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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DO NOROESTE FLUMINENSE DE EDUCAÇÃO SUPERIOR LICENCIATURA EM PEDAGOGIA CAMILLA FREDERICO DUARTE

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INSTITUTO DO NOROESTE FLUMINENSE DE EDUCAÇÃO SUPERIOR LICENCIATURA EM PEDAGOGIA

CAMILLA FREDERICO DUARTE

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO EM PAULO FREIRE: REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO POPULAR

SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA

2020

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FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO EM PAULO FREIRE: REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO POPULAR

Trabalho de Conclusão do Curso de Pedagogia apresentado à Coordenação do Curso de Pedagogia da Universidade Federal Fluminense do Instituto do Noroeste Fluminense de Educação Superior Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de licenciada em Pedagogia.

Orientador:

PROF. DR. DIEGO CHABALGOITY

SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA

2020

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FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO EM PAULO FREIRE: REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO POPULAR

Trabalho de Conclusão do Curso de Pedagogia apresentado à Coordenação do Curso de Pedagogia da Universidade Federal Fluminense do Instituto do Noroeste Fluminense de Educação Superior Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de licenciada em Pedagogia.

Aprovado em 14 de dezembro de 2020

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Diego Chabalgoity Orientador

Profª Drª. Adriana Machado Penna

Prof. Dr. Fabio Alves Gomes de Oliveira

Profª Drª Fernanda Fochi Nogueira Insfran

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Bibliotecário responsável: Sandra Lopes Coelho - CRB7/3389 D812f Duarte, Camilla Frederico

Filosofia da Educação em Paulo Freire: Reflexões sobre Educação Popular / Camilla Frederico Duarte ; Diego Chabalgoity, orientador. Santo Antônio de Pádua, 2020.

83 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Pedagogia)- Universidade Federal Fluminense, Instituto do Noroeste Fluminense de Educação Superior, Santo Antônio de Pádua, 2020.

1. Filosofia da educação popular. 2. Paulo Freire. 3.

Marxismo. 4. Filosofia da educação. 5. Produção intelectual. I. Chabalgoity, Diego, orientador. II.

Universidade Federal Fluminense. Instituto do Noroeste Fluminense de Educação Superior. III. Título.

CDD -

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Escrevo esses singelos agradecimentos, e aos aqui citados peço que os multipliquem por mil... Em primeiro lugar, aos meus pais, Kelly e Claudiney, ao meu bisavô Luiz (in memorian) e minha avó Luzia, que me deram as bases materiais, subjetivas e objetivas, para que eu pudesse sonhar em estudar e concretizar o sonho, sendo a primeira da família a estar na universidade pública. Pela força em todas as dificuldades que passamos. Meu irmão, Nattan, pela parceria e por crescermos juntos. Muito obrigada por estarem comigo nesse processo de reaprender a olhar a vida, por mais difícil que seja a ruptura.

À Universidade Federal Fluminense e ao CNPQ. Esse trabalho só pode ser desenvolvido através das reflexões realizadas durante minha formação pois tive a oportunidade de ser bolsista de Desenvolvimento Acadêmico, na qual fui orientada pela professora Adriana Machado Penna e, posteriormente, bolsista de Iniciação Científica, orientada pelo professor Diego Chabalgoity.

A defesa da Universidade Pública, com produção de pesquisa de qualidade, é o horizonte desse trabalho. A esses professores, meus amigos, companheiros, minha mais profunda admiração e o agradecimento por me ensinarem na luta, por estarem presentes criticamente no mundo construindo a militância na formação de professores, por me mostrarem que a luta na prática pedagógica só faz sentido se pensada para fora dela, que não podemos ser livres enquanto há opressão no mundo. À professora Fernanda, presente desde o início dessa jornada, por defender uma causa tão importante quanto a desmedicalização da sociedade, por todas as aprendizagens, pela crítica sempre tão incisiva, pelo carinho. Ao professor Fábio, por aceitar o convite de estarmos juntos, pensando uma filosofia da educação que se concretize como práxis por libertação.

Ao Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Paulo Freire e Educação Popular – GEPEP, lugar onde são feitas tão importantes discussões. Às minhas companheiras Idalla, Hethieny e Mariana. Pensarmos juntas, mediadas pela realidade, vem sendo uma das mais valiosas experiências da minha vida. Idalla, obrigada por ser minha “metadinha” e nunca me deixar.

Mariana, obrigada por ser minha amiga, por todas as aprendizagens, pela força sempre presente.

Hethieny, obrigada pela companhia e amizade, pelas discussões, por ter chegado. Nunca se

esqueçam o quanto vocês são importantes. Ao coordenador do grupo e meu orientador, Diego,

pela paciência pedagógica no caminharmos juntos. “There’s no word’s”.

(6)

O que é que pode fazer o homem comum neste presente instante Senão sangrar, tentar inaugurar a vida comovida, inteiramente livre e triunfante O que é que eu posso fazer com a minha juventude, quando a máxima saúde hoje é pretender usar a voz?

Belchior

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A partir do materialismo histórico e dialético, o objetivo do trabalho é apontar as contribuições trazidas por Paulo Freire para a formação de educadores populares através da reflexão sobre a necessária dialética entre subjetividade e objetividade na transformação da realidade concreta. Toma como eixo central a discussão sobre a relação sujeito objeto na filosofia moderna. Como observa Freire, todas as análises que não compreendem essa unidade dialética decaem para a negação ora da subjetividade, ora da objetividade. Criticando as ideias de “conscientização” individual e de um “pensar sobre a própria prática” que não considere radicalmente os condicionamentos dessa prática, Paulo Freire nos fundamenta para compreender uma Educação Popular que tenha como intencionalidade a capacitação técnica e científica das camadas populares para a tomada do poder. Identificamos, na leitura de Freire, a influência de Gramsci, que o leva a compreender que não basta tomar o poder, é preciso reinventá-lo. Assim, educadores populares devem voltar-se para uma reflexão ontológica, onde o oprimido, descobrindo-se negado de ser, deve lutar por libertação para que possa construir- se em sua práxis. Fundamenta que Educação Popular, sendo “do Oprimido”, feita com ele, deve estar presente no antes, no durante e depois da revolução.

Palavras chave: Filosofia da educação popular, Paulo Freire, marxismo, filosofia da educação.

RESUMEN

Partiendo del materialismo histórico y dialéctico, el objetivo del trabajo es señalar los aportes de Paulo Freire a la formación de los educadores populares a través de la reflexión sobre la dialéctica necesaria entre subjetividad y objetividad en la transformación de la realidad concreta. Toma como eje central la discusión sobre la relación sujeto-objeto en la filosofía moderna. Como observa Freire, todos los análisis que no comprenden esta unidad dialéctica caen en la negación de la subjetividad, a veces de la objetividad. Criticando las ideas de

“conciencia” individual y de “pensar la propia práctica” que no considera radicalmente las condiciones de esta práctica, Paulo Freire nos basa en entender una Educación Popular que tiene como intencionalidad la formación técnica y científica de los estratos populares para la tomar el poder. En la lectura de Freire identificamos la influencia de Gramsci, lo que le lleva a entender que no basta con tomar el poder, es necesario reinventarlo. Así, los educadores populares deben recurrir a una reflexión ontológica, donde los oprimidos, al verse negados, deben luchar por la liberación para construirse en su praxis. Sostiene que la Educación Popular, al ser “de los oprimidos”, hecha con él, debe estar presente en el antes, durante y después de la revolución.

Palabras clave: Filosofía de la educación popular, Paulo Freire, marxismo, filosofía de la

educación.

