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Romances os inícios dos relacionamentos

5 INTERPRETANDO “VERDADES”: PENSANDO O CRIME E O

5.1 Romances os inícios dos relacionamentos

Antes de restringir os relacionamentos de Flor, Elis, Chico e Antônio a crimes passionais, é relevante ressaltar o início de seus namoros, os sentimentos e expectativas que os envolviam quando a possibilidade do homicídio ainda era desconhecida. É importante advertir que em casos que envolvem homicídios, rememorar a fase conflituosa do relacionamento parece ser a opção mais fácil de ser verbalizada. Foi isso que percebi ao realizar as entrevistas. Tanto nos casos masculinos, como nos femininos, havia uma maior facilidade de falar das brigas e desentendimentos do casal do que do período em que as lembranças eram envoltas de cumplicidade e carinho. Em todos os casos tive que perguntar diretamente sobre como o casal havia se conhecido e quais as características do início do namoro. Deste modo, se anunciava uma maior disponibilidade ou espontaneidade em se mencionar os aspectos

negativos do envolvimento afetivo e menor estímulo em se falar dos “bons momentos”. Apesar dessa “dificuldade”, acho interessante enfatizar a fase inicial desses relacionamentos, de modo a melhor perceber as quebras de expectativas e as brigas que se seguiram no momento anterior ao crime.

Especificamente no caso de Chico, devemos nos ater a não um, mas dois começos de relacionamentos, inicialmente com sua esposa e depois com sua amante. Ao falar do primeiro, ele o representa como um namoro inocente vivenciado na escola, onde se deram os primeiros olhares, a “paquera”. Um dado que merece destaque é a ênfase que Chico dá ao falar que um dos pontos que uniu o casal foi a vontade de construir uma vida que efetivamente fosse deles, sem a interferência de mais ninguém. Ele indica o namoro como uma possibilidade de dar novos significados ao ato de viver em família. Tratava-se de duas pessoas que ansiavam em ter seu espaço, sua casa, ele por sempre ter habitado o domicílio de outras pessoas (mãe, irmãos, amigos) e ela por estar vivendo numa conjuntura familiar que não era sua (morava na casa da família para quem trabalhava exercendo a função de doméstica).

Nesse sentido, o que os aproxima (além da atração física) é a característica comum de não se sentirem próximos a ninguém, percebendo um ao outro com a possibilidade de uma nova etapa na vida, de apoio mútuo e dedicação. É a partir desta identificação que o casal passa a morar junto e, posteriormente, ter filhos. Segundo Chico, o início do casamento é tranquilo. Enquanto ele era encarregado de trabalhar e suprir as necessidades financeiras, à esposa cabia a tarefa de se dedicar às atividades domésticas, que incluíam o gerenciamento da casa e cuidados com os filhos e marido. É interessante notar que Chico ressalta o início do relacionamento como uma época em que seu esforço profissional se intensifica, sendo recompensado com a aquisição de novos e melhores imóveis.

Passados mais de dez anos, o casamento passa por momentos difíceis e Chico inicia um novo relacionamento. Desta vez, as razões apresentadas para a aproximação do casal se diferenciam da primeira experiência. Se com sua esposa o vínculo foi estimulado pela vontade de iniciarem uma vida

independente, com a namorada/amante o interesse surge do compartilhamento de desilusões amorosas. Eram um homem e uma mulher que estavam passando por términos de longos relacionamentos e que se identificavam através de queixas e carências. Um vê no outro a possibilidade de um novo começo, de superar as adversidades passadas e redescobrir a cumplicidade e o carinho. Mais do que atração física, é ressaltada a disponibilidade de escuta e de compreensão da nova namorada como características que haviam sido destituídas da antiga esposa.

Para Antônio, os estímulos são outros. A atração pela namorada surge como possibilidade de reatar o namoro juvenil dos tempos de escola, onde eles tinham se conhecido e experimentado um romance passageiro. Ao reencontrá- la, Antônio rememora os sentimentos exalados pelo relacionamento com sua “primeira namoradinha” e retoma o contato com ela.

