how many extra slices of bread, how the old men had called him from the porch of a charity home in Maryland and invited him to stay for the weekend, how he took a nice warm bath before he left; how he found a brand new hat by the side of the road in Virginia and that was it on his head; how he hit every Red Cross in town and showed them his veteran World War 1 credentials; how they treated him; how the Harrisburg Red Cross was not worthy of the name; how he managed in this hard world and sometimes sold neckties. But as far as I could see he was just a semi-respectable walking hobo of some kind who covered the entire Eastern Wilderness on foot hitting Red Cross offices and sometimes bumming on Main Street corners for a dime. We were bums together.”

135 O ideal de “cair na estrada” e descobrir a América permearia toda a geração seguinte inequivocamente. Uma referência interessante e facilmente notável na cultura popular americana a esse respeito é a música da dupla Simon and Garfunkel, “America”.

136 KEROUAC, 2008, p. 278; “In Butte Montana I got involved with drunken Indians; spent all night in a big

saloon that was the answer to Bill Burroughs’ quest for the ideal bar; I made a few bets on the wall, got drunk; I saw an old card dealer who looked exactly like W.C. Fields and made me cry thinking of my father. […] I also

E a possibilidade aberta por essas explorações é a de identificação. Desse modo, uma vez que ele acaba a descrição do Fantasma acima e lhe parece que ele é “só” um mendigo qualquer, seu próximo movimento retórico é aliar-se a ele, “fomos vagabundos juntos” (KEROUAC, 2008, p. 208). Da mesma forma, quando ele está em Selma, na Califórnia, trabalhando entre os catadores de algodão – imigrantes mexicanos – e apaixonado por uma jovem mexicana, Bea, ele passa a se envolver com a família dela, seu irmão e seu filho pequeno, a ponto de se sentir o patriarca da família. Ele chega a se referir a si mesmo como mexicano. “[...] eu carregava bastão grande comigo na tenda em caso de eles pensarem que nós mexicanos estávamos incrustando o acampamento deles. Eles pensavam que eu era mexicano, é claro; e eu sou137” (p. 198). A frase final é posta com a mesma simplicidade com que ele se identificou com o velho andarilho vagabundo.

É claro que essas identificações são somente passageiras. E não é um desprezo pela vida familiar, é somente um reconhecimento de que tudo é passageiro e a morte certa138. Em verdade, o narrador se delicia ao observar a família de Bea:

O velho rosnava. Os irmãos continuavam cantando à tirolesa. A mãe estava em silêncio. Raymond e as crianças estavam rindo no quarto. Um lar da Califórnia! Eu me escondi nas vinhas curtindo tudo. Eu me sentia como um milhão de dólares; eu estava me aventurando na louca noite americana139 (KEROUAC, 2008, p. 200-201). Finalmente, apesar de que em certo ponto ele diga “Os dias passavam. Eu esqueci tudo sobre o Leste e tudo sobre Neal e Allen e a droga da estrada140” (KEROUAC, 2008, p. 198), ele segue em frente. Normalmente, isso acontece quando sua casa provisória “entra em colapso”. E este é outro tema que se repetirá ao longo do romance, o narrador repete diversas vezes “tudo estava desabando” (p. 199), “tudo estava caindo” (p. 226), “tudo entra em colapso” (p. 319) ou “até que as próprias paredes estremecessem e rachassem” (p. 277), sempre antes de deixar um novo núcleo “familiar” ao qual ele se juntara durante um certo

saw a ninety year old man called Old John who played cards with slitted eyes and had been doing so they told me for the last seventy years in the Butte night. In Big Timber I saw a young cowboy who’d lost his arm in the war and sat with the old men in a winter afternoon inn looking with the longing eyes at the boys lopingh by outside in the great Yellowstone snows. In Dakota I saw a rotary plow hit a brand new Ford and send it scattering in a million pieces over the plain, like sowing for the Spring.

137 KEROUAC, 2008, p. 198; “[...] I carried a big stick with me in the tent in case they got the idea we Mexicans

were fouling up their trailer camp. They thought I was a Mexican, of course; and I am.”

138 Como simbolizado, na narrativa, pelo sonho do Estranho Amortalhado que persegue Kerouac através do deserto e o alcança momentos antes dele conseguir chegar a Cidade Protegida (KEROUAC, 2008, p. 225). O próprio narrador confere a esse sonho a significância da morte.

139 KEROUAC, 2008, p. 200-201; “The old man growled. The brothers kept right on yodelling. The mother was

silent. Raymond and the kids were giggling in the bedroom. A California home! I hid in the grapevines digging it all. I felt like a million dollars; I was adventuring in the crazy American night.

140 KEROUAC, 2008, p. 198; “The days rolled by. I forgot all about the East and all about Neal and Allen and

tempo. A falência das instituições formais e da visão tradicional de família também ecoará através dos cinco livros. Mas a justificativa pela qual Jack e Neal sempre seguem em frente é mais, digamos, mística. Ela está relacionada com “O estudo das coisas em si nas ruas da vida e da noite141” (KEROUAC, 2008, p. 246).