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INTRODUÇÃO 1 1 O PROBLEMA DO CONHECIMENTO E AS RELAÇÕES ENTRE SUJEITO E

OBJETO NA FILOSOFIA MODERNA 7

1.1 A Modernidade e o problema do conhecimento 7

1.2 Descartes e o racionalismo 13

1.3 Bacon, Locke, Hume e o empirismo 14

1. 4 Kant e o criticismo 19

1.5 Rousseau, o contrato social e a democracia direta 23

1.7 Hegel e o idealismo 26

1.8 Marx, Engels e o materialismo histórico e dialético 31 2 PAULO FREIRE E AS RELAÇÕES SUJEITO OBJETO 36 3 A CONCEPÇÃO DE PAULO FREIRE SOBRE EDUCAÇÃO POPULAR 55

PARA CONTINUAR PENSANDO... 70

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INTRODUÇÃO

Um dos requisitos para concluir um curso de graduação costuma ser a escrita monográfica do Trabalho de Conclusão de Curso. Neste trabalho, o aluno, despertado por um tema de seu interesse e com a orientação de um de seus professores, reúne uma bibliografia em torno desse tema, exerce a curiosidade, transforma o tema de sua curiosidade em objeto cognoscível. Esse tema, geralmente, reflete uma inquietação, que remete a um que-fazer, uma fundamentação que aprofunde essa curiosidade em torno do tema. Não importando qual é a escolha política desse aluno, que é quase um profissional, o caminho da escrita necessita dessa curiosidade e dessa fundamentação.

É Paulo Freire que acredita que existem esses saberes que são necessários pra prática docente, como existem saberes que são necessários ao ato de cozinhar, por exemplo. (FREIRE, 2019a, p. 23) Mas é na prática que esses conhecimentos negam ou afirmam determinada prática e essa prática, que é ação e reflexão, se encontra condicionada pela totalidade das relações sociais. Defendemos, nesse sentido, que essa reflexão sobre a ação, característica da ação humana no mundo, não pode acontece numa “prática” individual e abstrata: nas situações históricas de opressão em que nos encontramos, essa disputa está relacionada à libertação dos oprimidos ou à manutenção da sociedade capitalista. É na prática política que esses conhecimentos vão afirmando ou negando, numa disputa, um projeto de humanidade.

É nesse sentido que, em primeiro lugar, cabe a nós elucidar que a perspectiva apresentada nesse trabalho não é a leitura hegemônica da obra de Paulo Freire, principalmente nos cursos de formação de professores. Esses cursos geralmente se voltam para a leitura epistemológica de Freire como se essa fosse a totalidade de sua contribuição para o campo da filosofia da educação, como se pudéssemos separar as contribuições pedagógicas de Freire de suas contribuições políticas e filosóficas. Aqui, acreditamos que a leitura epistemológica de Freire é entendida por ele mesmo como uma resolução perante sua concepção ontológica, que é o questionamento fundamental. Dessa forma, ao não refletir sobre essa dimensão ontológica que engloba uma epistemologia e requer uma metodologia que a dê suporte, a visão hegemônica acaba por não compreender a radicalidade da proposta de Freire, que não é apenas para a educação, mas coloca a educação voltada para a luta pela transformação das estruturas da sociedade.

O presente trabalho funda-se sobre as discussões realizadas no Grupo de Estudos e

Pesquisas sobre Paulo Freire e Educação Popular - GEPEP, em concomitância com o projeto

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de pesquisa “Paulo Freire, ontologia do oprimido e filosofia da educação popular”, orientado pelo prof.º Dr. Diego Chabalgoity, do qual fui bolsista de iniciação científica por dois anos.

Nesse projeto, pude também me dedicar ao estudo da história da filosofia moderna, me aproximando da compreensão do que dialética significa para Paulo Freire. Esse estudo se encontra sistematizado no primeiro capítulo dessa monografia e usa como bibliografia base os livros O pensamento moderno, de Giovanni Semeraro (2011) e Filosofando, de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins (1989), junto aos originais dos autores estudados.

No texto “Considerações em torno do ato de estudar”, Paulo Freire reflete sobre questões fundamentais, como a escolha de uma bibliografia para se aproximar de um tema: ela deve desafiar aquele que estuda no desejo de se aprofundar nesse conhecimento. Ele define alguns pontos importantes para a postura do leitor crítico, aquele que deseja apreender o texto em suas relações com a totalidade. Podemos fazer um paralelo entre esses pontos e a abordagem que esse trabalho segue no sentido de sua esquematização. Paulo Freire nos diz, no primeiro ponto, que é necessário assumir o papel de sujeito no ato do conhecimento. Isso por que

Estudar seriamente um texto é estudar o estudo de quem, estudando, o escreveu. É perceber o condicionamento histórico-sociológico do conhecimento. É buscar as relações entre o conteúdo em estudo e outras dimensões afins do conhecimento.

Estudar é uma forma de reinventar, de recriar, de reescrever – tarefa de sujeito e não de objeto. Desta maneira, não é possível a quem estuda, numa tal perspectiva, alienar- se ao texto, renunciando assim à sua atitude crítica em face dele. (FREIRE, 2015, p.10)

Assim, quando nos dedicamos a refletir sobre o campo da filosofia da educação popular, compreendemos que não podemos captar a profundidade de um pensamento sem reconhecer esse condicionamento histórico e social, os motivos, a razão de existir desse pensamento.

Quando refletimos sobre as afirmações que Freire coloca, nos perguntamos: “e por que ele diz isso?” “a quem o autor se refere?” “por que o autor pensa de certa forma e não de outra?” e assim vamos identificando as relações entre aquilo que se entende primeiro e a elaboração desse conhecimento, a compreensão de suas sutilezas e de sua profundidade. Para Freire, “a atitude crítica no estudo é a mesma que deve ser tomada diante do mundo, da realidade, da existência.

Uma atitude de adentramento com a qual se vá alcançando a razão de ser dos fatos cada vez

mais lucidamente.” (ibid., p. 11) É a dialética, partir da totalidade para compreender a razão das

parcialidades, voltando à totalidade para compreendê-la de maneira mais complexa, mais

elaborada, mais radical.

(11)

O segundo ponto colocado por Freire é que estudar é uma atitude em frente ao mundo.

Para o autor,

esta é a razão pela qual o ato de estudar não se reduz à relação leitor-livro, ou leitor- texto. Os livros em verdade refletem o enfrentamento de seus autores com o mundo.

Expressam este enfrentamento. E ainda quando os autores fujam da realidade concreta estarão expressando a sua maneira deformada de enfrentá-la. (ibid., p. 12)

Entendemos que toda filosofia defende uma visão de mundo, um projeto político e econômico que o dê suporte, mesmo que não se preocupe com essa defesa. Nesse sentido que Freire vai fundamentando que “pensar sobre a prática é a melhor maneira de “pensar certo”

(ibid., p. 12), que é o exercício da curiosidade epistemológica, do desafio pelo qual nos relacionamos com o mundo. Esse pensar sobre a própria prática não se refere apenas a reflexão sobre as situações educativas imediatas, quando se trata de pensar certo a prática pedagógica.

Pensar a própria prática é identificar na realidade concreta os condicionamentos daquela prática, a visão de ser por ela sustentada, a que projeto ela responde: a libertação ou a dominação dos oprimidos.

Para isso, precisamos instrumentalizar nosso pensamento para continuar refletindo, e essa instrumentalização se dá, segundo Freire em seu terceiro ponto, no estudo da bibliografia que se refere ao tema com o qual o pensamento se aproxima da realidade. Essa bibliografia trata-se da tentativa de outros seres humanos, se debruçando sobre os mesmos problemas, de formular respostas em um nível mais profundo. Esse ponto se relaciona profundamente com o quarto, que é o ato de estudar sendo assumido como “uma relação de diálogo com o autor do texto, cuja mediação se encontra nos temas de que ele trata” (ibid., p. 14)

Esse quarto ponto é importante para entender que, quando se trata de dialogar com o autor do texto, mediado pelo tema, se trata de pensar além daquilo que já se pensou, de identificar o condicionamento do pensar do autor e do próprio pensamento de quem estuda, dos condicionamentos sociais da produção daquele conhecimento. Para Freire, “esta relação dialógica implica a percepção do condicionamento histórico-sociológico e ideológico do autor, nem sempre o mesmo do leitor” (ibid., p. 14)

Entendemos, porém, que não existe diálogo entre antagônicos. Reconhecer no pensamento

hegemônico o condicionamento de sua produção não significa aceitar que o conhecimento

possa continuar sendo produzido dessa forma e que teríamos de nos adaptar a essa dinâmica

que está aí. Pelo contrário, significa contrapor a visão da classe dominante a uma outra visão,

uma nova, que se constrói na luta por libertação para ser verdadeiramente dialógica.

