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CAPÍTULO 2 – O PALHAÇO E SEUS ELEMENTOS

2.7 Roupas, maquiagem e nariz

Vimos a importância que o corpo tem para o palhaço e como este manifesta o grotesco através de suas próprias características individuais somadas à composição tradicional do personagem. Os elementos visuais que compõem o tipo clássico de palhaço, embora não sejam determinantes para todos, representam uma “comunicação” com o público. Entre estes elementos estão as roupas, a maquiagem e o nariz. Para Albino,

o palhaço tem a liberdade de forjar a deformidade pelas vestes e maquiagem, distanciando-se da noção de anormalidade como estigma, fazendo um uso autônomo do disforme. O palhaço aproxima-se da noção de disforme ainda pelo jogo e por seu corpo metaforicamente aberto, mimético. Ele é aquele que pode produzir o caos, transitar para além das fronteiras do humano, penetrar o mundo confundindo o público, surpreendendo-o. Permite pensar assim a noção de deformidade para além do corpo: como uma supressão da harmonia, uma perda das referências, uma confusão do previsto/esperado, rompendo uma dinâmica habitual (2014, p. 30).

Segundo a autora, toda a composição visual do personagem simboliza uma deformidade, ou seja, um modo de ser anormal que dá ao palhaço liberdade para fazer e agir de forma livre, conseguida pela simbolização do seu corpo aberto. Albino chama atenção para o caráter mimético explorado pelo corpo clownesco. Essa mimese corresponde a uma manipulação da imagem para que este se aparente disforme, deslocado, facilitando a

comunicação visual do palhaço ao preparar a plateia para as brincadeiras que está prestes a fazer.

As roupas comunicam o caos que ele representa, uma composição caótica forjada que remete ao disforme dos bufões, ao ridículo do não saber vestir-se ou da acentuação de detalhes pessoais do palhaço como sua altura ou largura. Segundo Albino, o figurino

faz parte da caracterização do palhaço. Trata-se de uma marca de inadequação que ele porta, em função do tamanho das vestes despropositadas ou/e das combinações de cores e acessórios algo esdrúxulas. (...). O uso de roupas em tamanhos desproporcionais, mas sem deixar de ter relação com o cotidiano, se desenvolveu amplamente na idade de ouro desta arte (do final do século XIX até o período entre Guerras) e segue assim, ainda que de forma mais discreta, como motivo em torno do qual o artista compõe seu figurino (2014, p. 74).

Além do exagero ocasionado pela desproporção do vestir, há outro caráter que é o de evidenciar o próprio ridículo. Esse recurso é principalmente utilizado pelos clowns de teatro, compondo uma espécie de caricatura de si mesmo:

uma palhaça gordinha geralmente usa roupas muito apertadas – a lógica do palhaço não se aplica ao que é adequado, mas ao que lhe parece bonito: como roupas justas são bonitas, a gordinha não percebe que seria mais adequado usar um modelo feito para o seu tamanho real! O alto, por exemplo, usa chapéus compridos ou calças curtas que não chegam até os sapatos, o que acaba evidenciando mais ainda sua altura. (...) O ator inteligente por trás da máscara aproveita para evidenciar alguma característica corporal para apontar alguma desproporção ou distorção, indo além da harmonia superficial da forma adequada de se vestir (PIRES, 2010, p. 19).

As roupas do palhaço apontam, portanto, para uma desproporcionalidade ao se vestir. Ou são grandes ou pequenas demais, podendo ser também coloridas, antigas ou simplesmente estranhas. O formato das roupas grandes popularizados por Fratellini nos faz lembrar uma criança ao provar as roupas dos pais, o que contribui ainda mais para seu “deslocamento” na condição de adulto atípico.

Já quanto a maquiagem, os palhaços tradicionais de circo tendem a tê-las mais exageradas evidenciando, principalmente, os olhos e a boca. Isso pode ser visto a partir da perspectiva da quantidade de público. Segundo Thebas,

os palhaços de circo podem ter enormes plateias às sua espera. E põe enormes nisso! Alguns circos têm capacidade para mil, 2 mil pessoas! Para poderem ser ouvidos e vistos por todos é que esses palhaços falam tão alto, usam roupas tão coloridas e maquiagem tão forte. Com os palhaços de teatro costuma acontecer o contrário. Embora existam teatros enormes por aí, na maioria das vezes eles se apresentam para trinta, cinquenta, cem espectadores apenas. Ou seja, muito menos gente que o circo. O resultado disso é que os palhaços de teatro não precisam ter uma voz tão

alta, nem usar roupas e maquiagens tão coloridas, pois o público os ouve e vê com mais facilidade (2005, p. 69).

