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A rodada geral para o ‘Tipo semântico do verbo principal’

No documento UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB (páginas 89-124)

4 A EXPRESSÃO DA FUTURIDADE EM SANTO ANTÔNIO DE JESUS: ANÁLISE

4.3 GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS

4.3.2.5 A rodada geral para o ‘Tipo semântico do verbo principal’

Os resultados da rodada geral de análise, incluindo os três aspectos semânticos possíveis na configuração do grupo, são os que seguem:

Tabela 14: Perífrase em relação ao ‘Tipo semântico do verbo principal’: rodada geral

Fatores Ocorrências/

Total de ocorrências

Percentuais Pesos relativos Verbos de ação télicos (com controle) 202/221 91,4% 0.47 Verbos de ação atélicos (com controle) 84/90 93,3% 0.62 Verbos de processo télicos (sem controle) 81/87 93,1% 0.49 Verbos de processo atélicos (sem controle) 71/77 92,2% 0.66 Verbos de movimento/deslocamento télicos

com controle

15/26 57,7% 0.48

Verbos estativos sem controle 30/36 83,3% 0.14

Gráfico 1: Rodada geral para o ‘Tipo semântico do verbo principal’

A perífrase de futuro é favorecida pelos <Verbos de ação atélicos>, com peso relativo de 0.62, e pelos <Verbos de processo atélicos>, com peso relativo de 0.66. Favorecem ainda essa forma os <Verbos de movimento/deslocamento atélicos com controle>, já que houve um uso quase categórico com a perífrase (6/7), e os <Verbos estativos com controle>, pelo fato de ter havido uso categórico com a perífrase (5/5), embora com poucos dados nesses dois fatores. Não obstante os <Verbos de ação télicos>, os <Verbos de processo télicos>, os <Verbos de movimento/deslocamento télicos com controle> têm peso relativo próximo da neutralidade, na escolha da perífrase para indicar a futuridade verbal (pesos de 0.47, 0.49 e 0.48, respectivamente), e os <Verbos estativos sem controle> se constituem num fator de grande desfavorecimento da forma perifrástica, com peso relativo de 0.14.

4.3.2.6 ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do verbo principal’

Segundo Ciríaco e Cançado (2004), muitos autores apontam uma relação direta entre telicidade e inacusatividade. Elas citam o estudo realizado por Van Hout18, em dados da língua holandesa, em que esta autora identifica a [telicidade] como a propriedade semântica definidora da caracterização sintática daquele subtipo de verbos monoargumentais. Levando isso em consideração, cruzamos os resultados dos grupos ‘Tipo sintático do verbo principal’ e ‘Tipo semântico do verbo principal’ a fim de verificar uma possível interação entre essas duas variáveis linguísticas. Os resultados apresentam indícios de uma sobreposição de informações19, como segue:

18 É possível ter acesso à introdução do livro em que tal estudo foi publicado através do endereço eletrônico http://fds.oup.com/www.oup.co.uk/pdf/0-19-925764-7.pdf. Acesso em 23 mai 2012.

19

Optou-se aqui pela manutenção de todos os subtipos possíveis no cruzamento para que se tivesse uma visão total da relação em análise, independentemente dos limites percentuais e de ocorrências pré-definidos.

Tabela 15: Uso da perífrase - ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico

do verbo principal’ – telicidade

Fatores Ocorrências/

Total de ocorrências

Percentuais Pesos relativos

transitivos télicos 201/216 93,1% 0.35 transitivos atélicos 91/95 95,8% 0.97 bitransitivos télicos 28/32 87,5% 0.15 bitransitivos atélicos 03/04 75,0% 0.80 inacusativos télicos 45/108 41,7% 0.05 inacusativos atélicos 32/33 97,0% 0.99 intransitivos télicos 21/28 75,0% 0.07 intransitivos atélicos 32/38 84,2% 0.88

Input = 0.921 Log likelihood = -114.212 Nível de significância = 0.010

Como ferramenta de visualização desses resultados segue gráfico:

Gráfico 2: Uso da perífrase - ‘Tipo sintático do verbo principal’ com

Esses resultados indicam que a telicidade é uma propriedade semântica que interfere fortemente na seleção das formas de futuridade verbal na comunidade linguística de Santo Antônio de Jesus: a oposição é clara entre os verbos télicos e atélicos. Entre os verbos transitivos, tipo que favorece fortemente o uso da perífrase verbal de futuro, o parâmetro [telicidade] se mostra relevante, pois os <verbos transitivos télicos> desfavorecem o uso daquela forma, com peso relativo de 0.35, em oposição aos <verbos transitivos atélicos>, que, com peso relativo de 0.97, quase anulam a variação.

