• Nenhum resultado encontrado

4 CRITÉRIOS PARA UMA PEDAGOGIA DA HOSPITALIDADE A PARTIR DO

4.3 ROSTO

Considerando a alteridade no patamar das relações sociais e manifestações epistemológicas, a relação pessoal, segundo a proposta levinasiana, assume a fisionomia do olhar e do rosto, que para o autor lituano, como visto anteriormente, o olhar, de forma geral é invasivo, dominador e exerce um poder sobre os outros, enquanto que o rosto é expressivo, desvelador e exige um acolhimento. O rosto vai manifestando a pessoa para inaugurar outro tipo de relação, não com base na observação, mas na revelação. Segundo Levinas (2013, p. 176), o rosto “[...] recusa- se à posse, aos meus poderes”. O rosto é, portanto, sua própria manifestação, ou seja, a epifania que se apresenta de forma livre e gratuita.

Deste modo, na sua epifania, na expressão, o sensível ainda captável, segundo Levinas (2013, p. 176) “[...] transmuda-se em resistência total à apreensão [...]” e com base neste critério, o rosto, pela sua nudez, revela o desejo de ser acolhido e respeitado, e jamais ser possuído e dominado, possibilitando compreender a hospitalidade a partir do rosto.

A relação proposta por Levinas (1997, 2008, 2009, 2013) entre o eu e o outro só seria possível a partir de uma relação face a face, pois no momento em que o eu está frente ao outro, a ética da responsabilidade é instalada, portanto, a pergunta

sem resposta de Caim ao Senhor: “Por acaso sou guarda do meu irmão?” (Gn 4,9), ecoa em todas as relações humanas, inclusive na ação educativa.

O processo educativo pautado pelo rosto poderá produzir encontros entre docentes e discentes e, ao invés de ser dominado pelo olhar, como afirma Costa (2000), agora passaria a ser compreensivo, aberto, dinâmico e cativante, pois permitirá acontecer a delícia do diálogo como atestou Buber (2014). Portanto, a educação, utilizando o critério do rosto, seria vislumbrada pela característica principal do encontro sem preconceitos.

O docente que busca evidenciar esta categoria poderá sentir o gosto de perceber que cada instituição, sala de aula, ou mesmo, cada aluno em especial, possuem sua especialidade, sua dinâmica e identidade, o que não é ocasião para assustar o professor, mas de tornar-se cativante o modo de ensinar e aprender, visto que, ao valorizar suas diferenças, além do processo educativo se tornar mais leve e suave, poderia ainda tornar mais agradável, tanto para o docente, quanto para o discente, que perceberão que é nas diferenças que se constroem o conhecimento.

Nesta obliquidade compreensiva do rosto, não se poderia relacionar com o outro tendo como fundamento a base da troca, do escambo, mas a partir de uma gratuidade assimétrica, sendo essa relação desinteressada que permitirá a presença do outro. Deste mesmo modo, Ribeiro Junior (2008, p. 334), faz um nexo entre esta responsabilidade, de modo desinteressado ao infinito, dizendo: “[...] a responsabilidade é indissociável da ideia do infinito, que vem ao pensamento pela afecção do rosto do outro [...]”.

Associando a compreensão do rosto à ideia de uma pedagogia da hospitalidade, Síveres e Melo (2012) colabora dizendo que hospitalidade significa abrir a morada, ou seja, atitude de oferecer ao outro um lugar de cortesia, de responsabilidade e bondade, sendo este o lugar de acolhimento, de ser ambiente de descanso, refúgio, alimento, ajuda e conforto, portanto, a hospitalidade deveria ser sem reservas ou de desconfiança, aonde o eu e o outro se sentiriam seguros, acolhidos na casa, na vida e na história. Por isso, vale ressaltar que no processo educativo a categoria do rosto poderá beneficiar não só o docente e o discente enquanto pessoa, mas colaborar de forma significativa na complexidade do exercício da cidadania de ambos.

Portanto, a hospitalidade a partir do rosto cria relações éticas, na linha horizontal, sendo que o acolhimento não ocorreria apenas de uma parte, mas entre todos os sujeitos que se entrelaçam num abrigo perfeito, sem perdas de identidades ou inversões de papeis no processo educativo.

De outro modo, poderia se afirmar que a partir desta categoria, a hospitalidade poderá acontecer efetivamente na educação quando romper a relação totalitária de posse do eu em relação ao outro, uma vez que este não poderá ser englobado, uma vez que é transbordante e certamente, ao invés de um eu egoísta pronto para saciar seus próprios desejos, estaria inteiramente pronto para participar da realização com o outro.

É ainda na relação a partir do rosto, que a hospitalidade tornaria possível e Levinas (1997), ressalta a importância da nudez deste rosto no processo de desenraizamento do contexto do mundo e o modo como a hospitalidade deveria ser compreendida seria na epifania do rosto, de forma incondicional, critério de um acolhimento não-tematizado, implicando uma infinitude como possibilidade de condição para uma alteridade.

