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Jean-Jacques Rousseau nasce na Suíça 1712 e vive na França de 1742 a 1778, ano de sua morte. Esse autor pode ser considerado, ao mesmo tempo, representante e crítico do Iluminismo, movimento que defende a potência da razão, mas surge da experimentação de seus limites não apenas na construção de uma nova forma de pensar, mas na construção de um novo modelo de sociedade. É um representante pois partilha desses ideais. Para Semeraro,

Inúmeros intelectuais como Voltaire, Rousseau, Montesquieu, Diderot, D’Alembert, Condorcet (na França); Vico, Veronesi, Filangieri, Verri, Beccaria (na Itália); Hume, Reid, Pode, Bentham, Smith (na Inglaterra); Herder, Goethe, Wolff, Lessing, Kant (na

9 KANT, I. Pedagogia. Madrid: Akal, 1983.

Alemanha) se opõem abertamente ao despotismo e ao domínio da “luz sobrenatural”

e defendem unicamente o uso da “luz natural da razão”. Suas reivindicações – associadas em grande parte ao fortalecimento da burguesia – fermentam um ambiente convergente de cultura que leva o nome de as luzes (na França), iluminação (Enlightenment, na Inglaterra), esclarecimento (Aufklärung, na Alemanha), iluminismo (na Itália). Para os iluministas, nem a autoridade nem a tradição, mas a razão é a fonte verdadeira do conhecimento, da felicidade e do progresso.

(SEMERARO, 2011, p. 69- 70)

No ponto anterior, observamos a filosofia de Kant, que também partilha desses ideais.

Ainda no livro “O pensamento moderno”, Semeraro argumenta que existe uma diferença ao lugar dado à razão pelos filósofos iluministas que àquele a ela dado pelos racionalistas e empiristas. No lugar de uma razão que procura apenas entender quem é o homem e como ele conhece, vemos a instrumentalização dessa razão como forma de atuar no mundo. Para ele,

se para Descartes, Spinoza, Leibniz, etc. a razão ainda era o lugar para encontrar o fundamento de nosso ser, as verdades inatas e as certezas claras e distintas, para os iluministas a razão é um instrumento de autodeterminação que nos permite ser tolerantes, agir de comum acordo e transformar a sociedade. E, também, para além dos limites da experiência empírica, a razão iluminista ressalta a capacidade de conhecimento presente em todos os homens, sua expressão pública e sua aplicação na educação e na sociedade (SEMERARO, 2011, p.70)

Rousseau, ao contrário de Kant, acreditava na existência de uma natureza humana, boa em sua origem, mas corrompida a partir do momento que um homem começa a impor sua vontade ao outro. Para ele, a educação pode moldar os seres humanos para que acabem com o estado de desigualdade que surge dessa imposição. Para Semeraro

Em oposição a uma longa tradição proveniente da teologia cristã e da filosofia ocidental, Rousseau afirma que a natureza humana não é malvada e decaída, mas é boa em sua origem, é um potencial extraordinário que pode ser amoldado conforme os valores e a direção que se imprimem com a educação e com as instituições sociais que se estabelecem. (ibid, p. 75-76)

É por isso que Rousseau, quando desenvolve sua obra, dá atenção singular à educação. O autor vê nela uma ferramenta para a construção de uma democracia direta e radical, que só seria possível a partir da participação equânime de todos os homens enquanto cidadãos. Para ele,

a construção livre e consciente da “vontade geral” permite aos indivíduos saírem da condição de isolados e de súditos de monarquias para se tornarem cidadãos. Para Rousseau, o “homem” se transforma em “cidadão” por meio da educação pública e da participação política permanente. Diversamente de um iluminismo vindo “do alto”, da burguesia, dos phylosophes e dos monarcas iluminados, Rousseau elabora um

“iluminismo” de baixo, proveniente do poder do povo associado e em favor da constituição da “vontade geral”. (ibid., p. 76)

Giovanni Semeraro continua destacando que Rousseau se coloca na contramão desse iluminismo que responde diretamente os anseios da burguesia, pois reconhece o acúmulo

propriedade privada e a mecanização do processo produtivo na sociedade capitalista como fundamento da desigualdade