Dentre os verbos bitransitivos, ocorre relação semelhante: os <verbos bitransitivos télicos> desfavorecem o uso da forma perifrástica, com peso relativo de 0.15, ao passo que os <verbos bitransitivos atélicos> a favorecem, com peso relativo de 0.80.

Quanto aos verbos intransitivos, a oposição se mostra mais forte ainda: os <verbos intransitivos télicos> desfavorecem o uso da perífrase, com peso relativo de 0.07, enquanto os <verbos intransitivos atélicos> a favorecem, com peso relativo de 0.88.

Mas é dentre os verbos inacusativos que a oposição alcança o ápice: os <verbos inacusativos télicos> praticamente anulam o uso da forma perifrástica, com peso relativo de 0.05, em oposição aos <verbos inacusativos atélicos>, que, com peso relativo de 0.97, praticamente só permitem o uso dessa mesma forma; por isso, podemos falar em sobreposição de informações. Propomos futuros estudos para detalhar a relação entre inacusatividade e telicidade.

A fim de atender aos limites percentuais e de número mínimo de ocorrências, pré- definidos, foi feita outra rodada amalgamando-se os transitivos aos bitransitivos, e os intransitivos aos inacusativos. Os resultados são os que seguem:

Tabela 16: Uso da perífrase - ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do

verbo principal’ – telicidade

Fatores Ocorrências/

Total de ocorrências

Percentuais Pesos relativos

multiargumentais télicos 229/248 92,3% 0.31

multiargumentais atélicos 94/99 94,9% 0.97

monoargumentais télicos 66/136 48,5% 0.06

monoargumentais atélicos 64/71 90,1% 0.95

Input = 0.909 Log likelihood = -117.023 Nível de significância = 0.047

Os verbos <multiargumentais télicos> e os verbos <monoargumentais télicos> desfavorecem o uso da forma perifrástica de futuro, com pesos relativos respectivos de 0.31 e 0.06, enquanto os verbos <multiargumentais atélicos> e os verbos monoargumentais atélicos> favorecem fortemente o uso dessa mesma forma, com pesos relativos de 0.97 e 0.95, respectivamente. A oposição definida pelo parâmetro [telicidade] se mantém, apesar de os resultados não serem muito confiáveis por conta do nível de significância muito próximo do limite. Atribuímos isso à presença maciça do verbo ir pleno e, para testar, fizemos uma última rodada, desconsiderando esses dados. Os resultados são os que seguem, em uma tabela e em um gráfico:

Tabela 17: Uso da perífrase - ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico

do verbo principal’ – telicidade (sem verbo ir)

Fatores Ocorrências/ Total de ocorrências Percentuais Pesos relativos multiargumentais télicos 229/248 92,3% 0.49 multiargumentais atélicos 94/99 94,9% 0.74 monoargumentais télicos 66/83 79,5% 0.17 monoargumentais atélicos 64/71 90,1% 0.65

Input = 0.939 Log likelihood = -123.110 Nível de significância =0.030

Gráfico 3: Uso da perífrase – ‘Tipo sintático do verbo principal’ com ‘Tipo semântico do

verbo principal’ – telicidade (sem verbo ir)

Os resultados ainda corroboram a hipótese de ser a [telicidade] um aspecto linguístico importante na seleção de formas de futuridade verbal em Santo Antônio de Jesus, sobrepondo-se ao tipo sintático do verbo. Os verbos multiargumentais télicos>, com peso relativo de 0.49, e os verbos <monoargumentais télicos>, com peso relativo de 0.17, são os

desfavorecedores da perífrase, embora o peso relativo daqueles esteja muito próximo do ponto neutro.

Os verbos <multiargumentais atélicos> e os verbos <monoargumentais atélicos> são os grandes favorecedores do uso da forma perifrástica, com pesos relativos respectivos de 0.74 e 0.65.

Concluímos que é o traço acional da [telicidade] o grande desfavorecedor da perífrase, constituindo-se porta de entrada do presente com valor de futuro.

