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4 A FORMAÇÃO DA CIDADANIA NA PERSPECTIVA DE ROUSSEAU

4.2 Rousseau e as bases legais acerca da cidadania

Conforme observamos nos capítulos anteriores, a cidadania sob o olhar de Jean- Jacques Rousseau, demanda, dentre outros aspectos, um processo educacional voltado para a experiência moral e política com objetivo ao pleno exercício dos direitos e deveres de cada indivíduo pertencente à urbe – o cidadão. Tal perspectiva é prevista não apenas no Contrato

Social, mas em todo o conjunto de sua obra. Segundo Dozol (2006, p. 77), no que tange às

responsabilidades do indivíduo, podemos discernir que:

Seria importante perceber o quanto Rousseau, em toda a sua obra, clama pela responsabilidade do homem frente à sua felicidade individual e, sobretudo, social. Esta é aliás, uma característica “ilustrada” que, no autor, passa pela crença na possibilidade de realizar um ideal ético ou moral de convivência social [...] Rousseau nos apresenta um autêntico projeto de cidadania, para qual concorrem a política, a moral e a educação.

De acordo com estas afirmações, o modo pelo qual se aproximam e pelo qual se inserem – na menor das hipóteses – algumas das ideias rousseaunianas sobre a educação na escola pública municipal, especificamente no âmbito de gestão do Ensino Fundamental da Educação Básica, podem ser identificadas quando a LDB propõe “[...] a formação básica do cidadão” descrita no Artigo 32 incisos II, III, IV. (BRASIL, 1996). Ora, a expressão formação

básica do cidadão implica, por extensão, uma educação de base ético-moral como forma de

iniciação política tendo em vista atitudes de „tolerância‟ e „solidariedade‟ por parte do aluno. Considerando que a formação da cidadania tanto em Rousseau quanto na LDB converge necessariamente numa educação moral.

É precisamente com base na expressão formação básica do cidadão, que podemos identificar que tais disposições registradas nos incisos do mesmo artigo, correspondem indiscutivelmente com os pressupostos educacionais, morais e políticos. Corroborando com esta tríplice relação entre a moral, a educação e a política; os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2001, p. 7-8), também delineiam as capacidades objetivadas e projetadas para o aluno matriculado no Ensino Fundamental, quais sejam:

Compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia a dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si mesmo respeito.

Para além da participação integral do indivíduo à coletividade, a LDB propõe, ainda, a formação da cidadania no final do Ensino Básico, conforme estabelecido no Art. 35. Inc. III que especifica a seguinte orientação: “O aprimoramento do educando como uma pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico”. (BRASIL, 1996).

Dentro dessa abordagem de base legal, e, de acordo com tais especificações que resultam na formação do caráter de cidadania, podemos entender, num primeiro momento, que esta formação apresenta menor relação com a ideia de inclusão econômica, relação trabalhista ou de consumo do que com um sentimento de zelo e cuidado pelo outro e também pelos principais âmbitos da experiência coletiva. Segue-se, portanto, que o sentimento de repúdio às injustiças, o respeito e o cuidado para com outro, com a rua, o bairro, a cidade e ao próprio país a que pertence o cidadão, ganham relevância no plano da lei.

Nessa perspectiva, espera-se que o aluno seja capaz de participar coletivamente, exercendo os direitos e deveres, bem como relacionar-se com as pessoas no sentido de superar possíveis conflitos que demandam o direito e a prática da justiça. Nos termos do código, espera-se que o aluno da Educação Básica seja capaz de se relacionar com o espaço público preservando ao máximo a integridade do ambiente do qual participa e onde vivencia suas experiências. Isto é, espera-se que esse cidadão em formação, seja capaz de demonstrar autonomia, preservando sobretudo, sua capacidade de sentir e de perceber a realidade tal

como ela é, ainda que seja por aproximação do real.

Deste modo, consideramos que tanto Rousseau quanto a LDB e os PCNs, convergem no mesmo entendimento de que a moral e a política podem servir de conhecimentos necessários ao exercício da cidadania. Ou seja, conforme fica estabelecido na referida diretriz, “[...] mesmo reconhecendo tratar-se de uma questão polêmica, a resposta dada por estes Parâmetros Curriculares Nacionais é afirmativa: cabe à escola empenhar-se na formação moral de seus alunos”. (BRASIL, 1997, p. 73). Vale ressaltar, porém, que o Ministério da Educação e Cultura – doravante MEC – teve como propósito, indicar e consolidar a partir dos Parâmetros Curriculares, metas de qualidade que auxiliassem o discente ingresso na Educação Básica a enfrentar o mundo atual como cidadão participativo, reflexivo e autônomo dentro da macro organização educacional.

Observamos também que os PCNs elegem e empregam o termo Ética no texto da diretriz, como referência de educação moral do aluno. Ora, nesse aspecto, percebemos que para evitar interpretações que, porventura possam fomentar o dogmatismo moral; o termo

Ética é empregado como referência de educação moral do aluno, suscitando assim, a reflexão

acerca desse padrão de autonomia na coletividade. Identificamos que nos PCNs (BRASIL, 2001, p. 69), “[...] Batizou-se o tema de Ética, embora frequentemente se assuma, aqui, a sinonímia entre as palavras ética e moral e se empregue a expressão clássica na área de educação de „educação moral‟, [estabelecendo] hierarquias entre esses valores para nortear as ações em sociedade”.

Portanto, ao estabelecer a palavra Ética, compreendemos que os PCNs estão abordando sobre a educação moral e política. De acordo com esta ideia, Rousseau (2004), sanciona que a obra Emílio para além de ser um romance, trata-se também, de uma teoria educacional tanto quanto é uma teoria moral e política. Para o mestre genebrino, “[...] é preciso estudar a sociedade pelos homens, e os homens pelas sociedades; quem quiser tratar separadamente a política da moral nada entenderá de nenhuma das duas”. (ROUSSEAU, 2004, p. 325).

Abre-se finalmente o campo para o estabelecimento da relação dialógica entre Rousseau e a LDB a partir dos objetivos elencados quanto à formação do cidadão, e, observadas as bases legais – educacionais – brasileiras, pois formar o cidadão implica uma educação moral e política condizentes com tal objetivo. Assim, não é possível formar o cidadão dissociado das condições de experiência moral e política, pois, esse cidadão precisa, sobretudo, posicionar-se criticamente e de forma responsável para a construção e fortalecimento da coletividade.

Ora, conforme preceitua a Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 2016a), entendemos que a relação entre moral e política não é arbitrária. Isso significa dizer que ainda que não sejam todos os valores morais, pelo menos, muitos deles, dentro da ordem civil, incidem nas prerrogativas das leis, isto é, nos motivos pelos quais são criadas e idealizadas para que sejam obedecidas. Ora, o melhor exemplo de um valor moral e político é a liberdade. Seu aspecto moral se configura quando identifica a dignidade humana, ou seja, o homem é livre. Já o aspecto político identifica-se quando é assegurado em lei o direito a esta liberdade, conforme o texto da referida Constituição.

A despeito de Rousseau, a LDB e os PCNs convergirem no mesmo objetivo de educar para cidadania, outro problema se impõe, agora, no tocante a possibilidade de se estabelecer algum diálogo envolvendo Rousseau e a escola pública. Portanto, no próximo tópico faremos uma abordagem sobre os aspectos relacionáveis entre o pensamento

rousseauniano com a escola atual, visto que no Emílio, Rousseau descarta a educação do seu

aluno hipotético nos colégios públicos de sua época.