Outro ponto destacado por ele, além da vontade de (re)experimentar as sensações vivenciadas no primeiro namoro, foi a identificação que ele sentiu ao perceber que a antiga menina, que frequentava as mesmas aulas que ele, havia se dedicado aos estudos e sido aprovada na Universidade Federal do Ceará e Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Ceará. O universo acadêmico serve como elemento atrativo capaz de reacender antigos interesses e gerar novas identificações, conversas e admiração. Apesar de serem antigos conhecidos, as novas responsabilidades fazem com que eles sintam curiosidade em saber as modificações de vida pelas quais cada um passou, os novos objetivos e metas. O estímulo para reatar o namoro surge da possibilidade de se reconhecerem, agora como homem e mulher e não mais dois adolescentes.

Antônio foi um dos que mais demonstrou dificuldades em rememorar a fase inicial do relacionamento. Ele aparentava ter mais facilidade em falar dos aspectos conflituosos da relação, ao mesmo tempo em que remoía o passado, pensando como teria sido sua vida se ele não a tivesse reencontrado, se não tivesse pegado a mesma topic que ela naquela manhã em que ele estava atrasado para a aula.

Flor foi a que mais demonstrou intensidade ao falar de sua antiga companheira. Para ela, o início do namoro foi maravilhoso, havendo muita felicidade e cumplicidade entre as duas. Ela apresenta seu envolvimento com a namorada como uma “paixão doida”, marcada por uma forte atração sexual e comprometimento afetivo. Apesar de não deixar claro o período de tempo exato, elas passam a morar juntas logo que se conhecem, em questão de poucas semanas.

Segundo Flor, mesmo no início do romance, a relação mantinha um nível desigual de comprometimento. Na sua percepção, o seu amor e sua dedicação sempre foram maiores e mais intensos que os de sua amada. Assim, mesmo ainda vivenciando a felicidade decorrente da primeira etapa do relacionamento, Flor cultiva a sensação de que a namorada não a amava o suficiente e que poderia voltar a sentir atração por homens. O fato de Flor ser a primeira mulher com a qual a namorada tinha se envolvido a deixava insegura. Entretanto, essas questões são abafadas em meio à exaltação do prazer que Flor sentia ao estar vivendo uma paixão avassaladora, em que estar perto da namorada não era visto como um querer, mas como uma necessidade.

Desejando propiciar as melhores possibilidades financeiras para a amada, Flor passa a se dedicar a assaltos. Usando os seus termos, ela roubava para sustentar a sua mulher. Tal fato se faz relevante não por diferenciá-la em seu aspecto profissional, mas pelo fato dela destacar a atividade como um modo de expressar a importância que dava ao seu relacionamento. O ato de roubar não era significado em sua fala como um simples ato cotidiano em busca de recursos econômicos, mas como uma demonstração de amor, em que se arriscava para possibilitar uma vida confortável para a mulher amada.

Elis apresenta o início de seu relacionamento como uma possibilidade de ser feliz após tantas desilusões amorosas. O surgimento de um rapaz que lhe atrai fisicamente, mas que também expressa o desejo de “construir uma vida” faz com ela o perceba como um homem companheiro. Para ela, mais do

que a expectativa de um amor romântico, era priorizada a possibilidade de dividir as dificuldades da vida com uma pessoa que se dispunha a estar ao seu lado. A dedicação do namorado ao trabalho faz com que ela o perceba como essa pessoa. Assim, o início do relacionamento é valorizado como uma época boa em que, além de receber carinho, o peso das responsabilidades era dividido com um homem que se importava com ela e que se dedicava ao relacionamento do mesmo modo e intensidade.

Elis também se dedicou pouco a descrever a fase inicial do romance. Tão logo fazia um breve elogio, já dizia que a felicidade tinha durado pouco e começava a se debruçar sobre os aspectos do relacionamento que a incomodavam. Mesmo quando tentava lembrar e falar dos momentos agradáveis, ela o fazia com desânimo, demonstrando que preferia não comentar sobre o assunto, como se fosse ruim lembrar-se dos momentos em que eles viveram juntos.