4.3.3 Presença/Ausência de outro constituinte de valor temporal

Este grupo de fatores refere-se à possibilidade de existirem contextos em que haja sintagmas ou orações adverbiais que indiquem a futuridade, além do próprio verbo. Neste trabalho, a hipótese é a de que a presença de outro elemento com valor temporal de futuro deve favorecer o uso da forma de presente para expressão de futuro, pois essa forma necessita de ancoragem temporal, como previsto desde as formas latinas (POGGIO, 2004; POPLACK; TURPIN, 1999; SILVA, 2003). Havia uma questão que precisava ser respondida, levantada durante o percurso da pesquisa20: existe a possibilidade de a forma de presente indicar futuro sem a presença desse outro constituinte de valor temporal? Seguem os resultados para esse grupo de fatores:

20

Refere-se a questionamento feito durante apresentação no GELNE, em 2010, dos resultados preliminares desta pesquisa.

Tabela 18: Uso da perífrase em relação à ‘Presença/Ausência de outro constituinte de valor temporal’ Fatores Ocorrências/ Total de ocorrências Percentuais Pesos relativos Ausência de outro constituinte de

valor temporal

391/436 89,7% 0.63

Presença de outro constituinte de valor temporal

103/166 62,0% 0.21

Input= 0.918 Log likelihood = -128.091 Nível de significância = 0.012

Os resultados confirmam a hipótese inicial de um maior favorecimento da forma perifrástica em contexto com <Ausência de outro constituinte de valor temporal>, com peso relativo de 0.63. Isso se explica para evitar a duplicidade da marcação temporal de futuro, pois o auxiliar, na perífrase de futuro, faz essa marcação. Por outro lado, o contexto com <Presença de outro constituinte de valor temporal>, com peso relativo de 0.21, desfavorece a forma perifrástica de futuro, abrindo o espaço para o uso do presente, forma não marcada morfologicamente, que necessita, por isso, de marcação fora do verbo. Esses resultados estão próximos dos de Silva (2003, p. 73-75), em corpora do português afrobrasileiro, e próximos dos de Poplack e Turpin (1999), em que se analisou o futuro no francês canadense.

Quanto ao questionamento feito, a resposta é positiva. O verbo ir, em suas formas do presente do indicativo, é interpretado como indicando futuro. Para indicar o presente é necessária a ancoragem de um sintagma ou oração adverbial, como sempre, todos os dias. A opção mais comum para a indicação do presente do verbo ir é o uso da forma composta tenho

ido, tem ido. No corpus que serve de base para esta pesquisa há 28 (vinte e oito) ocorrências

de ir sem partícula de tempo, com valor de futuro, como o exemplo que segue:

(135) Não... num... Eu vortei pra casa. Aí, Conça foi marcô pro dia dois de janêro. Peguei, tossia, tossia, do primêro de janeiro foi até o mês de são joão tossino. Aí, eu

fiquei. A dotora me perguntô: “Você qué se operá?” Eu disse: “Ô dotora, não quero mais não. Eu tenho certeza que eu vô e não volto mais. Eu não vô não.” (SAJ-S, Inf. 10)

4.3.4 Papel temático do sujeito

Esse grupo de fatores, que tem como objetivo verificar os possíveis condicionamentos a partir do papel temático que o sujeito representa em relação ao escopo verbal, seguiu as hipóteses de Oliveira (2006, p. 117-119), que testou e constatou a hipótese de que um sujeito agente favoreceria a ocorrência da perífrase verbal de futuro, por conta de um maior comprometimento entre ele e a ação verbal, enquanto um sujeito paciente o desfavoreceria, ficando os sujeitos experienciadores numa posição intermediária.

A hipótese neste trabalho, em cujos dados não há mais variação com a forma sintética de futuro, era a mesma: a de que um maior comprometimento existe entre um sujeito agente e a forma perifrástica, diminuindo gradativamente à medida que seu papel temático passa a ser [-agentivo].

Houve uso quase categórico com o fator <Sujeito possuidor ou recipiente>, já que, das 27 (vinte e sete) ocorrências, 26 (vinte e seis) ocorreram com a forma perifrástica. Esse fator foi retirado da primeira análise estatística para evitar sua influência nos resultados, já que o seu percentual ultrapassa o limite pré-estabelecido de 95%.

