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RUMO AO SINDICATO DOS PROFESSORES DO ENSINO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

DÉCADA DE 80: em busca de novos caminhos Em 78, a gente saiu com o sentimento de vitória, de

4. RUMO AO SINDICATO DOS PROFESSORES DO ENSINO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

Ao discutir a construção do sindicato de professores em São Paulo, Kruppa divide a história da APEOESP em dois períodos. O primeiro será caracterizado como o “de tomada e construção da entidade em termos sindicais, período de sua nova institucionalização, tendo como limites os anos de 77/78 a 84/85” (1994, p. 139). Esse período corresponderia ao que Noronha (1990) descreve como de “recuperação da função básica dos sindicatos de defesa dos salários e pela própria definição da estratégia grevista como forma de reconquista da cidadania

política” (p. 100). O segundo estende-se até os anos 90, coincidindo com o final do governo Quércia, caracterizado pelo crescimento da entidade, pelas grandes manifestações e passeatas, grandes greves e discussão de temas como Constituinte, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Fórum em Defesa da Escola Pública, repúdio à municipalização do ensino e da saúde. É um período assinalado pela ampliação das greves.

Após um intervalo de crescimento econômico marcado pelo Plano Cruzado — 1984 – 1986, em decorrência do processo de desorganização da economia no país, causada pelo agravamento do processo inflacionário e por sucessivas intervenções do governo federal no intuito de controlá-lo por meio dos malogrados Plano Cruzado II, Plano Bresser e Plano Verão, foram impostos mecanismos de controle sobre os salários, sacrificando-os, não se conseguindo, contudo, controlar a inflação galopante. Assim, os anos 87 — 89 serão assinalados pelo agravamento da situação econômica, quando voltam a ser praticadas políticas econômicas ortodoxas de administração e de economia, materializadas nos Planos Bresser e Verão, acompanhados da espiral inflacionária223 e por uma das mais vertiginosas quedas dos salários reais já ocorridas.

Em face do decreto do Governo Federal do Plano de Estabilização Econômica (Plano Cruzado) , em fevereiro de 1986, congelando preços e salários, a APEOESP avalia que os professores teriam perdas reais em seus vencimentos, o que realmente ocorre. Assim, em assembléia realizada em abril, os docentes reivindicam 17,6% de reajuste para recuperação das perdas sofridas com o plano econômico. Em setembro, greve dos professores é deflagrada pela APEOESP com adesão do CPP, mas não da UDEMO, tendo como reivindicação piso salarial de cinco salários mínimos para a Jornada Parcial de Trabalho Docente (20 horas semanais). O Governo Estadual não cede às pressões das três semanas de greve alegando que seria “impossível atender a essa reivindicação, pois ela excederia em muito o montante da arrecadação”.224 Desse modo, mantém a proposta de

223 Percentual de 685% em 1988 e 1320% em 1989. 224 Folha de S. Paulo, 20 de setembro de 1986, p. 5.

reajuste apresentada em agosto: três referências a partir de 1º de setembro e três a partir de janeiro/87.

O Plano Cruzado havia instituído um mecanismo de reajuste automático de salários cada vez que a inflação atingisse 20%, sistemática conhecida como gatilho salarial, estendida ao funcionalismo público através de lei complementar. Entretanto, o novo governo paulista nega-se a efetuá-lo alegando dificuldades orçamentárias, e apresenta um Projeto de lei à Assembléia Legislativa visando `a extinção do gatilho.

A situação salarial do funcionalismo público do Estado de São Paulo agravar-se-á especialmente a partir de 1987, início do governo Quércia, e grande parte das ações empreendidas pela APEOESP, nesse período, serão no sentido de lutar contra a deterioração dos salários, recorrendo à greve.

Dessa forma, em maio de 1987, os professores em conjunto com todo o funcionalismo público realizam uma greve que dura quinze dias (de 7 a 22): a greve do gatilho. Devido à forte pressão dos grevistas, os deputados estaduais não aprovam o projeto do Executivo, determinando que o mesmo efetuasse o pagamento dos três gatilhos devidos. Como o governo não atendesse a essa determinação da Assembléia Legislativa, a greve foi retomada em junho (de 11 a 18), para que determinação do Supremo Tribunal Federal fosse cumprida e os gatilhos devidos, pagos. Em novembro, mais um dia de paralisação dos funcionários públicos estaduais. Suas reivindicações centrais são: 86,44% de reajuste a partir de 1° de outubro e escala móvel de salários. O governo concede 20% de abono em novembro e mais 30% em dezembro.

O ano de 1988 será marcado por duas greves do funcionalismo público estadual. Uma greve de trinta e dois dias, em março, reivindicará a reposição dos 144% de perdas acumuladas desde janeiro de 1987 e um aumento real de 15%, e enfrentará a mais forte repressão policial já ocorrida em toda a história do movimento. Na última semana, porém, apenas o professorado mantém a greve.

O saldo do movimento grevista e das pressões da categoria do professorado, juntamente com o funcionalismo, durante os anos 87 — 88, foi a concessão das seis referências propostas pelo governo; 25% de reajuste; a

concessão do gatilho salarial ao conjunto do funcionalismo e, como resultado de luta na Justiça, o pagamento dos quatro gatilhos que o governo Quércia havia-se recusado a efetuar.