(12)

Assim, chegamos ao último ponto: “que o ato de estudar demanda humildade” (ibid. p.

14). Não é por desmistificar as razões para o não-conhecimento que o conhecer se torna uma tarefa fácil, pelo contrário, conhecimento é trabalho que exige calma e paciência. Exige autonomia, disciplina e limites, e ninguém nasce autônomo nem disciplinado. É necessário se dedicar, se instrumentalizar para compreender melhor, reconhecendo que o desafio que o tema nos oferece pode estar além das condições que temos imediatamente para compreendê-lo.

Assim, a humildade precisa ser cultivada para que não percamos de vista todos os outros pontos, para que não desistamos perante os desafios, para que cultivemos uma paciência operosa, que identifica os limites com o objetivo de os transpor.

Essas considerações tão importantes colocadas por Freire nos servem de guia para esse trabalho. Seu objetivo é, entendendo os desafios que o tema impõe e os limites dessa pesquisa, através da reflexão sobre sujeito objeto na filosofia da educação em Paulo Freire, contribuir para o debate da formação de professores na perspectiva da educação popular. Tendo a concepção de Educação Popular para Paulo Freire como tema mais amplo, partimos para discussão por um aspecto dessa concepção: a relação sujeito e objeto. Na medida em que estudamos a obra do autor, podemos perceber que a compreensão desta relação constitui uma preocupação relevante para o autor, sempre atento em negar as quebras dialéticas representadas pelo subjetivismo e pelo mecanicismo. No primeiro capítulo, refletimos sobre como essa reflexão é encaminhada pela tradição filosófica moderna. Essa base assume preponderante importância, pois, além do direito que temos de conhecer, esse conhecimento nos instrumentaliza para estabelecer as relações entre teoria e prática dentro de cada sistema filosófico, para compreender como a relação sujeito objeto vem sendo vista dentro da prática pedagógica hegemônica e como deve ser proposta por nós que, reconhecendo os condicionamentos da produção do conhecimento, nos engajamos politicamente na luta pela libertação, pela destituição do modo de produção capitalista e pela real democratização da produção do conhecimento.

Assim, passamos ao segundo capítulo, que são reflexões sobre como Paulo Freire entende a relação sujeito e objeto: a partir de uma perspectiva materialista, dialética e fenomenológica.

O segundo e o terceiro capítulo, que é um esforço de apresentar a concepção freiriana de

educação popular, tratam-se de uma defesa da dialética entre a luta pela transformação das

estruturas de opressão e o papel da subjetividade nesse processo de mudança. mas a

subjetividade, não um subjetivismo. Uma defesa da educação, “que não podendo tudo, pode

alguma coisa.” (FREIRE, 2001, p. 47)

(13)

Essa defesa se faz necessária pois, remontando à separação entre sujeito e objeto, razão e mundo, teoria e prática, persistente na filosofia moderna, as teorias pedagógicas contemporâneas acabam por defender de um lado, um cientificismo abstrato, da esterilidade do método, de outro, um idealismo ingênuo, da defesa de um direito da criança que, já estando assegurado politicamente, teria já se desdobrado como um direito estritamente pedagógico, que deve ser assegurado pela mudança da prática docente, no sentido da superação da dicotomia entre professor-aluno que se origina na concepção de educação bancária por nós também criticada. A diferença é que para nós, o problema da educação bancária não está nos limites da educação, nem na falta de formação dos professores. Esse problema reverbera a dinâmica do capitalismo, no qual a contradição entre professor e aluno se torna intrínseca. Essa contradição só pode ser superada a partir da superação do modo de produção capitalista, que separa o homem do produto de seu trabalho, transforma o mundo em um mundo regido pelas coisas, nega ao oprimido seu direito de humanizar-se e impede que professores e alunos possam se tornar sujeitos com o objetivo da transformação social.

No último capítulo, sobressaem as discussões que realizamos no Minicurso: A concepção de Paulo Freire sobre Educação Popular, realizado pelo GEPEP na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia em 2019. No âmbito das reflexões de Freire sobre Educação Popular, Chabalgoity nos mostra que desde o livro “Que fazer: Teoria e prática em educação popular”

1

até em seus últimos escritos se mostram evidentes alguns pontos:

Ao analisar o material escrito por Freire desde esse livro até sua morte em 1997, podemos lapidar a concepção tardia de educação popular na obra do autor em torno de quatro eixos principais: (1) a educação popular como capacitação técnica e científica das camadas populares – suas implicações com a formação humana e a defesa dos conteúdos; (2) a questão da identidade do educador popular [...]; (3) os aspectos metodológicos que caracterizam a educação popular como um modo de conhecimento; e (4) a compreensão da educação popular como reinvenção do poder – formação de intelectuais orgânicos, papel dirigente e disputa de hegemonia. É necessário afirmar aqui que essa separação é didática, posto que os eixos não existem separados entre si. (CHABALGOITY, s/n, p.14)

É ela que nos fundamenta para compreender que

a formação política de educadores e educadoras populares é tão importante quanto a formação pedagógica, porque, na verdade, em suas radicalidades, não se separam. Nos tempos sombrios em que trabalhamos nas brechas, sem uma conjuntura que nos propicie a realização da educação que sonhamos, a militância como elemento orientador da formação docente é o que tem dado sentido à nossa práxis de educandos

1 FREIRE, P. & NOGUEIRA, A. Que fazer: teoria e prática em educação popular. 11ª ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

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e educadores. (CHABALGOITY, 2017, p. 02)

Assim, a título de conclusão, o terceiro capítulo procura, após o estudo das relações sujeito objeto na filosofia moderna e para Paulo Freire, identificar quais são as implicações dessa visão para a Educação Popular, a partir de reflexões sobre como o autor fundamenta essa concepção.

E assim, nos encaminhamos finalmente para o trabalho.

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1 O problema do conhecimento e as relações entre sujeito e objeto na filosofia moderna Paulo Freire, em entrevista ao IDAC (Instituto de Ação Cultural) em 1973, que retomaremos posteriormente, faz uma consideração relevante para a concepção marxista profundamente dialética que fundamenta durante sua trajetória. Questionado sobre seus trabalhos iniciais, classificados por alguns educadores como de fundo idealista, o autor recorre à relação sujeito e objeto como chave para o entendimento das concepções idealistas e mecanicistas, ambas prejudiciais à correta compreensão do movimento da realidade. Ele diz:

Aqui nós tocamos em um dos problemas fundamentais que sempre preocupou a filosofia e, de modo especial, a filosofia moderna. Refiro-me à questão das relações entre sujeito e objeto; consciência e realidade; pensamento e ser; teoria e prática. Toda tentativa de compreensão de tais relações que se funde no dualismo sujeito-objeto, negando assim a unidade dialética que há entre eles, é incapaz de explicar, de forma consistente, aquelas relações. Rompendo a unidade dialética sujeito-objeto, a visão dualista implica na negação ora da objetividade, submetendo-a aos poderes de uma consciência que a criaria a seu gosto, ora na negação da realidade da consciência, transformada, desta forma, em mera cópia da objetividade. (FREIRE, 2015, p. 220)

A afirmação de Freire de que toda tentativa dualista de compreensão dessa relação não pode compreender o movimento da realidade, como ele mesmo evoca, está enraizada na via de reflexão filosófica que se inicia no período denominado como Modernidade: o problema do conhecimento. O objetivo do capítulo é discorrer sobre esse período histórico, apresentando as correntes de pensamento que nele se originam e enfatizando como a concepção da relação sujeito e objeto é por elas proposto. Essa base é necessária não apenas para a compreensão de qual é esse problema, proposto pela modernidade e frequentemente retomado pelo autor, mas para o entendimento da questão do conhecimento como colocada por Freire.