Tabela 19: Uso da perífrase em relação ao ‘Papel temático do sujeito’

Fatores Ocorrências/

Total de ocorrências

Percentuais Pesos relativos

Sujeito agente ou causador 296/392 75,5% 0.39

Sujeito experienciador 42/46 91,3% 0.60

Sujeito paciente 75/79 94,9% 0.87

Sujeito possuidor/recipiente 26/27 96,3% -

Input= 0.918 Log likelihood = -128.091 Nível de significância = 0.012

Esses resultados contrariam a hipótese de uma relação direta entre um <Sujeito agente ou causador> e a forma perifrástica: o peso relativo de 0.39 indica um forte desfavorecimento dessa forma. Ao contrário do esperado, o fator <Sujeito paciente> é que, com peso relativo de 0.87, é o contexto de favorecimento da forma perifrástica em relação ao papel temático do sujeito. O <Sujeito experienciador> também favorece o uso da forma perifrástica com peso relativo de 0.60, assim como o <Sujeito possuidor/recipiente>, com 96,3% de frequência com essa mesma forma. Esses dados podem indicar que a forma de presente indica mais certeza, já que ela seleciona mais um sujeito agente, ou seja, aquele que controla a ação verbal e pode, por isso, atribuir maior compromisso para a realização do estado de coisas futuro.

4.3.4.1 ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Animacidade do sujeito’

Buscou-se um refinamento dos resultados cruzando-se o ‘Papel temático do sujeito’ com o grupo de fatores ‘Animacidade do sujeito’, pois, segundo Castilho (2010, p. 297),

dois traços semânticos subordinam-se ao traço [+ animado]: o de [± humano], visto que um referente animado não precisa ser necessariamente

humano, e o de [± agentivo], visto que numa dada sentença um referente animado não precisa necessariamente ser o controlador da ação.

Para Franchi e Cançado (2003, p. 17), em sua Teoria Generalizada dos Papéis Temáticos, “papéis como os de agente, paciente, experienciador etc. [podem ser definidos] como conjuntos ou "clusters" de acarretamentos que são comuns a todos os papéis temáticos individuais de argumentos de diferentes predicadores.” Assim, do papel temático de agente, podem-se inferir os acarretamentos de [controle], [animacidade], [causa] e [intencionalidade]. Ocorre, portanto, uma redundância nas informações dadas pelos dois grupos acima referidos.

Os fatores possíveis e esperados, a partir desse cruzamento, são os que seguem, com exemplos:

a) sujeito humano agentivo

(136) Amanhã mesmo eu vou viajar, cedo eu vou viajar. (SAJ-R, Inf. 01)

(137) Quande tivé maió, que eu comprá ôtro carro, eu dô um carro pra ela. (SAJ-R, Inf. 01)

b) sujeito humano paciente

(138) “— Eu não vô operá, porque eu não posso; eu não tenho camisola, eu não tenho calcinha, eu não tenho sandalha. (SAJ-S, Inf. 12)

(139) Ô... ô eu me enquadro nessa parte, ô eu fico de fora. (SAJ-R, Inf. 05)

c) sujeito humano experienciador

(140) “Ah, você vai vê, você vai se arrependê” (SAJ-S, Inf. 08)

d) sujeito humano possuidor/recipiente

(142) Amanhã ô depois que ele achá um trabalho.. que ele achá... que ele vai ganhá, pode sê cento e cinquenta... duzento reais, que ele ‘tá é parado. (SAJ-S, Inf. 07)

(143) É poque se acontecê pegá, a gente já ‘tá com [a associação]. (SAJ-R INF 05)

e) sujeito animado não-humano agentivo

(144) O verda... o tatu verdadêro desapareceu, num vai vim. (SAJ-R Inf. 09)

(145) Coloquei alpiste pro pássaro, mas acho que ele não vem. (exemplo hipotético)

f) sujeito animado não-humano experienciador

(146) O cão vai sentir muita dor se for castrado sem anestesia. (exemplo hipotético) (147) Meu gato faz três anos nesta semana. (exemplo hipotético)

g) sujeito animado não-humano possuidor/recipiente

(148) Amanhã, aqueles poodles vão receber o prêmio no concurso de beleza canino. (exemplo hipotético)

(149) Pelo que eu estou vendo, amanhã aqueles poodles recebem o prêmio no concurso de beleza canino. (exemplo hipotético)

h) sujeito animado não-humano paciente

(150) Os animais serão apreendidos pelo IBAMA. (exemplo hipotético) (151) Os animais? Se apreendem amanhã. (exemplo hipotético)

i) sujeito abstrato21 agentivo

(152) Toma, eu vô botá lá pá vê, senão esse povo vai chegá e a comida num cozinhô. (SAJ-R, Inf. 06 reserva)

