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CAPÍTULO 4 – RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 Roteiro de perguntas e participantes da entrevista

As análises desenvolvidas nesta seção procedem do roteiro de entrevista e dos discursos dos sujeitos entrevistados ao serem questionados sobre etapas da vivência ao se descobrirem com câncer. Como já esclarecido na seção de Considerações Metodológicas, as perguntas foram elaboradas pela psico- oncologista do Instituto Oncoguia e têm por objetivo revelar as experiências do paciente com câncer em etapas, a partir do diagnóstico da doença. Na troca de experiências participam pacientes, familiares de pacientes, especialistas em câncer, leitores do portal e interessados no assunto. Nessa situação dialógica, a linguagem verbal escrita apresenta papel constitutivo na troca de informações, estabelecendo um processo de compartilhamento de experiências através de um suporte virtual, o portal Oncoguia.

O gênero discursivo que instancia os discursos dos depoentes classifica-se como secundário ou complexo que, conforme Bakhtin (2010), são gêneros que incorporam e reelaboram os primários, ligados à oralidade, para que sejam utilizados em circunstâncias de comunicação cultural mais complexas. É o caso do gênero entrevista, que foi reelaborado para atuar socialmente (DEVITT, 2004; MILLER, 2009) pelo meio escrito, distanciando-se das práticas orais e cumprindo funções sociais pelo canal gráfico. Os textos analisados são estruturados em entrevistas, um

gênero polissêmico e multifuncional, no modelo pergunta-e-resposta (LAGE, 2008; SILVA, 2009). Nesse contexto de uso, a entrevista atua com aspecto humanístico, cumprindo a função social de compartilhamento de experiências (CAPUTO, 2006; MEDINA, 2008; SILVA 2009). Além disso, tal gênero permite que o pesquisador se aproxime de uma realidade, utilizando para isso perguntas dirigidas a um ou mais indivíduos (CAPUTO, 2006). Também é uma forma de ação social que “age quebrando isolamentos grupais, individuais e sociais, podendo servir inclusive à pluralização das vozes” (MEDINA, 2008, p. 8). Com essa estratégia discursiva, o portal Oncoguia coleta os depoimentos desses experienciadores: são questionamentos elaborados, tendo em vista as etapas da experiência, desde o descobrimento até a vida pós-câncer, direcionados para diversas pessoas com vivências distintas.

Partindo para o teor valorativo e analítico do gênero entrevista, de acordo com os estudos teóricos apresentados por Lage (2008), Silva (2009) e Medina (2008), os quais foram apresentados ao longo da Revisão Bibliográfica desta pesquisa, classificamos as entrevistas do corpus de análise como Testemunhais (LAGE, 2008; SILVA, 2009) tendo em vista o caráter pessoal e não especializado desses textos. Nesse sentido, podemos nos embasar no contexto em que os discursos se inserem, tendo como entrevistados pessoas comuns, sem especialização na área que falam, apresentando a experiência empírica como forma de conhecimento a ser compartilhado. Não podemos nos esquecer da temática da entrevista, em que é trazido um assunto de interesse atual e coletivo: o câncer.

33 “Tento conviver com a certeza de que estou morrendo, mas estou lutando. Há um monte de quimioterapia a ser feita (fiz apenas a primeira sessão internado num hospital por 3 dias) e daqui a mais 3 dias recomeço a segunda sessão e eu vou à luta ...”

E#3

Uma das políticas do Oncoguia (www.oncoguia.com.br) é que os pacientes consigam falar sobre a doença de uma maneira espontânea e natural, tornando a informação uma aliada nessa experiência. Por isso, além de abordar temas como direitos do paciente com câncer, qualidade de vida, prevenção e tratamentos, o Oncoguia disponibiliza o “Espaço do Paciente”. Dele, servimo-nos de relatos dos

pacientes que desejam tornar suas experiências um discurso público da vivência e do enfrentamento contra o câncer.

No “Espaço do Paciente – Aprendendo com Você” – um dos links do Oncoguia, o qual fomenta a troca de experiências e o diálogo sobre o câncer, há um espaço que privilegia o falar sobre a enfermidade, enfocando os aspectos difíceis, os medos, as angústias e também as lições positivas que ela traz para a vida do experienciador. O Oncoguia disponibiliza em torno de 102 histórias reais que serviram de estímulo para outros pacientes que recebem o diagnóstico do câncer e que serão amparados por saberem que não estão sozinhos nessa luta.

De posse do roteiro das entrevistas, constatamos que algumas delas apresentam um número menor de perguntas que outras. Isso acontece porque alguns questionamentos aparecem condensados, havendo até quatro interrogações em uma mesma pergunta. No entanto, todos os roteiros permitem ao entrevistado falar sobre os mesmos aspectos dessa experiência. A entrevista E#2, por exemplo, apresentou apenas 13 questionamentos, sendo o menor roteiro do corpus. Mas, é possível observar que, na pergunta de número 12, há 4 questionamentos condensados que permitem o detalhamento sobre os aspectos contemplados.

