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SEGREDO DE RONCÓ

8. PAI ROBSON FACCIROLI

Diário de campo, 17 de fevereiro de 2015. Estou de volta à Campo Grande para finalizar o meu trabalho de campo, para a entrevista com Pai Zazi em Corumbá. Será a primeira vez que irei a Corumbá, até o presente momento não tinha conseguido nenhuma conexão com ninguém de lá, me parece que a presença destas religiões nesta cidade ficou no passado, não sei!

O clima por aqui está mais ameno em relação a dezembro, choveu bastante durante o mês de janeiro, está tudo muito verde e a terra mais vermelha do que antes. Ainda assim, o sol queima forte na pele e brilha tanto que a gente até chega a franzir os olhos por causa da luminosidade.

Cheguei no dia 16 aqui em Campo Grande, já fui ver Pai Robson, pois aconteceria uma festa, um xirê para Oxalá em seu terreiro que marca não apenas o inicio do ano, mas também a reabertura da casa.

A festa aconteceu na parte da tarde, já quase no início da noite e foi uma festa bem típica para Oxalá. O terreiro de Pai Robson é muito bonito, todo branco, com o nome da casa escrito no muro bem grande: “Ilê Asé Alaketu Babá Ajagunan”. Na entrada tem um poço de água, e várias casas de assentamento de Santo, o Senhor Exú mora no portão e o salão de festas vem logo a seguir, a cozinha fica nos fundos, onde também fica o roncó que nesse dia estava lotado de Filhos que se arrumavam para os festejos que iriam acontecer logo mais. Da cozinha o cheiro da comida salteava pelo ar e tomava todo o espaço da casa, criando um verdadeiro ar de festas.

As pessoas chegavam aos poucos, Pais e Mães de Santo de vários terreiros da cidade, convidados de Pai Robson que vieram lhe prestigiar. Está ai uma questão muito presente na sociedade do Santo, que é o prestígio que se conquista nessa sociedade, ter gente vinda para sua casa denota o respeito que o Pai de Santo adquiriu na sociedade, e é também uma forma de testemunho do tipo de Candomblé que se faz, sobretudo, quando as pessoas buscam a originalidade e a verdade dentro do ritual.

Desta forma não tardou muito até Pai Robson vir pessoalmente e cumprimentar um a um de seus convidados, inclusive a mim, que já era notícia corrente entre os convidados, afinal, saber que tem um pesquisador de fora, pode assustar por um lado porque as vezes significa alguém bisbilhotando para falar mal ou pode também

significar o prestígio e a importância do terreiro e da religião que chamou a atenção de algum acadêmico para realizar pesquisas.

Feitas as apresentações, não demorou muito para que os akidavís começassem a bater no couro dos tambores, chamando para o grande salão todos que quisessem testemunhar a chegada de Pai Oxalá.

E começou os cânticos em iorubá, e as saudações a todos os Orixás da casa, um a um foi saudado e lembrado, até que chegou a vez de toda a família de Oxalá, começando por Oxaguiâ, Oxalufã e Oxalá. Houve choro, comoção e muita emoção na vinda desses Orixás, muito respeitados e queridos por todo o povo de Santo, pois, de todos os Orixás eles representam o que tem de mais puro e verdadeiro, e não é a toa que sua cor é a branca.

Pedidos foram feitos, e bênçãos recebidas e ao final da festa todos foram convidados para a varanda dos fundos do terreiro, anexa a cozinha onde o jantar seria servido. Regado a champanhe, peixe e toda a comida que Pai Oxalá gosta como a canjica e adentramos a noite na conversa sobre as memórias do terreiro.

Conversamos um pouco, e consegui marcar para o dia seguinte na parte da manhã uma conversa para acertarmos os detalhes dessa entrevista. Pai Sina também estava presente nesse dia e ficou responsável por me levar lá no dia seguinte.