A maquiagem serve também como forma de realçar uma deformação ou apenas alguns detalhes do rosto ou do caráter do personagem, para os que optam por fazê-la de forma mais simples:

Nos casos mais clássicos, em que cobre todo o rosto, ela é a simulação de uma deformação, especialmente da boca. Os olhos também ganham um realce e o nariz é uma bola proeminente e vermelha aí colocada ou pintada, símbolo maior do palhaço. Este tipo de maquiagem, contudo, não é habitual atualmente. Com a ascensão de um tipo de palhaço pessoal, os artistas tendem a maquiar apenas algumas partes do rosto, visando ainda ressaltar boca e olhos ou destacando o quê no rosto pode ajudar a reafirmar o estilo/tipo feito (como a pintura de branco na parte inferior dos olhos, que comumente produz uma aparência de ingenuidade). Em outros casos, salienta-se qualquer pequena deformidade nata, como sobrancelhas grandes, por exemplo. (ALBINO, 2014, p. 74).

O que chama atenção, mais uma vez resgatando Bakhtin (1999, p. 38), é que toda a composição visual do artista visa também a exposição do ridículo e do grotesco, uma vez que a deformidade é “o aspecto essencial do grotesco”.

Por fim, o símbolo maior do palhaço é o nariz vermelho, “a menor máscara do mundo” segundo Burnier (2009, p. 218) que além de também representar a deformação, caracteriza-se como uma possibilidade de negação da própria máscara social para a ação natural interna.

O tema da máscara é afim ao do palhaço, e essa afinidade está para além do fato dele portar uma maquiagem ou um nariz vermelho. Começando pelo mais evidente, a máscara é uma deformação do rosto, que encontra seus primórdios na careta (que a máscara petrificou). O uso da máscara implica desfazer a harmonia do rosto, negando-o, ao mesmo tempo em que propicia a aparição de outro naquele/por meio daquele que a usa (ALBINO, 2014, p. 31).

Para a cultura cômica popular, a máscara possuía grande importância.

O motivo da máscara é mais importante ainda. É o motivo mais complexo, mais carregado de sentido da cultura popular. A máscara traduz a alegria das alternâncias e das reencarnações, a alegre relatividade, a alegre negação de identidade e do sentido único, a negação da coincidência estúpida consigo mesmo; a máscara é a expressão das transferências, das metamorfoses , das violações de fronteiras naturais, da ridicularização, dos apelidos; a máscara encarna o princípio de jogo da vida, está baseada numa peculiar inter-relação da realidade e da imagem, característica das formas mais antigas dos ritos e espetáculos. O complexo simbolismo das máscaras é inesgotável. Basta lembrar que manifestações como a paródia, a caricatura, a careta, as contorções e “macaquices” são derivadas da máscara. É na máscara que se revela com clareza a essência profunda do grotesco (BAKHTIN, 2009, p. 35).

A máscara do palhaço, o nariz, possui um forte poder simbólico comunicador e libertador. Comunicador, pois, seu uso sempre transmite uma informação, tanto pode autorizar determinadas ações que sem o nariz seriam consideradas inapropriadas (como fazer brincadeiras nas ruas, por exemplo) como pode também ser utilizado simbolicamente para outros fins como protestos, por exemplo. Seu sentido libertador diz respeito àquele que o utiliza, ou seja, com o nariz, é possível falar e fazer coisas inusitadas que o símbolo garantirá a mensagem social de que o palhaço é livre para transcender determinadas regras sociais.

Estes símbolos aqui discutidos estão presentes em todos os palhaços dos circos visitados, no entanto, algumas pequenas variações são observadas como no caso das maquiagens. Embora algumas formas de pintar o rosto sejam muito parecidas (como no caso dos Palhaços Tampinha, Gaiolinha e Charmosinho que parecem inspirados na maquiagem de Cheirozinho), os detalhes variam entre rostos totalmente brancos ou não, sobrancelhas pintadas, boca exagerada pelo vermelho ou minimizada, entre outros. Outro detalhe é o nariz que pode ser o de látex preso por uma linha (como o de Carrapixo) ou pintado (como o de Fuxiquinho). As roupas também variam bastante já que se apresentam com figurinos diferentes todos os dias. O que há de comum entre elas é, justamente, o desencontro com os padrões de roupas usualmente utilizadas nas ruas. Embora os palhaços tenham variadas formas de se vestir, o figurino é peça importante para a identidade do palhaço, segundo afirma o Palhaço Taioquinha:

se eu passasse um mês na praça, um mês aqui era trinta roupa que eu vestia ali em cima. Nunca repetia uma. Porque tinha vergonha. Eu, como palhaço, tinha vergonha. Aqui mesmo, eu tenho umas 10 ou 12 roupas de palhaço. Todo dia aqui quando eu danço com a boneca é um, na entrada é outra, pra uma dublagem é outra, sempre modificando pra não ser aquele negócio a mesma coisa. Eu sempre digo a esse filho meu (Gaiolinha): quer ser palhaço? É palhaço. Tá certo, a roupa que você veste? Tudo bem... agora vá no seu estilo. Seja criativo, seja comunicativo. E não imite ninguém.