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Capítulo III O surgimento do conceito do rock “erudito”: primeiros grupos

1) Rock “sinfónico” e “progressivo”: acepções

Se à música rock já seria atribuída uma certa conotação “intelectualizante” à partida, é nos inícios da década de 70 que, em Portugal, começa a surgir por parte dos músicos e crítica - paralelamente e em consequência do que acontece sobretudo em Inglaterra - a noção de um rock que Pedro Castro caracteriza como “mais erudito”, em que, segundo o próprio, o virtuosismo e a complexidade estrutural são características fundamentais na constituição desta tendência23. A

imprensa portuguesa do período, emulando os discursos de periódicos ingleses da altura como o

Melody Maker, o New Musical Express, ou o francês Rock & Folk, acompanha a constituição

desta tendência musical, à qual são atribuídas as designações “progressive pop”, “progressive

music”, “progressive rock”, num sentido mais estrito ao genericamente empregue para designar o

rock enquanto categoria autónoma. Num artigo intitulado História e Limites da Música Popular (1972), assinado por Jorge Lima Barreto e Fernando Semedo, os autores referem que a “...progressive-pop” – enquanto “pop erudita” – “ascende no panorama artístico do fim dos anos 60” e que seria protagonizado por nomes como o teclista Keith Emerson (membro dos grupos The Nice e, posteriormente, Emerson, Lake & Palmer) ou pelo grupo Pink Floyd (Barreto & Semedo, 1972). Esta noção de um pop-rock “erudito” seria igualmente expressa por Sérgio Fernandes no seu artigo Euro-Rock 2 – Pink Floyd e o resto (1972), em que, numa secção intitulada Os Novos Eruditos, escreve sobre uma crescente tendência de conjugação entre o rock e a música erudita – predominantemente, o repertório barroco, oitocentista, e o contemporâneo,

de “vanguarda” – protagonizada também por Keith Emerson, e por grupos como King Crimson, Genesis, Van der Graaf Generator, Yes e Pink Floyd, todos grupos ingleses (e aos quais também é atribuída a designação genérica “nova escola inglesa”, ou seja, pós-Beatles) (Fernandes, 1972). Num artigo sobre outro grupo inglês, Gentle Giant, editado em Janeiro do ano seguinte no mesmo periódico, o autor (não identificado) aborda esta mesma tendência de aproximação do “rock de origem e expressão marcadamente populares à música erudita”, a qual teria sido inicialmente protagonizada pelo grupo The Beatles, e, subequentemente, por grupos como Emerson, Lake & Palmer ou Pink Floyd na produção de composições de duração extensa, com várias secções diferenciadas, ou na aproximação à “música de vanguarda” (como no disco de estúdio do duplo LP Ummagumma do grupos Pink Floyd, editado em 1969, marcadamente influenciado pela musique concrète) (s.a., 1973).

Apesar de todos os músicos entrevistados no âmbito desta dissertação detectarem esta aproximação, estabelecendo distinções entre este tipo de repertório e o restante, nem todos afirmam terem empregue qualquer tipo de nomenclatura referente a uma categoria distinta como “música progressiva” ou “rock progressivo”. Jorge Pinheiro considera que, quanto à caracterização do repertório do seu grupo – o qual ele afirma ser constituído por “peças, e não canções” –, não teria, na altura, “...qualquer consciência que era rock progressivo...admito que aquilo, na altura, era diferente...havia um rock base...e depois houve alguém que acrescentou qualquer coisa, e diversificou”, diversificação esta que, segundo o próprio, assentava predominantemente no escape à composição de canções de duração comum24. Carlos Barata

considera que as rotulações também passavam pela identificação do repertório de um grupo com o estilo de outro grupo, e não propriamente por uma categoria genérica: “...o que distinguia era tocar como alguém, estilo Jethro Tull, estilo Jimi Hendrix...acho que à nossa própria música, não dávamos nome nenhum. O próprio rock sinfónico, aquilo a que se chama hoje rock sinfónico, quando aparece não tem esse nome. É um nome dado a posteriori“25. Ainda assim, alguns

músicos afirmam ter recorrido ao uso da expressão no período, dada a frequente leitura de periódicos ingleses por parte dos mesmos onde esta surgia com frequência. Contudo, a expressão “rock progressivo” seria empregue por músicos portugueses enquanto sinónimo de outra