1.1 A Modernidade e o problema do conhecimento

Um dos primeiros embates quando pensamos em Modernidade se refere à própria definição do termo e às diferentes interpretações do que teria motivado tantas mudanças na realidade social da época. Para nós, que defendemos uma perspectiva decolonial e revolucionária de educação popular, o fenômeno da Modernidade não pode ser compreendido de forma intra- europeia. Defendemos, então, uma quebra com autores que identificam o início desse período apenas com a filosofia cartesiana ou mesmo com a queda de Constantinopla.

Em 1492, Cristóvão Colombo chega à América. Apenas 51 anos após a invenção da

caravela, em 1441, feita com o objetivo de expandir o comércio ultramarino, essa data é por

nós considerada o início do período conhecido como Modernidade, pois é símbolo de uma série

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de mudanças na concepção de mundo construída durante a Idade Média. Para Quijano, citado por Lander no texto “Marxismo, eurocentrismo e colonialismo”,

Não se trata de mudanças dentro do mundo conhecido, que não alteram senão alguns de seus traços. Trata-se da mudança do mundo como tal. Este é, sem dúvida, o elemento fundante da nova subjetividade: a percepção da mudança histórica. É esse elemento o que desencadeia o processo de constituição de uma nova perspectiva sobre o tempo e sobre a história. A percepção da mudança leva à ideia do futuro, posto que é o único território do tempo onde podem ocorrer as mudanças [...] com a América inicia-se, pois, um inteiro universo de novas relações materiais e intersubjetivas. [...]

as mudanças ocorrem em todos os âmbitos da existência social dos povos e, portanto, de seus membros individuais, o mesmo na dimensão material e na dimensão subjetiva dessas relações. E posto que se trata de processos que se iniciam com a constituição de América, de um novo padrão de poder mundial e da integração dos povos de todo o mundo nesse processo, de um inteiro e complexo sistema-mundo, é também imprescindível admitir que se trata de todo um período histórico. Em outros termos, a partir da América um novo espaço/tempo se constitui, material e subjetivamente: isso é o que altera o conceito de modernidade” (Quijano apud Lander, 2005, p. 47)

. Para analisar o que motivou a mudança do paradigma medieval para o moderno, sem pormenorizar também as mudanças ocorridas nos territórios que hoje conhecemos como Europa, podemos recorrer ao conceito de crise de paradigmas, formulado por Danilo Marcondes. Esse autor, ao estudar profundamente o que uma mudança de paradigma significa, observa, primeiramente, que um paradigma “pode ser entendido tanto seguindo uma acepção clássica, como em Platão, quanto segundo uma visão contemporânea, a partir de Thomas Kuhn (1962)” (MARCONDES, 2002, p.14). Intersectando essas acepções, ele chega à conclusão de que o caráter exemplar do paradigma é sua função normativa, ou seja, sua capacidade de criar normas e preceitos. Por conseguinte, uma crise de paradigmas significa

uma mudança conceitual, ou uma mudança de visão de mundo, consequência de uma insatisfação com os modelos anteriormente predominantes de explicação. [...] Há, segundo Kuhn, causas internas e externas dessas mudanças. As causas internas são o resultado de desenvolvimentos teóricos e metodológicos dentro de uma mesma teoria e também do esgotamento dos modelos tradicionais de explicação oferecidos pela própria teoria, o que leva à busca de alternativas. (MARCONDES, 2002, p. 15 – 16)

Dessa forma, podemos levar em consideração, como mudanças internas do paradigma anterior à Modernidade, as descobertas científicas e filosóficas – como a do sistema heliocêntrico, feita por Nicolau Copérnico – e o desenvolvimento da astrologia, da agronomia e da tecnologia. Essas mudanças possibilitam ao ser humano desmascarar um modelo de conhecimento e, consequentemente, um modelo de sociedade que tropeça nos mais variados enganos para sustentar a tradição e o pensamento religioso. Para Danilo Marcondes, essas mudanças equivalem

a uma crise não apenas científica, relativa a determinadas teorias nos campos da Física

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e da Astronomia, mas sobretudo uma crise metodológica que afeta uma concepção tradicional de método científico, bem como uma crise de visão de mundo, crise concepção da natureza e do lugar do homem, enquanto microcosmo, nesta natureza, o macrocosmo. (MARCONDES, 2002, p. 17 – 18)

Como causas externas podemos começar citando o Renascimento, movimento artístico, cultural e político que surge na Itália e aos poucos se expande por toda a Europa, assim como a invenção da imprensa por Gutenberg na década de 1430, como exemplos de fatores externos ao paradigma medieval que favorecem uma concepção de conhecimento que valoriza o homem e sua capacidade de raciocinar, não mais enxergando o conhecimento como algo inalcançável ou que venha de fora. Ao invés disso, ele é reconhecido como “uma operação da mente ou dos nossos sentidos” (SEMERARO, 2011, p. 45). O ser humano aparece, dessa forma, colocando a si como sujeito e a razão acima da tradição.

O enfraquecimento da sociedade medieval acontece pelo enfraquecimento de suas bases.

Hunt e Sherman, em seu livro “A história do pensamento econômico”, apontam que os avanços tecnológicos dos meios de produção são responsáveis pela dissolução da sociedade feudal, pois, se essa sociedade se pautava pela atividade agrária, o incremento na produção altera significativamente as dinâmicas sociais. Historicamente esse incremento favoreceu a troca, que junto ao cercamento, que obrigava o êxodo rural, favorece a produção das bases uma sociedade mercantilista. Para eles,

A sociedade medieval era essencialmente agrária. A hierarquia social se baseava nos vínculos que os indivíduos mantinham com a terra: as atividades agrícolas sustentavam todo o sistema social. Paradoxalmente, contudo, o crescimento da produtividade agrícola desencadeou uma série de mudanças profundas que se prolongaram por vários séculos, culminando na dissolução do feudalismo medieval e no surgimento do capitalismo (HUNT & SHERMAN, 1989, p.23)

Silvia Federici, em seu livro “Calibã e a Bruxa”

2

, analisa também como as lutas que o proletariado medieval travava contra a dominação feudal vinham, ao longo dos séculos, abalando as estruturas de uma sociedade que se pautava pelo direito natural e pela dominação da Igreja. Em seu trabalho, a autora relaciona diretamente o colonialismo com a “invenção do demônio” e a caça às bruxas, últimos suspiros do modelo de sociedade que sucumbe. A caça às bruxas, movimento de perseguição social iniciado pela Igreja no século XV, atingindo seu ápice nos séculos XVI a XVIII, está relacionada diretamente com o colonialismo e com a dissolução do período feudal, expressando a tentativa da Igreja de sufocar as crescentes revoltas sociais camponesas e de solidificar seu espaço na sociedade capitalista que surgia.

2 Cf. FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva/Silvia Federici. Trad.

Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2017.