Contrariamente à concepção difusa que acreditava na necessidade de um “contrato social” que permitia aos homens saírem da condição bruta e selvagem do “estado de natureza” e civilizar-se nas cidades organizadas racionalmente por um “Estado político”, Rousseau mostra que a formação da sociedade moderna, sua mecanização e o acúmulo da propriedade privada tornavam os homens corruptos e desiguais. Neste tipo de sociedade, a maioria da população pobre acabava perdendo a liberdade e tornava-se escravizada pelos mais ricos. (ibid., p. 76-77)

Para Rousseau, se o empecilho para a realização desse “Estado político” está na forma mecanizada da sociedade moderna e no acúmulo da propriedade privada, a forma com que a desigualdade se instala é que os pobres perdem sua liberdade e são escravizados pelos mais ricos. A única forma de reverter essa desigualdade é, através da educação, oportunizar a ativa participação política de todos. Dessa forma, seriam amenizadas, através do Estado, às desigualdades, pois este funcionaria como um corpo aberto e soberano, que aglomeraria e protegeria os súditos dos oportunistas, associando liberdade com a realização política. Para Semeraro, Rousseau acredita que

Em uma sociedade democrática em que os súditos e os que comandam são as mesmas pessoas, o Estado não se tornaria um aparelho exterior e repressor à serviço de um pequeno grupo de oportunistas, mas se tornaria um corpo soberano no âmbito do qual os indivíduos encontram sua plena liberdade e a realização associativa e política.

(ibid., p. 78)

Esse é o pilar do conceito de democracia direta, modelo que Rousseau defende. Sobre a relação sujeito e objeto, diferente dos racionalistas e empiristas, Rousseau não está tão preocupado em validar o conhecimento observando se este advém de um dos polos, mas, se colocando politicamente em seu contexto social, identifica o erro a partir do momento em que alguns homens possuem e os despossuídos também são despossuídos do direito de se educarem e de participarem da sociedade. Assim, a saída para a questão do conhecimento não se daria apenas pela criação do método científico, mas pela quebra da divisão do homem entre indivíduo e sociedade. Essa quebra, que para ele torna os homens desiguais e corruptos, é defendida por alguns de seus contemporâneos. Sobre isso,

Diversamente das outras teorias de “contrato social” fundadas sobre o indivíduo e a preservação da propriedade privada, Rousseau tenta resolver o problema de como conjugar a liberdade dos indivíduos e a igualdade social, a defesa dos direitos do

“estado de natureza” com a necessidade de viver em sociedade (o “estado civil”). Para isso, propõe que seria preciso chegar a criar um pacto em que cada indivíduo ao renunciar à sua liberdade individual viria a se tornar soberano em uma sociedade criada com o acordo voluntário e a participação ativa de todos. Quer dizer, Rousseau acreditava ser possível que o indivíduo ao se integrar no corpo social não perderia o

poder de deliberar. E isso só poderia acontecer transformando a própria vontade particular numa “vontade geral”, de modo tal que na vida associada ao fazer as leis acabaria obedecendo a si mesmo (ibid., p. 77)

Desse modo, a participação política e a educação pública forneceriam as condições para que os seres humanos cheguem à liberdade, pois possibilitam, para além da possibilidade individual, “encontrar uma forma de associação que defenda e proteja, com toda a força comum, a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos, obedeça, entretanto, apenas a si mesmo e continue livre como antes” (ROUSSEAU apud10 SEMERARO, 2011, p. 77)

Para Rousseau interessam as questões referentes à educação, às leis, a procura pela liberdade e a desigualdade como empecilho dessa procura. Para Semeraro,

Embora utópico e sonhador, Rousseau apontava para um horizonte vislumbrado na aspiração de muitos naquela época: as leis morais, as normas sociais, as organizações econômicas e políticas para serem efetivas não podiam ser impostas de fora. Deveriam originar-se de um poder que não poderia ser transferido ou alienado, de um poder mantido diretamente vinculado à sua fonte fundamental: o indivíduo, não isolado, mas livremente organizado como povo em comunidade política. Uma tarefa que caberá a Hegel desenvolver profundamente. (SEMERARO, 2011, p. 80)

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