O Quadro 13 apresenta a organização do roteiro da entrevista E#2:

E#2 1. Você poderia se apresentar?

E#2 2. Como foi que você descobriu que estava com câncer?

E#2 3. Como você ficou quando recebeu o diagnóstico? O que sentiu? Qual era a sua maior preocupação?

E#2 4. O que aconteceu depois disso? Você já começou o tratamento?

E#2 5. Em sua opinião, qual é o tratamento mais difícil? Por quê? E#2 6. Você teve efeitos colaterais? Qual o pior?

E#2 7. Como foi a relação com o seu médico?

E#2 8. Com que outro profissional você se relacionou? Você fez acompanhamento psicológico? E com nutricionista?

E#2 9. Você está em tratamento ou já finalizou? E#2 10. Como está a sua vida hoje?

E#2 11. Que orientações você daria para alguém que está recebendo o diagnóstico de câncer hoje?

E#2 12. Mais alguma coisa? Qual a importância da informação durante o tratamento de um câncer? Você buscou se informar? De que maneira?

a nos dar?

Quadro 13 – Roteiro da entrevista E#2

Fonte: Adaptado do portal Oncoguia, Espaço do Paciente

Em contrapartida, as entrevistas com maior número de perguntas individuais são a E#4 e a E#6 todas elas apresentando 21 questionamentos. É interessante observar que, nos roteiros de entrevistas, algumas perguntas são indutivas, isto é, pressupõem as respostas dos entrevistados. Com vistas a isso, destacamos algumas delas que apresentam essa característica: “Qual era a sua maior preocupação?; O que você sentiu?; Qual foi o tratamento mais difícil?”, entre outras. Esses questionamentos, ao iniciarem com o pronome interrogativo “qual/o que”, perguntas do tipo QU (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004), sugerem que tenha havido uma preocupação, uma mudança ou um sentimento, que pode não ter se efetivado, mas que é suscitado. Tal escolha linguística pode direcionar o conteúdo relatado de algumas respostas. Nesse contexto, o questionamento deixaria de ser indutivo se usasse a construção: “Você teve grandes preocupações? Você sentiu alguma coisa? Algum tratamento difícil?” Tal elaboração não pressupõe uma ação anterior, o que permite que o entrevistado seja mais autônomo no seu discurso.

Apesar das possíveis inferências encontradas em algumas das perguntas, o roteiro das entrevistas cumpre o propósito de conduzir os depoimentos e se revela como uma estratégia interrogativa, para controlar, prolongar e trazer ao discurso situações contextuais relevantes da experiência do câncer. Ressaltamos também que, por meio desse roteiro e dessa estratégia de diálogo, o portal Oncoguia cumpre uma de suas missões: o compartilhamento de experiências.

Depois de analisarmos a estrutura composicional de todas as entrevistas (BAKHTIN, 2010, MEURER, 2002), podemos apresentar 5 fases que se distribuem, no total, em 12 subtemas abordados pelas questões. São eles:

1 Conhecendo o paciente reação inicial da paciente frente ao câncer

reações pós-diagnóstico

2 Conhecendo a doença estágios do tratamento e estado atual fases difíceis do tratamento

efeitos colaterais das terapias 3 Compartilhando com a

equipe multiprofissional

relação com os médicos

maior dificuldade do tratamento ajuda mais importante

4 Apresentando o estado atual

vida atual 5 Compartilhando com os

outros pacientes

orientação a outros pacientes importância e busca da informação Quadro 14 – Fases e subtemas das entrevistas

Fonte: Elaborado pela autora a partir do Portal Oncoguia

As entrevistas são organizadas pela psico-oncologista de modo a cumprir etapas, a que chamamos de fases: inicialmente é feita a apresentação do paciente aos leitores e lhe é solicitado falar sobre o diagnóstico e as reações iniciais. Logo após, o paciente relata sobre etapas e procedimentos de tratamento, enfatizando as reações físicas e psicológicas. Em seguida, o relato versa sobre a interação do paciente com a equipe médica, sobre a visita a outros profissionais e situações difíceis do tratamento. Depois disso, a entrevista busca conhecer a rotina atual do paciente, tratando das relações cotidianas no convívio com a enfermidade. Por fim, os relatos apresentam conselhos e dicas a outros pacientes e internautas do portal, além de enfatizar a relevância de buscar informação.

Todos os 12 subtemas mencionados são possíveis de serem presenciados em todas as entrevistas, tendo em vista que as perguntas são muito semelhantes, quando não, iguais. Nesse sentido, podemos afirmar que o propósito de compartilhar experiências é cumprido, apresentando-se, em todas as entrevistas, um rico detalhamento das vivências individuais.

Isso posto, entendemos que a troca de experiências proporcionada pelo Oncoguia servem de exemplo e de motivação para quem tem o câncer diagnosticado e enfrenta os primeiros momentos dessa fase da vida. Ao oferecer a leitura de discursos alheios, o Portal passa a exercer uma função pedagógica – a de compartilhar experiências e aliviar o sofrimento das pessoas com câncer.

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