A hospitalidade, compreendida a partir da desconstrução é apresentada como um direito moral, um dever de um homem sobre outro homem, assim sendo, seria incondicional quando o professor se permite ir ao encontro do estudante, acolhendo- o sem reservas. Este encontro de sujeitos é ato de generosidade do eu para com o outro, fruto de uma assimetria, de um desejo desinteressado, seria exatamente neste encontro que aconteceria a autêntica identidade, tanto do docente, quanto do discente.

Corroborando com este entendimento, Derrida (2003) pensa a hospitalidade numa relação que não implica condições, um acolhimento incondicional do outro que chega não-dialetizável, de total abertura. Ao tratar do sentido etimológico, o autor em outro momento (2007), afirma que hospitalidade vem do latim hospes, formado de

hostis (estranho), que tanto pode significar o inimigo estranho (hostilis) ou

estrangeiro que, ora é reconhecido como hóspede (hôte), ora como inimigo.

Derrida (2007) parece induzir que, ao hospedar, o hospedeiro se torna refém, pois é acolhido pela visitação do outro, portanto, embora a hospitalidade deva ser incondicional, por outro lado, há certos critérios a serem obedecidos tanto pelo

hóspede, quanto pelo hospedeiro. Neste ponto é interessante apresentar o entendimento de Levinas:

Ausência de pátria comum faz do Outro o Estrangeiro; o Estrangeiro quer dizer também o livre. Sobre ele não possuo poder, porquanto escapa ao meu domínio num aspecto essencial, mesmo que eu disponha dele: é que ele não está inteiramente no meu lugar (LEVINAS, 2013, p. 25).

Aqui parece ter uma contradição lógica no pensamento de Derrida (2003), em relação ao pensamento de Levinas (1997, 2008, 2009, 2013), pois parece aceitar uma hospitalidade incondicional, não obstante, se assim o fosse, o nome, por exemplo, daquele que chega, não teria nenhuma necessidade, no entanto, segundo o autor, para se ter um certo direito à hospitalidade, é necessário que aquele que chega se identifique respondendo a pergunta: Qual o teu nome?

A compreensão de Derrida acerca da hospitalidade está inserida no modo como Kant (2010), denomina razão prática. A hospitalidade deste filósofo alemão implica uma relação com o outro que apenas poderia ser compreendida a partir do aspecto moral e, neste sentido, a relação de hospitalidade vista a partir da ótica desse autor, é o caminho para a paz, contudo, não se trata tão somente da paz no mundo, mas da paz que a hospitalidade causa no eu e no outro.

Depois desta revisão da literatura acerca das três categorias, será apresentada, de forma mais integrada, a pedagogia da hospitalidade no processo educativo, no entanto, apontando o modo como o infinito, o dizer e o rosto, poderiam colaborar na elaboração do sentido da vida, com a aprendizagem e com o exercício da cidadania.

5 A PEDAGOGIA DA HOSPITALIDADE NO PROCESSO EDUCATIVO

Está se desenvolvendo neste trabalho, a ideia de uma grande categoria: hospitalidade e educação, com três subcategorias, correlacionando: o sentido da vida com o Infinito; a aprendizagem, com o dizer e, o exercício da cidadania, com o rosto. Através desta divisão pedagógica, acredita-se que será possível unir a proposta de Levinas com sua perspectiva sobre alteridade, com a pedagogia da hospitalidade.

De acordo com Morin (2012), o processo educativo deve colaborar eficazmente para o desenvolvimento do espírito problematizador, portanto, deveria ser aberta para os grandes problemas da condição humana. Para isso, busca-se apontar, dentre outros, três situações que o processo educativo deveria oferecer na sua base reflexiva e prática: elaboração do sentido da vida, aprendizagem e o exercício da cidadania. Essa tríade será o sustentáculo para que ocorra realmente o processo educativo, nos moldes como se está sendo refletido.

No itinerário proposto nas três subcategorias, para a vivência da pedagogia da hospitalidade, será possível descentrar o Eu em busca de uma identidade dos sujeitos, numa relação ética com o outro, capaz de percebê-lo totalmente diferente do eu, dentro de um dinamismo de diversidade, portanto, nas subcategorias, a presença do professor seria provocadora de uma relação aberta, compreensiva e não apreensiva, onde o docente é que dependeria do estudante, e não o contrário.

Compreende-se que o sentido da vida é o primeiro passo que o processo educativo deveria favorecer ao sujeito, posteriormente, a aprendizagem como algo que não poderia ser perdido enquanto conteúdo e, por fim, o exercício da cidadania como o espaço em que o sujeito se abriria para o encontro, dentro de um desejo desinteressado, em relação a outros sujeitos livres, em vista de uma transformação social (LEVINAS, 2013).

Documentos relacionados