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Salientamos que a separação entre causas internas e externas é apenas metodológica, aqui utilizada para compreendermos como o desenvolvimento e o esgotamento de uma teoria não acontece em termos abstratos, mas num movimento de causas internas e externas a essa própria teoria. Reafirmamos a visão colocada por Dussel, que definindo Modernidade em seu livro “O encobrimento do outro”, salienta que não são os eventos europeus, como os avanços científicos, culturais e a derrocada da sociedade feudal, as únicas causas internas ou externas a esse paradigma responsáveis por desencadear esse momento. Ele diz que

em certas cidades da Europa medieval [...] cresceu formalmente a cultura que produzirá a Modernidade. Mas a Modernidade realmente pode nascer quando se deram as condições históricas de sua origem efetiva: o ano de 1492 – sua mundialização empírica, a organização de um mundo colonial, e o usufruto da vida de suas vítimas, num nível pragmático e econômico. A Modernidade nasce realmente em 1492: essa é a nossa tese. (DUSSEL, 1993, p.187 – 188)

A conquista da América – sendo uma causa externa – por exemplo, com a descoberta de todo conhecimento por aqui produzido, possibilita a percepção de que a Igreja, monopolizadora da produção do conhecimento, não trazia essencialmente a verdade em si, como já desconfiava Copérnico. Como o conhecimento disponível não é mais confiável como forma de compreensão da realidade, a nova ciência – termo que de acordo com Marcondes (2002, p. 17) é empregado por Galileu – é gestada tendo como principal objetivo a validação do conhecimento. A busca pela certeza, já que não mais se aceitava a tradição e a autoridade como garantias, aparece orientando o desenvolvimento das ciências para a elaboração de um método que pudesse garantir que um conhecimento é real. Assim, podemos identificar como característica do pensamento moderno a centralidade da busca pela construção do método científico. A atividade filosófica não passa incólume por esse processo. Constituindo-se em concomitância com a consolidação do método científico, a filosofia moderna tenta romper com reflexões consideradas metafísicas, colocando, assim, o homem e o mundo palpável como cerne do questionamento.

Voltando ao conceito de paradigma como proposto por Danilo Marcondes, as causas

internas, como o esgotamento das teorias que pretendiam explicar a realidade, junto às causas

externas, como a derrocada do sistema agrícola feudal e o surgimento de manufaturas, que

rascunhariam as futuras fábricas, somados à conquista da América, o espaço que possibilita

geograficamente a construção de uma nova realidade, se desenham as condições para mudanças

tão profundas na realidade que possibilitam a mudança no modo de produção material da

existência e a ascensão de um novo grupo social: a burguesia. Como finalmente nos mostraria

Marx, o pensamento político e filosófico que se desenvolvem em determinada sociedade de

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forma alguma são frutos apenas da mente humana, como se não houvesse mundo ou relações sociais, nem são apenas reflexos de uma determinada estrutura material, o que não permitiria a mudança, mas acontecem relacionados dialeticamente numa totalidade que compreende os acontecimentos econômicos, políticos, sociais, científicos e culturais nessa determinada sociedade.

Para Aranha e Martins (1989, p. 165), “a emergência da nova classe dos burgueses determina a produção de uma nova realidade cultural, a ciência física, que se exprime matematicamente.” Um dos aspectos dessa nova realidade se exprime, por exemplo, no realismo político de Maquiavel. Para Semeraro, depois de O príncipe (1513), esse tão famoso autor pode ser considerado o pai da filosofia política moderna, pois articula em seu tratado uma visão de política e poder que “não é mais uma tarefa cercada de mistério, prerrogativa reservada a poucos privilegiados, transmitida por herança, tradição ou investidura divina.” A partir daí,

“outros autores de filosofia política no mundo moderno vão construir suas reflexões não mais sobre a religião e os princípios da tradição, mas a partir das paixões e interesses individuais, da fenomenologia do poder e da mecânica do Estado.” (SEMERARO, 2011, p.20 – 21)

Dessa forma, reafirmamos que as mudanças que rompem com a dominação da Igreja, da aristocracia e da nobreza – como a criação dos contratos, a negação do direito natural e a tentativa de compreensão da realidade através da própria razão e dos sentidos – não podem ser

“incluídas” como fatos na realidade, sendo, ao contrário disso, fruto de profundas lutas travadas ao longo dos séculos. Como afirmam Marx e Engels na abertura do Manifesto Comunista (1848), “a história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes”:

Uma guerra que terminou sempre ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em conflito [...] A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Não fez mais do que estabelecer novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta em lugar das que existiram no passado.

(MARX, K; ENGELS, F; 2010, p. 40).

Dessa forma, concordamos com Giovanni Semeraro quando o autor argumenta que não podemos ignorar a dualidade sempre presente no pensamento moderno: se por um lado, esse representa uma revolução em relação ao pensamento feudal, que se pautava na tentativa de justificação racional da fé, essa revolução é marcada pela ascensão econômica da burguesia, que procura justificar teoricamente suas ações e seus fins. Pouco a pouco,

Progressivamente, as antigas relações de intercâmbio e as velhas formas de corporações são superadas pela criação de novas necessidade, pelo sistema monetário e a introdução do salário nas novas formas de trabalho. Pressões, guerras e revoluções

(20)

(inglesa, americana, francesa) dissolvem o Antigo Regime e a sociedade moderna acaba se estruturando em torno de um modelo sociopolítico elaborado pela burguesia, uma classe que se aglutina e fortalece progressivamente em defesa da propriedade privada, da apropriação progressiva de muitas terras públicas e do controle de novas instituições culturais e administrativas, de modo a reunir o poder material e político que lhe permite tornar-se dominante e dirigente. (SEMERARO, 2011, p. 23)

O colapso da sociedade feudal, com os fatores já acima explicados, oportuniza que a burguesia emergente, embora não acabe com os antagonismos de classe, questione e modifique as estruturas sociais. Para o autor,

o mundo moderno, se por um lado provoca uma revolução impulsionada pelas descobertas científicas, pela abertura a novos mundos, pelo espírito de iniciativa pela liberdade e a consciência individual; por outro lado, estrutura-se sobre o colonialismo, o império da mercadoria, da concorrência impiedosa, da razão instrumental, da produção e consumo desenfreados da concentração de riqueza e de poder nas mãos de alguns grupos e países. (ibid., p.13)

Assim devemos considerar, primeiramente, a ascensão dessa classe em seu caráter duplo em relação à violência colonial para depois entender como revolucionária, naquele contexto, a subversão da imagem em ruínas que este homem tinha de si mesmo como importante momento na história da filosofia. Semeraro (ibid., p. 16 – 17) diz que “contra a ordem estabelecida e a pureza do sagrado, difunde-se a livre disputa política, o entrelaçamento de diferentes saberes, o sincretismo e o ecletismo.” É esse cenário que possibilita importantes questionamentos na filosofia, como veremos a seguir.

No campo filosófico, a busca pela verdade já não pode mais ser o cerne da discussão sobre o conhecimento. Na era medieval, a Igreja detinha o monopólio da produção filosófica. Dessa forma, “se a fé é o conhecimento mais elevado e o critério mais adequado da verdade, a filosofia não é a busca da verdade – pois esta já foi encontrada – mas cabe a ela apenas o trabalho de demonstração racional dessa verdade” (ARANHA & MARTINS, 1986, p. 231). Com a decadência do sistema feudal surge a oportunidade para a crítica de sua filosofia. Ao descrer da verdade imposta pela Igreja – afinal, é a Terra que gira em torno do Sol, etc. – o pensamento filosófico é encaminhado para a necessidade de um conhecimento do qual não se possa mais duvidar. Isso significa que, ao invés de procurar uma verdade intrínseca às coisas, uma explicação pronta e confiável para a realidade, do pensamento filosófico, no mesmo movimento em que a realidade social e econômica se convulsiona, insurge a procura de um conhecimento alcançável “a todos”, que pudesse ser formulado a partir de um método que prescinda a fé e a metafísica como bases do conhecimento.

Deixando de observar a realidade como algo dado, essa reflexão leva os filósofos a

identificarem no conhecimento uma interação que parece fundamental: Sempre há algo ou

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alguém que conhece e algo ou alguém que é conhecido. Aranha e Martins, sobre essa questão, afirmam que “há dois polos no processo do conhecimento: o sujeito cognoscente (que é o sujeito que conhece) e o objeto conhecido. Assim, o conhecimento é “uma dualidade de sujeito e objeto expressa numa relação” (ARANHA, 1986, p. 165 – 166). Mas, como garantir que o pensamento possa concordar com a realidade, validando essa relação?