Como George Mouratidis nota em seu ensaio, “Into the Heart of Things”, essa necessidade compulsiva de seguir em frente, muito ligada ao personagem de Cassady cuja alma está “atada a um carro rápido, um litoral a ser alcançado e uma mulher no fim da estrada142” (KEROUAC, 2008, p. 329), tem relação com a construção de um arquétipo que simbolizasse a busca e a luta interna do ser humano e do próprio Kerouac. O pesquisador da geração beat escreve:

No trabalho de Kerouac, a busca por autenticidade é assim parte do dualismo que marca sua vida e obra, um dualismo entre dois imperativos distintos porém interligados – domesticidade e “curtição”, tradição e progressividade, nostalgia e possibilidade – uma ambivalência tanto pessoal quanto de uma significância a um nível sociocultural mais amplo (MOURATIDIS, 2008, p. 73, tradução nossa) E esse dualismo se apresenta dentro da obra na relação entre os dois protagonistas, Neal Cassady e Jack Kerouac. O que os dois buscam em suas viagens através dos Estados Unidos é algo que eles não sabem definir, mas está ligado a busca de uma autenticidade, de um estado puro de existência, como o próprio narrador frisa, o que eles querem é algum tipo de “penetração no coração das coisas143” (KEROUAC, 2008, p. 279). E, na opinião deles, não há lugar melhor para conduzir tais estudos quanto “a grande escola formal do submundo americano” que “seria algum dia estudado em todas as universidades da Europa e do resto do Mundo144” (KEROUAC, 2008, p. 336).

Quando o narrador enuncia as frases acima sobre a música do underground americano, dentro da narrativa, ele se refere aos músicos de bop aos quais os personagens estão assistindo. Mas a ressonância dessas frases eleva-se do mundo diegético e incide sobre a própria escrita de Kerouac e sobre todo o movimento beat. Não é por acaso que ele usa como inspiração e como motivo simbólico os músicos de jazz e blues lendários à época. A razão para fazer isso é, como já foi dito, que Kerouac via nessas formas artísticas relances da primeira forma de expressão verdadeiramente americana. E sua intenção é associar-se a esses elementos.

141 KEROUAC, 2008, p. 246; “the study of things themselves in the streets of life and night”

142 KEROUAC, 2008, p. 329; “[...] wrapped in a fast car, a coast to reach and a woman at the end of the road”. 143 KEROUAC, 2008, p. 279 “some kind of penetration into the heart of things”

144KEROUAC, 2008, p. 336; “[...] the great formal school of the underground American music that would

Ora, Jack Kerouac não era o primeiro autor a utilizar-se das formas da música negra para criar literatura. Lagston Hughes já fizera isso durante a Renascença do Harlem, no começo do século. Em boa parte da obra do poeta e dramaturgo negro é possível ver referências e aproximações com a estrutura, forma e temas do blues americano. Essas características talvez sejam mais visíveis em seu poema “Weary Blues”, em que ele busca a fraseologia do blues para montar seu texto e usa um bluesman como personagem e símbolo dentro do poema. Da mesma forma, Kerouac se inspira na fraseologia do jazz para criar sua prosa. A forma livre, cheia de improvisos e desvios dos grandes trompetistas e saxofonistas de seu tempo terá incidência sobre On the Road, bem como os temas e personagens que povoam a cultura musical negra desde o blues. Particularmente no segundo livro, quando a trupe de personagens cruza as estradas do chamado deep south, o Sul mais profundo dos Estados Unidos, marcado até hoje pelas chagas do preconceito e dos espólios escravistas. A atmosfera é de mistério e aparições, num “manuscrito da noite que não conseguíamos ler145 (KEROUAC, 2008, p. 257) e na qual habitam os símbolos recorrentes ao velho blues, lamentos de corujas e encruzilhadas. A admiração de Kerouac pela natureza do povo negro é latente em toda a obra e chega a ser uma construção idealizada, como vimos no estranhamento presente na adaptação de Walter Salles. Mas essa admiração seria refletida por sua geração à frente. Ressoaria, por exemplo, na geração da contracultura, particularmente na obra de Bob Dylan, ilustrada abaixo:

Figura 374: (DYLAN, 2009, p. 84). 146

Ademais, Kerouac toma para si um dos grandes mitos da cultura do blues, que é a do homem despossuído. Se há um grande tema recorrente na poesia negra do blues é o da vida em sofrimento, daí o nome. As letras daqueles primeiros bluesmen do início do século XX, como Blind Willie McTell, Robert Johnson e Skip James, sempre se acercavam de personagens errantes por falta de dinheiro, casa ou amor. Ora, e aqui estava Kerouac, um branco de classe-média trabalhadora se apropriando dessa mitologia para escrever seu romance. Não só isso, mas o autor de On the Road irá de fato idealizar a figura mítica desse errante despossuído, para torná-lo uma figura mística e profética, com tons divinos. Kerouac tentará, sobretudo, inserir o vagabundo angelical na nova mitologia norte-americana que ele

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