Não dormi muito naquela noite, saí muito tarde do Ilê de Pai Robson, e no quarto do hotel, fiquei mais algumas horas revendo as entrevistas que já havia feito, analisando a rede que já tinha construído. Ao final fui vencido pelo sono e na manhã seguinte fui vencido pelo telefone do hotel que não parava de tocar na cabeceira da minha cama, e quando atendi era Pai Sina, me esperando no saguão, eu já estava atrasado para a entrevista com Pai Robson.

Não demorou mais que trinta minutos até que chegássemos a sua casa, ele já estava pronto nos esperando. Serviu água e café, e nos recebeu em seu escritório que fica ao lado do roncó, naquela varanda dos fundos de seu terreiro.

Não parecia que na noite anterior havia acontecido uma festa ali, tudo estava lavado e muito mais branco que no dia anterior, nenhuma louça, nenhuma mesa, nenhum copo ou garrafa de bebida se fazia presente naquele ambiente. Pai Robson vestido de branco, sentado em sua mesa, nos recebeu e me perguntou sobre o que era a minha pesquisa e no que ele poderia me ajudar.

Contei-lhe os detalhes e o progresso feito até ali, e lhe perguntei quando poderíamos marcar para que ele pudesse me contar a sua história e ele me respondeu de pronto que seria naquele momento, que ele estava preparado.

Embora ficasse assustado, meu contentamento foi maior, não esperei mais, abri minha mochila, peguei meu caderno de campo, pilhas, caneta e gravador, me organizei rapidamente e posicionei o gravador em cima da escrivaninha, expliquei a ele os detalhes burocráticos da entrevista e começamos, e ele me perguntou por onde eu queria que ele começasse e eu lhe disse que deveria ser do começo, e assim ele fez:

Meu nome é Robson Facciroli, sou nascido em Campo Grande – Mato Grosso do Sul. Moro na Avenida Europa, na Taquarussu. Eu tenho uma família simples, sou filho adotivo de um casal de homossexuais e tive uma infância muito tranquila. Tive uma boa educação.

Minha mãe me deu eu tinha meses, tinha nove meses de vida. Ela era de uma família muito simples e eles não tinham condição na época e como ela conhecia os meus pais e eles tinham muita vontade de ter um filho, e no final de uma conversa, de um bate papo, eles me adotaram. Naquela época era muito mais fácil uma adoção. Eu fui registrado no nome de um deles como pai biológico e ele colocou como minha mãe a irmã dele só que com o sobrenome invertido para não bater as informações, e eu fui registrado assim. Um dos meus pais é o Nilton da Silva que foi quem me iniciou no Candomblé e o Antonio Sérgio que é o meu pai de registro, o sobrenome que eu carrego. Com sete anos de idade eu tive muita curiosidade em conhecer minha mãe biológica, porque logo após a adoção ela foi embora de Campo Grande e meu pai até procurou ela, colocou investigador pra saber por onde ela andava e no meu aniversário de sete anos eu tive o prazer de conhecê-la pessoalmente. Ela ficou com a gente um ano e meio, residindo na nossa casa, mas acabou que não se adaptou ao nosso meio, pois, ela tinha a maneira dela de viver, de enxergar o mundo, não se adaptou a nós e foi embora. Passaram uns dois anos ela voltou pra fazer uma visita e trouxe a notícia de que eu teria uma irmã, de outro casamento. Essa minha irmã deveria estar com um ano de idade. Minha mãe ficou mais uns meses morando com a gente e logo foi embora de novo e depois disso não tive mais notícias dela.

Eu estudei. Meus pais me deram estudo. Me deram uma boa educação. Me deram carinho e me ensinaram o lado bom e o lado ruim da vida. Foi bem tranquilo, foi bem harmonioso o viver com eles. O Nilton trabalha no hospital, então a gente sempre

teve mais proximidade porque ele me levava pra passear, conversava comigo, já o meu pai Sérgio, ele mexia com vendas de roupas e viajava muito para buscar essas roupas, ele vendia pra fora, então o nosso convívio não era muito próximo. A gente se via mais nos fins de semana, uma ou duas vezes por semana. Já com o pai Nilton a gente tinha mais convivência, saía para o cinema, pro shopping.