24 Entrevista realizada a 3 de Janeiro de 2011, Oeiras. 25 Entrevista realizada a 31 de Maio de 2011, Oeiras.

expressão bastante mais comum no país, “rock sinfónico”, expressão esta que, em grande parte dos casos, teria uma acepção ligeiramente diferente da expressa por académicos e críticos anglófonos. Enquanto que o symphonic rock estaria sobretudo associado por estes à sonoridade do arranjo “sinfónico”, orquestral, que frequentemente envolvia o recurso ao Mellotron, e que foi protagonizada por grupos como Moody Blues desde a edição do álbum Days of Future Passed em 1967, ou Deep Purple com o Concerto for Group and Orchestra em 1969 (Macan, 1997), em Portugal, para diversos músicos, o conceito de “sinfónico” parece ser praticamente sinónimo de “erudito” no âmbito discursivo, tanto na sonoridade como no aspecto estrutural, sendo esta também reminiscente, segundo alguns músicos, de uma noção genérica de peça de longa duração, ou de “sinfonia”. Esta acepção não assentava necessariamente na emulação da divisão da sinfonia em 4 andamentos (ou de qualquer sinfonia no sentido académico do termo), mas sim na ideia de uma estrutura genericamente “sinfónica”, com várias partes; Manuel Cardoso, membro do grupo Tantra, define como “conceito do sinfónico” a existência de secções de “introdução, o desenvolvimento dos temas, inserção de [novos] temas, regresso ao tema principal, e final”26. Ainda assim, existem algumas excepções: Cardoso e António Garcez

estabelecem distinções entre um rock de carácter “sinfónico”, e um rock de carácter “progressivo”. No primeiro, existiria um suporte harmónico sem grande variação, em andamento lento (usualmente associada no discurso de vários músicos à imagem do “planante”), que assenta fundamentalmente numa sonoridade “orquestral”, em que lhe é usualmente sobreposta uma intervenção solística do teclista ou guitarrista (um dos exemplos recorrentes é o trabalho do teclista Rick Wakeman no contexto do grupo Yes). No segundo, o protagonismo do solista não seria tão acentuado, sendo valorizados aspectos como a existência de progressões harmónicas para vários campos tonais, o desenvolvimento temático das frases melódicas das vozes e instrumentário, o forte contraste entre secções na configuração estrutural, e.o. (p. ex., a faixa

Proclamation do grupo Gentle Giant, de 1974). Quase todos os músicos apontam como fulcral

para a caracterização deste novo estilo a preponderância que o teclista, e o som dos diversos teclados (Mellotron, sintetizadores, órgãos), possuíram na configuração do repertório, onde a referencia ao virtuosismo interpretativo típico no âmbito da música erudita (sobretudo na interpretação de repertório barroco e oitocentista para tecla) e à “complexidade” dos aspectos musicais, constituem uma constante. Pedro Castro, reflectindo sobre este aspecto, sublinha a

importância que a audição do primeiro LP do grupo Emerson, Lake & Palmer teve no seu gosto pessoal:

“...quando os Emerson, Lake & Palmer rebentam com o primeiro trabalho [1970], e a primeira vez que eu oiço o que são sintetizadores levados ao limite da tecnologia daquela época...a emoção que eu senti, nem a sei descrever...aquilo era um prodígio de talento interpretativo...porque as bandas antes daquilo tocavam com guitarra...e os gajos tocam com baixo, bateria e keyboards, que no fundo eram sintetizadores e o órgão Hammond...ainda hoje ouço muitas vezes o Tarkus [1971], que vem depois...e fico maravilhado...começamos a evoluir para uma sonoridade em que aquela ideia das 2 guitarras, aquela ideia hermética do acompanhamento e solo é completamente transposta...há mais cordas [dá o recorrente exemplo do uso precursor do Mellotron no trabalho dos Moody Blues], há mais teclados...”27