1.2 Descartes e o racionalismo

Semeraro afirma que “no início da modernidade aparecem os filósofos que põem a razão humana no fundamento de tudo: eles são chamados de racionalistas. [...] A figura mais expressiva que pertence à [esta corrente] é o francês René Descartes.” (SEMERARO, 2011, p.17). Ainda de acordo com o autor, Descartes “está convencido, de fato, de que a revolução científica deve revolucionar também o modo de pensar a filosofia.” (ibid., p.32) Assim, Descartes termina por defender que a filosofia deve seguir as mudanças epistemológicas do método científico, como a primordialidade da dúvida e a busca pela validação do conhecimento.

Convertendo a dúvida em método, o pensamento de Descartes não identifica verdades em que possa se apoiar. Dessa forma, questiona não apenas tudo que existe como conhecimento, mas também as formas de conhecer:

Descartes coloca em questão não apenas todo o conhecimento adquirido, mas também as fontes tradicionais do saber. Descartes suspeita de tudo, não apenas dos sentidos e das opiniões, mas também da cultura, do que os outros dizem, das nossas faculdades mentais, das nossas ideias, em nada podendo confiar, porque, muitas vezes, somos incapazes de distinguir a realidade do sonho. (ibid., p.34)

Ao transformar a dúvida em método, o filósofo acredita que é “real aquilo que resiste à dúvida” (Descartes). Através desse raciocínio, chega ao argumento do cogito. Após pôr em questão até a existência de seu corpo material, Descartes apenas não consegue duvidar de que está duvidando. Acredita, assim, na existência de sua capacidade de pensar:

...percebi que, quando pensava que tudo era falso, se fazia necessário que eu – eu que pensava, fosse alguma coisa, e notando que esta verdade, eu penso, logo existo era tão firme e tão certa que todas as extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la sem receio como o primeiro princípio da filosofia que procurava. (DESCARTES apud3 SEMERARO 2011, p.35)

Vale ressaltar que, para Descartes, trata-se de uma dualismo de substâncias. Sendo a res extensa formada por algo diferente da res cogitans, não podemos aplicar as regras de interpretação de uma substância para a outra. Ao chegar a essa conclusão, Descartes faz, pela

3DESCARTES, René. Meditações metafísicas. São Paulo: Martins Fontes, 2005

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primeira vez, um rascunho da potencialidade do pensamento filosófico moderno, descobrindo que pode ser autor de si, não duvidando de sua capacidade de pensar e colocando a racionalidade como fundamento de tudo. Outrossim, se tudo para existir precisa ser pensado, “como consequência, a existência do sujeito está pressuposta ao ato de pensar.” (ibid, p.35). Para Semeraro (ibid., p.37), o pensamento cartesiano “dá início à filosofia moderna, ao racionalismo subjetivo, cuja fonte fundamental é o sujeito, a sua mente e o bom uso da razão”. É considerado subjetivo pois acredita que “o conteúdo do pensamento não é a ‘realidade em si’, fora de nós, mas as representações que se formam dentro de nós. Ou seja, a realidade é formulada pelo pensamento.” (ibid., p.36)

Ao defender o argumento do cogito, Descartes lega à filosofia algumas consequências. De acordo com Aranha e Arruda (1986), três delas podem ser consideradas centrais: o caráter originário do cogito como princípio de todas as evidências, o caráter absoluto e universal da razão e o chamado dualismo psicofísico. Para este trabalho, consideramos o último o mais importante a ser observado, tratando-se de um problema fundamental – parafraseando Freire (2015, p. 220) em entrevista ao IDAC – que estará presente ainda por muito tempo nas tentativas de garantir que o pensamento e a realidade coincidam. Quando Descartes opera o questionamento sobre a existência de seu corpo material e dele também duvida, acreditando apenas na sua capacidade de pensar, fragmenta o ser humano e a realidade em duas partes distintas: a res extensa, que segue as leis da natureza do mundo, feita de matéria e movimento, e a res cogitans, que seria a natureza espiritual do pensamento, no esquema de dualismo de substâncias acima referido. Semeraro aponta que,

ao definir o sujeito como pensamento puro, Descartes o separa da matéria (res extensa, coisa extensa, corpórea), objeto inerte à disposição do homem, não mais realidade sagrada [...] se descobre que qualquer coisa – o mundo externo e interno – para existir deve ser pensada. [...] a filosofia de Descartes fecha o sujeito e sua razão em seu próprio interior, fundamentando a certeza em um critério subjetivo e psicológico. Essa divisão entre pensamento e mundo exterior, entre idealismo e mecanicismo, vai permear praticamente toda a modernidade, com todas as consequências que conhecemos sobre a soberania incontestável do indivíduo sobre o domínio e a destruição que desencadeia na natureza. (SEMERARO, 2011, p.40 – 41)

1.3 Bacon, Locke, Hume e o empirismo

Mesmo refletindo radicalmente sobre o problema do conhecimento, o pensamento de

Descartes não consegue responder todas as questões sobre como garantir que o pensamento

concorde com a realidade. Muito influenciado pelo clima de mudança política existente na

França, o pensamento cartesiano acaba por preconizar o sujeito no processo do conhecimento.

(23)

Assim, é desencadeado um embate entre os pensadores dessa corrente, o racionalismo, e essa que apresentaremos agora: o empirismo.

De acordo com Aranha e Martins (1989, p. 168), “a palavra empirismo vem do grego empeiria, que significa ‘experiência’”. Como podemos deduzir, essa corrente de pensamento enfatiza o papel da experiência sensível no processo do conhecimento. Semeraro explica que,

para as novas potências comerciais e coloniais, como a Holanda e a Inglaterra, que se lançavam na conquista de novos continentes, que se deparavam com novos conhecimentos naturais, que criavam companhias comerciais e fundavam bancos, não tinha muita importância o pensamento especulativo e as abstratas questões metafísicas nem a idealização de uma razão pessoal. Servia um modo de pensar que pudesse valorizar as novas experiências, as descobertas, que justificasse o espírito empreendedor e a centralidade do indivíduo. (SEMERARO, 2011, p. 44)

O inglês Francis Bacon (1561 – 1626), igualmente atordoado por essas questões, principalmente com a busca por um método de validação da verdade, propõe então a indução, pensada e precisamente organizada, em contraposição à dedução como método de descoberta.

Em seu livro Novum Organum, Bacon denuncia o que ele chama de ídolos, que impedem que o homem possa exercitar suas capacidades mentais para a criação de uma ciência prática, que servisse para organizar a forma pela qual o homem intervém na natureza. Para ele,

A reverência à Antiguidade, o respeito à autoridade de homens tidos como grandes mestres de filosofia e o geral conformismo para com o atual estádio do saber e das coisas descobertas também muito retardaram o homem na senda do progresso das ciências, mantendo-os como que encantados (BACON, Francis. Novum Organum apud4 Col. Os Pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1973 p. 57 apud ARANHA;

MARTINS, 1989, p. 172)

Estudando o sistema filosófico construído por Francis Bacon, afirmamos o papel da experiência no processo do conhecimento, mas podemos também verificar que a indução, método das ciências naturais, não é tão facilmente transposta ao campo das ciências sociais.

Bacon, embora chame a atenção para a necessidade de um método que não se perdesse no campo subjetivo, também não consegue elaborar uma concepção que dê conta do movimento da realidade. Para Maria Lúcia Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins,

suas falhas estão em não ter construído um sistema completo, e seus exemplos de indução não são menos exatos que o método indutivo-dedutivo de Galileu. Além disso, sua física permanece nas qualidades corporais, não recorrendo à matemática, mérito que coube também, sobretudo, a Galileu. (ibid., p.169 – 170)

4BACON, Francis. Novum Organum ou Verdadeiras interpretações acerca da natureza. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

(24)

Acreditando que “a melhor demonstração é, de longe, a experiência, desde que se atenha rigorosamente ao experimento” (BACON, apud

5

Aranha; Martins; 1989, p. 142), o legado de Bacon influencia Thomas Hobbes, “outro importante pensador inglês, que estava fascinado pelos resultados da ciência e queria aplicar à realidade humana e social sua racionalidade e

‘potência’” (SEMERARO, 2011, p. 46).