Na escola, ter dois pais? Bom, foi tranquilo. Na fase da infância, no primário, foi tranquilo. Na adolescência houve alguns problemas, alguns questionamentos por parte dos colegas né. Essa questão de dois pais no dia das mães, sempre dava problemas, porque eu tinha ‘pãe’ né. Eles colocavam esse nome porque era pai e mãe e muitas vezes isso virava uma piadinha, tiravam um sarrinho, que acho que é normal da adolescência. Pra mim isso tudo foi tranquilo. Meus pais sempre me explicaram que eles eram pais do coração e nunca esconderam a situação. Sempre me respeitaram. Na minha infância, nunca usaram palavras ou gestos que pudessem me chocar ou até influenciar algo na minha vida. Nunca tive isso!

Tive uma adolescência tranquila também. Eu sempre saí muito, sempre fui muito de passear e desde cedo eu conheci a religião. Eu tinha meus sete anos de idade quando eu comecei a frequentar a Umbanda e já apresentei sinais de manifestações de entidade.

Foi com sete anos que eu vim a trabalhar com meu caboclo, mas como eu era muito novo, muito criança meu pai falava que não era o momento. Eu sempre tive adoração e desde criança eu já queria bater cabeça, colocava o vinil pra ouvir as cantigas e batia cabeça na caixa de som como se fosse o altar. Sempre tive carinho pela religião.

Aos meus dezesseis anos de idade eu comecei a bolar, que é o momento que o Orixá toma pedindo a iniciação, então, acontece desmaios súbitos. Nessa época eu estudava na escola adventista, no CEAC, que fica aqui no trevo do Imbirussu. Então quando isso acontecia, eles ligavam para os meus pais e diziam que eu estava passando mal, que tinham que me levar no médico porque estava acontecendo alguma coisa porque eu estava tendo muitos desmaios, na educação física, no recreio, mas, eles não entendiam da religião.

Eu comecei a frequentar as festas de Candomblé e lá também aconteciam as mesmas coisas, e o meu pai relutando porque ele não queria, então ele relutou até o momento que não tive mais como adiar. Eu me iniciei no Candomblé aos dezesseis anos de idade com o meu pai Nilton, que é meu pai adotivo, e esta iniciação foi na casa do Pai Ladenã, que tinha Candomblé aqui no Caiçara. O meu pai e ele eram Irmãos de

Santo, mas como meu pai não tinha casa, então eu fui pra casa do Pai Ladenã que na minha feitura ficou como meu pai pequeno.

Eu fiquei vinte e oito dias recolhido e passei pelos preceitos de noventa dias. Me iniciei na Nação Angola, a diretriz por aqui na época era Angola, então fiquei de preceito esses noventa dias e com o quelê. Fui pra escola de cabeça raspada e isso provocou muita curiosidade e meus amigos sempre perguntavam: o que tá acontecendo? Por quê? Como que é? E até algumas pessoas falavam: “Ah! Pegou piolho! Por isso”. E dessa maneira esse período passou batido, embora algumas dessas pessoas sabiam da minha iniciação na religião.

Me iniciar foi muito bom porque eu tive na minha infância muitos problemas de doença como: bronquite e asma e depois que eu fiz o Santo, assim, se eu tive um gripe de cinco em cinco anos, de seis em seis anos pra mim foi muito.

Então eu me iniciei na casa de Ladenã e prossegui com a minha trajetória, tomando as minhas obrigações de um ano, três anos até eu completar o ciclo de sete anos. Nesse tempo, meu pai o Nilton, que a adjina dele é Omin Sylesy, já tinha aberto o barracão aqui em casa, neste mesmo local, tanto que a obrigação de sete anos eu já tomei aqui nesta casa. Nesta obrigação vieram o Ladenã, o Pai Pedrinho e o meu pai, então essas três pessoas que me passaram o meu decá. E os três são de Oxum, que é a senhora da cachoeira, das águas doces e Pai Pedrinho hoje está no Oro, está no céu.