(153) Se eu saí aqui, pedi um real, aqui ninguém me dá! (SAJ-S, Inf. 03)

j) sujeito abstrato paciente

(154) Se [os agricultores] num tivé organizado assim como uma associação, (...) aí vai

ficá de fora. (SAJ-R, Inf. 05)

(155) Quem num se enquadrá nessa parte aí, fica de fora. (SAJ-R, Inf. 05)

k) sujeito abstrato experienciador

(156) Se eu chegá ali pegá um umbu (...),aí todo mundo vai sabê qu’eu robei! (SAJ-S, Inf. 03)

(157) Com um simples telefonema, em cinco minutos, todo mundo já sabe o que aconteceu aqui agora. (exemplo hipotético)

l) sujeito abstrato possuidor/recipiente

(158) Não, isso aí... aconteceno isso, vai tê... todos viverista vai tê uma... uma garantia... (SAJ-R, Inf. 05)

(159) Quem adquirir um seguro tem garantia em caso de sinistro. (exemplo hipotético)

m) sujeito inanimado paciente

(160) Esse motô vai sê de... devolvido lá pa... pra o pessoal da [casa] (SAJ-R, Inf. 05)

21 Conforme especificado no capítulo dos fundamentos teórico-metodológicos, o sujeito abstrato refere-se a nomes coletivos com o traço [+humano], mesmo sendo um substantivo classificado como comum, conforme página 50.

(161) São João a gente fage! Vai entrá uma verba maior pra gente trabaiá; a roça

chega, né? São João eu faço! (SAJ-R, Inf. 01)

Os resultados numéricos desse cruzamento aparecem no quadro a seguir:

Tabela 20: Frequência da perífrase - ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Animacidade do

sujeito’

Fatores Ocorrências/

Total de ocorrências

Percentuais

sujeito abstrato agente 26/32 81,2%

sujeito abstrato experienciador 9/9 100%

sujeito abstrato paciente 5/6 83,3%

sujeito abstrato possuidor/recipiente 3/3 100%

sujeito animado não-humano agente 7/7 100%

sujeito animado não-humano experienciador Não houve ocorrências sujeito animado não-humano paciente Não houve ocorrências sujeito animado não-humano possuidor/recipiente Não houve ocorrências

sujeito humano agente 263/353 74,5%

sujeito humano experienciador 33/37 89,2%

sujeito humano paciente 18/19 94,7%

sujeito humano possuidor/recipiente 23/24 95,8%

sujeito inanimado paciente 52/54 96,3%

A partir desses resultados, foram tomadas as seguintes decisões metodológicas para rodada estatística: (i) a exclusão dos fatores <Sujeito inanimado paciente>, <sujeito humano

possuidor/recipiente> por conta de seu uso quase categórico com a perífrase, e do fator <sujeito animado não-humano agentivo>, por conta de seu uso categórico com a perífrase; e (ii) a exclusão dos fatores <sujeito abstrato paciente>, <sujeito abstrato experienciador> e <sujeito abstrato possuidor/recipiente>, considerando o baixo número de ocorrências.

A rodada estatística apresentou os seguintes resultados:

Tabela 21: Uso da perífrase – ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Animacidade do

sujeito’

Fatores Ocorrências/

Total de ocorrências

Percentuais Pesos relativos

sujeito humano agente 289/385 75,1% 0.45

sujeito humano experienciador 42/46 91,3% 0.58

sujeito humano paciente 23/25 92,0% 0.93

sujeito abstrato agente 26/32 81,2% 0.62

Input = 0.878 Log likelihood = -131.018 Nível de significância = 0.033

O <Sujeito humano experienciador> favorece o uso dessa forma, com peso relativo de 0.58. Como favorecedores do uso da perífrase de futuro aparecem também o <Sujeito abstrato agente>, com peso relativo de 0.62, e o <Sujeito humano paciente>, com peso relativo de 0.93, que se firma como o grande favorecedor da forma perifrástica. O <Sujeito humano agente> aparece como o tipo que menos seleciona a forma perifrástica de futuro, com um peso relativo de 0.45.