Thomas Hobbes (1588 – 1679), ao refletir sobre o problema do conhecimento, é diretamente influenciado pela mecânica da natureza defendida por Galileu, ainda na tentativa de eliminar da filosofia o misticismo e as reflexões consideradas metafísicas. Quando Hobbes tenta aplicar o modelo das ciências à filosofia, reafirma a visão moderna da política colocada por Maquiavel e Descartes, não enxergando as instituições e a tradição como confiáveis formas de validação do conhecimento. Ao contrário, afirma que a realidade é composta por “corpos”, que seriam o homem, o corpo e a sociedade, que devem ser dissecados e avaliados meticulosamente em busca da apreensão da realidade. Esta, por sua vez, apenas pode ser representada através de símbolos que criamos mediante os efeitos que os corpos criam por nossos sentidos. Assim,

Diversamente de Descartes, sustentava que toda representação da realidade é o resultado dos efeitos que os corpos provocam sobre nossos sentidos. Quer dizer, nossas ideias são imagens mais ou menos diretas das coisas materiais. [...] Não temos acesso à substância das coisas, porque as ideias não passam de “nomes” criados pelo arbítrio humano e, portanto, são sempre mutáveis. [...] Hobbes segue uma filosofia

“nominalista” e usa um método empírico fundado sobre os sentidos: “a origem de todos os pensamentos é o que chamamos de sentidos, o resto é derivado disso.”

(SEMERARO, 2011, p.46-47)

Enxergando o funcionamento dos corpos como máquinas, Hobbes funda sua filosofia na investigação e na observação dos fenômenos, isso é, dos objetos que aparecem e podem ser analisados através dos nossos sentidos. Assim, nossos pensamentos seriam “imagens mais ou menos diretas” das coisas materiais, o que ainda não é suficiente para compreendermos nossa constante interação com a realidade.

John Locke (1632 – 1704), seguindo a tradição empirista, pode ser considerado seu pai, pois, partindo do mesmo ponto que Hobbes, chega a algumas conclusões diferentes, encaminhando metodologicamente a discussão. Locke também acredita que a experiência é o ponto de partida para a razão e para o conhecimento. Na sua perspectiva, a mente humana é uma “tábula rasa”, um ponto de partida sem antecedentes que se forma a partir da experiência,

5 op. cit.

(25)

“portanto, diversamente de Descartes, nosso conhecimento não nasce de ideias inatas (a priori), mas se forma depois da experiência (a posteriori).” (ibid., p. 47 – 48)

Elaborando seu pensamento, John Locke acredita que o cérebro não apenas cria o conhecimento a partir da experiência, mas opera junto a ela os elementos dos sentidos. Assim,

“o conhecimento nada mais é do que a percepção da conexão e da concordância ou da discordância e do contraste entre nossas ideias” (LOCKE apud

6

SEMERARO, 2011, p.48). Ele acredita que as ideias, fruto e instrumento de trabalho da mente humana, podem ser simples ou complexas:

Limite intransponível de todo conhecimento, a experiência externa fornece as ideias da sensação e a experiência interna gera as ideias da reflexão. Locke chama as ideias que nascem da sensação e da reflexão de “simples”, porque são o material com o qual o intelecto compõe e constrói outras ideias, as “ideias complexas” (ibid,, p. 48)

Dessa maneira, as ideias simples chegam a nós mais ou menos da maneira que as coisas se apresentam na realidade. Já as ideias complexas, sendo frutos da articulação das ideias simples e de nossos sentidos, podem ser criações não necessariamente verossímeis. John Locke não se interessa apenas pelo problema do conhecimento, sendo também considerado o pai das teorias contratualistas modernas. Ele escreve o famoso livro Dois Tratados sobre o Governo, “no qual se valorizam as atividades da burguesia na sociedade civil, os livres processos econômicos, justifica-se o acúmulo da propriedade privada e se lançam as bases do Estado liberal.” (ibid., p.54)

Estudar o pensamento desse filósofo é importante para esse trabalho pois, influenciando os rumos que a filosofia empirista tomava, ele considera que o conhecimento deriva das operações da mente, não podendo essas serem separadas das características que a experiência fornece. Isso representa uma tentativa de não dicotomizar sujeito e objeto, nos dando uma pista de como poderíamos compreender essa relação de forma concreta.

Outro pensador que, alguns anos depois, encara o debate do problema do conhecimento a partir da perspectiva empirista é David Hume (1711-1776). Hume também acredita que o conhecimento é formulado a posteriori, ou seja, que nossas ideias advêm da experiência.

Combate, desse modo, a possibilidade da existência de ideias inatas. A grande diferença está no fato de que ele divide as percepções da mente em impressões, que são as sensações todas e as ideias, vindas das impressões. Para Semeraro,

6 LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo civil. São Paulo, Martins Fontes, 2001.

(26)

diversamente de Locke, Hume mostra que as percepções da mente se dividem em duas formas: “impressões” e “ideias”. As impressões são as percepções que têm mais força e vivacidade e compreendem não apenas as “sensações” externas, mas também as internas, como os sentimentos, as paixões, os desejos, as intenções, etc. As “ideias”

são as percepções mais fracas e desbotadas das impressões. (SEMERARO, 2011, p.

50)

A filosofia de Hume também pode ser considerada nominalista, pois acredita que elaboramos o conhecimento de forma individual e de forma indissociável com a experiência, usando as palavras para despertar “hábitos” que produzem no outro uma ideia individual associada:

Para facilitar nossa vida e nosso modo de pensar, nós adquirimos’ hábitos’ que passam por cima das diferenças qualitativas e quantitativas que possuem um objeto ou as ideias: ‘A palavra desperta uma ideia individual e, juntamente com ela, certo hábito.

E esse hábito produz outra ideia individual, conforme o que requer a ocasião’ (HUME apud7 SEMERARO, 2011, p. 51)

Hume não acredita que exista uma relação necessária entre causa e efeito, pois tudo que vive o leva a acreditar que nada garante que as mesmas causas continuarão causando os mesmos efeitos ao passar do tempo. Ele vê diante de seus olhos a possibilidade de construção de uma nova realidade, que demandava uma ciência que desse conta de explicar o que acontecia política e socialmente:

Não se pode deixar de observar que as teorias subjetivistas do empirismo se desenvolvem em concomitância com as experiências do livre mercantilismo em expansão, o que vai gerar as ideias filosóficas e políticas do liberalismo fundado sobre o laissez faire (deixar fazer), sobre o fluxo de economia que não pode aceitar normas e restrições. (SEMERARO, 2011, p.53)

Quanto à relação sujeito e objeto, Hume propõe um subjetivismo ainda mais profundo que as correntes empiristas anteriores, pois por acreditar nas impressões como fundamento do conhecimento e na impossibilidade de afirmarmos a existência da relação de causalidade, deixa o conhecimento impossível de ser validado até mesmo pela experiência e impossível de ser elaborado de forma universal. Cita, em “O tratado da Natureza Humana”, que “a humanidade não passa de um amontoado ou coleção de diferentes percepções que se sucedem com impressionante rapidez e estão em perpétuo fluxo e movimento” (HUME apud

8

SEMERARO,

7 HUME, David. Investigações sobre o Entendimento Humano e sobre os Princípios da Moral. São Paulo, Editora Unesp, 2003.

8 HUME, DAVID, Tratado da Natureza Humana. São Paulo, Editora Unesp, 2000.

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2011, p. 53). Dessa maneira, a partir dos nomes e hábitos desenvolvemos uma imaginação que possibilita determinada ordem, o que viabiliza a vida do ser humano.