Então a partir do momento que eu recebi os meus direitos, passei a ter o poder de iniciar também as pessoas e foi aí que eu comecei a trajetória da minha casa de Candomblé. Eu já era herdeiro da casa de meu pai Nilton que é essa casa que eu toco hoje aqui.

Eu sempre tive muita paixão pela Nação Ketu e aqui em Campo Grande o que imperava era Angola, sobretudo quando eu fiz o Santo, só depois as pessoas de Ketu foram chegando a Campo Grande e aí a gente foi conhecendo a forma e os costumes deles tocarem Candomblé e eu me encantei muito, gostei, me identifiquei. Procurei algumas pessoas pra conversar, pra tirar dúvidas, informações e acabei tomando obrigação na casa de Ketu.

A primeira pessoa com quem me identifiquei foi com o Baba Willian e conhecido como Caobaressí lá de São Paulo. Ele esteve muito tempo morando aqui em Campo Grande e foi aonde eu iniciei meus primeiros iaôs, meus primeiros Filhos, na nação Ketu com a orientação e ajuda dele.

Porque minha história é assim: quando meu pai Nilton me iniciou, ele fez isso com um propósito. Eu fui o único filho dele, então eu represento a nossa árvore genealógica, assim ele me iniciou para eu dar continuidade a nossa vida espiritual, porque nós temos ancestralidade e ela vai passando de pai pra filho, e eu fiz isso. Mas quando ele meu deu o meu decá, então ele também me deu o direito de seguir a minha caminhada e fazer a minha história, a minha trajetória. Ele não parou com o Candomblé, ele se cuida, toma obrigação uma vez por ano, a gente faz as coisas pra Oxum, para os Ogãs, para as pessoas mais velhas e eu até trago pessoas do meu axé, mais velhas pra cuidarem dele pra mim, mas, ele não está mais efetivo, na prática. Ele é uma pessoa adepta que cuida de seu Orixá porque quem toma conta da casa sou eu.

Hoje eu não estou na nação Angola, estou na nação Ketu, mas não estou mais no axé de Babá Willian, eu fui pra casa de Pai Edson que é de Campo Grande. Ele é conhecido aqui como Pai Edinho do Oxóssi. Eu passei por reformulações na religião. Eu raspei em 1994 e tomei obrigação com ele em 2002 ou 2003 senão me engano. A nossa religião tem uma premissa que é assim: você tem que ter pra você transmutar, então como eu saí de Angola que é um ritual totalmente diferente, onde não se louva Orixá, se louva Inquice, eu tive que passar por uma reformulação e aprender a cuidar de Orixá, que é da nação Ketu. Então eu aprendi como se procede, se inicia com o Orixá, se caminha, tive que passar por uma obrigação, raspar a cabeça novamente, passar por todo o ritual de Ketu para dar continuidade e legalizar a minha casa perante o Orixá em Ketu.

O nome da minha casa antes era Abassá Aviri Oxã e hoje é Ilê Axé Alaketu Baba Ajagun, mas o Santo de cabeça não mudou, é o mesmo e o que mudou foi a forma, a maneira de se cultuar. Inquice é Angola fala Bantu e nós que somos Ketu falamos Iorubá. Hoje o axé a que eu pertenço é da Casa de Pai Edson e é o Oxumarê, de Salvador. Então nós somos descendentes da casa Nagô Vodum que é uma miscigenação da nação Nagô e do Vodum que é da nação Gege. E foi nesse axé que eu tomei obrigação e nele eu recebi o meu Oiê, que é a cabaça do destino que é o nosso Egbádú, e daí pra frente dei continuidade a minha casa de Candomblé e estamos juntos até hoje.

O Pai Edson mora na Pioneira hoje, aqui em Campo Grande mesmo, ele é filho de Baba PC, o Candomblé dele chama Ilê Axé Omó Ori Odé e eu estou com ele. O Willian foi mais orientação mesmo, não cheguei a tomar obrigação com ele, ele foi um amigo, como se fosse um professor, não chegou a ser zelador de Santo – a gente chama

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