Considerando os fatores que foram excluídos da rodada estatística por seu uso categórico ou quase categórico, com uma quantidade de dados a partir de 15 ocorrências, podemos inferir a existência de um continuum de favorecimento da perífrase a partir do traço [agentividade]:

Figura 2: Continuum de seleção da perífrase – animacidade/agentividade + animado humano agente humano experienciador abstrato agente humano paciente humano possuidor/ recipiente inanimado paciente - animado + agentivo 75,1% 0.45 91,3% 0.58 81,2% 0.62 92,0% 0.93 95,8% - 96,3% - - agentivo

O traço [animacidade] é importante na seleção das formas de futuridade verbal nesta comunidade, mas o traço [agentividade] se firma como seu definidor: ou seja, entre um traço e outro, o papel temático do sujeito é que seleciona a forma de futuridade verbal.

Há uma polarização entre o papel de agente e o de paciente, mas o papel de experienciador se interpõe àqueles dois no continuum. Por isso, foi feita outra rodada em que os papéis temáticos de experienciador e possuidor/recipiente foram amalgamados ao de paciente. O primeiro em função das observações de Franchi e Cançado (2003, p. 36) de que esse papel temático não é relevante para uma teoria da gramática, por conta de sua limitação aos verbos psicológicos, e de seu peso relativo favorecedor ao uso da perífrase; o segundo, por conta de sua frequência tão favorecedora à perífrase quanto o sujeito paciente. Os resultados são os seguintes:

Tabela 22: Uso da perífrase – ‘Papel temático do sujeito’ (agente/paciente) com

‘Animacidade do sujeito’

Fatores Ocorrências/

Total de ocorrências

Percentuais Pesos relativos

sujeito humano agente 263/353 74,5% 0.42

sujeito humano paciente 74/80 92,5% 0.73

sujeito animado não-humano agente 07/07 100% -

sujeito abstrato agente 26/32 81,2% 0.52

sujeito abstrato paciente 17/18 94,4% 0.84

sujeito inanimado paciente 52/54 96,3% -

Esses resultados demonstram mais claramente a hierarquia entre a [animacidade] e a [agentividade] na seleção das formas de futuridade verbal na comunidade linguística de Santo Antônio de Jesus, em que um sujeito humano agente condiciona mais a forma de presente do que a forma perifrástica, o que fortalece a hipótese de que aquela forma indica mais certeza quanto à realização futura do estado de coisas expresso pelo verbo.

O continuum a seguir permite visualizar melhor a relação entre os traços [animacidade] / [agentividade] e o sujeito para a seleção das formas de futuridade verbal, em que, quanto mais à direita, o sujeito falante opta pela forma perifrástica; quanto mais à esquerda, opta pelo presente:

Figura 3: Continuum de seleção da perífrase - animacidade/agentividade polarizada

+ animado humano agente abstrato agente paciente humano paciente abstrato inanimado paciente - animado + agentivo 74,5% 0.42 81,2% 0.52 92,5% 0.73 94,4% 0.84 96,3% - - agentivo

4.3.4.2 ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Pessoa gramatical do sujeito’

A partir dos resultados anteriores, postulamos a oposição entre um sujeito falante (EU ou P1) e os outros (Não-EU ou P2/P3) em relação ao papel temático, para verificarmos se esse

continuum polarizado (agente versus paciente) se aplica aos dados de Santo Antônio de Jesus.

Esse cruzamento teve todas as suas células preenchidas, o que pode indicar maior confiabilidade nos resultados (GUY; ZILLES, 2007, p. 52-57), apesar de duas células possuírem menos de 15 (quinze) dados.

Na Tabela 23, a seguir, pode-se perceber que houve baixo número de ocorrências com o fator <Sujeito EU paciente>, apenas 8 (oito) dados, sendo 7 (sete) com a forma perifrástica;

deu-se o mesmo fato com o fator <Sujeito EU possuidor/recipiente>, com apenas 9 (nove) dados, sendo 8 (oito) também com a perífrase de futuro. Além disso, não ocorreu variação com o fator <Sujeito Não-EU possuidor/recipiente>, cujas 18 (dezoito) ocorrências tinham a forma perifrástica. Todos esses três fatores foram excluídos da rodada estatística. O grupo foi selecionado como estatisticamente relevante, apresentando os seguintes resultados:

Tabela 23: Perífrase em relação ao ‘Papel temático do sujeito’ com ‘Pessoa

gramatical do sujeito’ Fatores Ocorrências/ Total de ocorrências Percentuais sujeito EU agente 198/274 72,3% 0.45 sujeito EU paciente 07/08 87,5% - sujeito EU experienciador 22/23 95,7% - sujeito EU possuidor/recipiente 08/09 88,9% -

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