As ideias do empirismo vão influenciar, pela primeira vez, uma crítica à forma que a teoria do conhecimento está sendo construída:

Diversas ideias do empirismo, como a dependência do conhecimento da experiência, a impossibilidade de conhecer a substância das coisas, o caráter ativo da mente na construção de ideias complexas, a tolerância e a liberdade, vão ter uma importância muito grande na filosofia de Kant, “despertado do sono dogmático” por Hume e suas críticas radicais à metafísica. (SEMERARO, 2011, p. 54)

1. 4 Kant e o criticismo

Conforme o passar do tempo e o desenrolar dos acontecimentos, as mudanças internas do paradigma que é criado na modernidade acompanham o desenvolvimento das mudanças externas. Isso significa considerar que

Se Descartes e Locke haviam se dedicado a refletir sobre a revolução científica e as transformações políticas e econômicas do século XVI e XVII, Kant vai elaborar uma filosofia levando em conta as grandes descobertas de Newton no final do século XVII e as transformações da realidade que culminam na Revolução Francesa de 1789. Ou seja, vai refletir não apenas sobre a capacidade da razão de obter conhecimento, mas também sobre as expressões da liberdade humana (ibid., p. 55)

Immanuel Kant, filósofo prussiano que vive de 1724 até 1804, estudando tanto a corrente racionalista quanto a empirista, formula, primeiramente, algumas conclusões. O questionamento dessas correntes era focado na validação do conhecimento, ou seja, na criação de um método que pudesse conferir a verossimilhança daquilo que conhecemos, mas ainda não tinha sido levantada a questão sobre os limites da razão, ou seja, se existe e qual é o limite do ser humano de conhecer a realidade. A predominância do sujeito persiste tanto no racionalismo quanto no empirismo, que fundam suas epistemologias na ideia de que a realidade é representada pelo sujeito:

As duas correntes filosóficas, por caminhos diferentes, mostravam que era o sujeito (racional ou sensitivo) quem se construía a imagem do mundo e a representava na própria mente. Kant analisa criticamente essas duas correntes de pensamento e percebe que eram limitadas e insuficientes para chegar a um verdadeiro conhecimento e a alguma garantia de verdade que pudesse ser reconhecida na vida em sociedade.

(ibid., p. 56-57)

É claro que o pensamento que coloca como foco o sujeito, defendendo o papel do ser

humano no processo de entendimento e criação da realidade, representa uma grande mudança

em relação a tradição filosófica pregressa que, ao acreditar numa verdade pré-estabelecida,

(28)

pretende a partir dela explicar a racionalidade. Para os filósofos modernos, essas questões dispendem reflexões metafísicas e oferecem respostas que não condizem com a consolidação do método científico. Para se livrar da metafísica, vemos as duas correntes concordando que o que conhecemos são as ideias da realidade, não a realidade em si.

Para responder às questões latentes em seu sistema, Descartes apela para a existência de ideias inatas, que se confirmam pela nossa capacidade de pensá-las, mas não consegue lançar as bases da compreensão de um conhecimento que não seja verificado apenas pelo sujeito, sendo impossível de ser afirmado como verdadeiro. “O racionalismo se fechava no

‘dogmatismo’ dos princípios já dados e criava um dualismo em relação ao mundo material”

(ibid., p.57).

Por sua vez, junto à toda efervescência comercial resultante do industrialismo e da pilhagem colonial, John Locke e David Hume presenciam o desenrolar da Revolução Inglesa, o que dá a eles a mesma certeza de que não possuem certezas. Respondendo ao avanço da ciência e do desenvolvimento industrial inglês através da afirmação da experiência, da possibilidade da novidade e da mudança, os empiristas procuram atingir o conhecimento a posteriori, ou seja, “depois de ter passado pela existência sensorial, após acumular caoticamente dados derivados dos sentidos” (ibid., p.57). Não conseguem, tanto quanto os racionalistas, desenvolver o tão necessário método que possa garantir que um conhecimento é real. Hume, como supracitado, radicaliza a filosofia empirista ao negar a ideia de causalidade, o que impede ao homem a própria possibilidade de conhecer, a partir do momento que não podemos nem afirmar que a mesma experiência continuará fornecendo os mesmos dados.

Kant acredita que ambas correntes não são capazes de fundamentar uma teoria do conhecimento confiável. Porém, leva em consideração a necessidade da razão e do pensamento analítico, fomentados por Descartes, assim como o papel fundamental da experiência e da retirada do homem do interior de si mesmo, defendidas pelos empiristas. Embora a filosofia empirista seja decisiva para o pensamento do autor, que afirma ter sido “despertado do ‘sono dogmático’ em que havia permanecido tantos anos com a filosofia racionalista, mesmo assim, não adere completamente a essas ideias” (ibid., p.58)

Sendo insuficientes as explicações até então dadas, o filósofo procura demonstrar que o conhecimento só é possível através da inseparável cooperação entre razão e experiência:

Ao escrever a Crítica da Razão Pura, Kant mostra que o sujeito e o objeto se relacionam e se complementam. Afirma que para conhecer é necessário estabelecer

(29)

relações entre as coisas, ou seja, avaliar e julgar. Quer dizer, fazer conexões entre o mundo material e as ideias da mente. Portanto, só podemos chegar a um conhecimento efetivo quando realizamos uma operação que liga um sujeito a um predicado. (ibid., p. 58)

Para Kant, essa operação é considerada a base do conhecimento humano. Quando os dados da experiência são processados na mente humana pela razão, criamos os juízos sintéticos a priori:

Essa expressão significa que se ligam e sintetizam os resultados obtidos pela experiência (sintéticos) com as formas de apreensão que a mente dispõe (a priori).

Para superar as limitações do empirismo e do racionalismo, Kant procura unificar o novo que nasce da experiência com as ideias universais e necessárias preexistentes na mente. Assim, todo conhecimento é sempre o resultado de um elemento material externo e de um elemento interno da mente, que formata as coisas. (ibid., p.59)

A razão, nessa perspectiva, se apresenta na mente através de formas, que são como cursos de um rio, que a experiência pode ou não preencher. As formas da mente, para Kant, não são como as ideias inatas de Descartes. Elas “não são substâncias que têm vida própria, realidades autônomas que existem na mente, mas são apenas mecanismos que entram em ação quando um objeto da experiência se apresenta a elas” (ibid., p. 59). Isso possibilita, em consonância com os ideais da Revolução Francesa (1789), fundamentar a razão como componente de todos os homens. Finalmente, “presentes e iguais em todos os homens, as estruturas da mente (intuição, intelecto e razão) permitem conhecimentos universais.” (ibid., p. 62).

Kant rompe com a tradição filosófica metafísica ao afirmar que não podemos conhecer o

“númeno”, ou seja, a coisa em si, apenas o “fenômeno”, que é a aparência, ou seja, a forma que a coisa se apresenta e é processada pelo intelecto:

A operação sintética que ocorre no conhecimento remete a um “eu penso”, a “uma consciência” que confere unidade às coisas e nos revela uma identidade na pessoa que pensa. Diversamente de Descartes, no entanto, o “eu” de Kant não é uma substância pensante, mas uma função da mente. Kant fornece as bases teóricas do conhecimento científico, os fundamentos epistemológicos da ciência. A metafísica sai totalmente enfraquecida e comprometida, pois não atende aos requisitos da ciência. [...] Os objetos tradicionais da metafísica, Deus, a alma, o mundo, não sendo objetos de intuição não podem ser elaborados pelo intelecto e, portanto, não levam ao conhecimento científico. (ibid., 2011, p. 63)

Ele chama essa percepção de Revolução Copernicana do Conhecimento, que mostra que é

o sujeito em movimento na Terra quem projeta nos céus sua perspectiva. A estrutura da mente

humana é o eixo fundamental do conhecimento, pois o real é a realidade elaborada pelo sujeito

cognoscente. O conhecimento é, de fato, a interação entre o que está para ser conhecido e a

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Boletim do Grande Oriente do Brasil, Jornal Oficial da Maçonaria Brasileira, número 06, 21º ano, agosto de 1896, p. Consta no site da Loja Apóstolo da Caridade a trajetória de Lutas