No entanto, em junho de 1987, o ministro da Fazenda, Luís Carlos Bresser Pereira, extingue o sistema de reajustes vinculados à taxa inflacionária e institui novo congelamento de preços e salários por noventa dias. Segundo os sindicatos, essa medida representou um confisco médio de 37,34% nos salários dos trabalhadores.

Em breve resumo desse período, a Diretoria da APEOESP relata:

Em 1987, assume o governo do estado o Sr. Orestes Quércia.

Primeiro ato: envia projeto de lei à Assembléia Legislativa propondo o fim do gatilho. Com greve e pressão diária sobre os deputados garantimos o pagamento dos 4 gatilhos a que tínhamos direito, até sua extinção para todos os trabalhadores em junho de 87. No final deste mesmo ano, após várias reuniões de negociação sem resultado, marcamos paralisação para o dia 6 de novembro. Resultado: o governo concede 20% de abono em novembro e 30% em dezembro, demonstrando mais uma vez que é só através da mobilização que se garantem conquistas. (Toda luta vale a pena. Em 89 também valerá, 1988, p.1)

Entrementes, no nível das lutas nacionais, a APEOESP não descuida da luta junto à Assembléia Nacional Constituinte, através de caravanas a Brasília e pressão direta aos constituintes, graças às quais muitas das reivindicações apresentadas pela APEOESP foram contempladas: definição de 18% do Orçamento Federal e 25% dos Estados e Municípios para a Educação; aposentadoria aos vinte e cinco anos de serviço; plano de carreira; direito a piso salarial; direito de sindicalização ao funcionalismo público; estabilidade para os professores que estivessem exercendo funções de magistério há mais de cinco anos; direito ao pagamento integral do 13º salário; gratificação de 1/3 do salário pago em férias; direito de greve, entre outros.

Num período caracterizado por grandes manifestações e greves, as do setor público sobretudo dos professores, superariam as manifestações grevistas do setor privado em todo o país. Dentre os assalariados do setor público paulista, segundo dados apresentados por Rodrigues (1990), foram os da saúde e

educação os maiores responsáveis pelo elevado número de greves e de jornadas de trabalho perdidas: 337 em 1986 e 787 em 1987.225

Noronha atribui a explicação ao fato de que

No setor industrial, após resistências iniciais, as greves passam a ser vistas por parcelas do empresariado como um elemento natural do conflito e das negociações coletivas, e os acordos muitas vezes abandonaram as leis salariais federais restritivas como forma de adaptação aos surtos inflacionários. Na esfera pública a não valorização de mecanismos de negociação coletiva, a crise financeira do setor e as políticas de congelamento de preços impuseram rigidez às negociações. (Noronha, 1990, p. 101)

Em São Paulo, essa rigidez resultaria em um crescimento acelerado das greves e, conseqüentemente, dos dias parados: de quarenta e dois dias de paralisação do professorado das escolas públicas, entre 1984 e 1986, para cento e trinta e cinco entre 1987 e 1989.

Enquanto as greves das décadas de 60 — 70 tinham mais um caráter político de enfrentamento ao governo militar e à ordem estabelecida, além da questão salarial, as que se seguiram na década de 80 foram paulatinamente sendo substituídas por movimentos de caráter mais estritamente econômico, de manutenção do poder aquisitivo dos salários. A própria alteração na composição da categoria, já apontada, reforça o caráter de entidade de massas da APEOESP. O crescimento da entidade no período foi de 190%, se tomarmos como exemplo os anos de 1983 a 1987, quando o número de associados passou de dezenove mil para cinqüenta e cinco mil.

Em fevereiro de 1988, o Boletim APEOESP Urgente estampa o seguinte título: Vamos à greve: nunca perdemos tanto, denunciando:

E mais uma vez esse governo retoma práticas autoritárias semelhantes a governos da ditadura militar, não negociando com os representantes do funcionalismo, entregando formalmente em uma reunião o resumo do projeto elaborado e definido pelo governo. (APEOESP Urgente, 1988, p. 1)

Pelos dados comparativos, a proposta do governo de instituição de gratificação de produtividade de Cz$ 27,00, por hora-aula dada, corresponderia a 25% do valor da hora-aula do padrão inicial da carreira, o que, para a entidade, estava muito aquém das reivindicações e reais necessidades da categoria, tendo em vista o arrocho salarial a que estavam submetidos. Além de não atender às necessidades da categoria, essa proposta contraria o Estatuto do Magistério, ao estabelecer um valor fixo por hora-aula, desconsiderando os enquadramentos a que os professores estavam submetidos.

Por outro lado, a recondução do PMDB ao poder, não garantirá a continuidade de estilo e postura adotadas por Montoro e as metas deste novo governo serão diferentes. Durante esses trinta e dois dias, a animosidade do governo em relação à organização do funcionalismo patenteia-se, explicitando-se quando a tropa de choque, com cavalos, cães, metralhadoras e gás lacrimogêneo, impede que os grevistas realizem assembléia defronte o Palácio dos Bandeirantes. Ao final da greve, o governo oferece reajuste de 18% a partir de 1º de abril, em substituição aos Cz$ 27,00 fixos por hora-aula que haviam sido propostos em janeiro.

Filiada à CUT desde 1983, a APEOESP tem participação ativa em congressos e encontros sindicais, nacionais e internacionais, e , em setembro de 88, no 3º Congresso Nacional da CUT, em Belo Horizonte, a secretária geral da APEOESP, Rosiver Pavan, é eleita para a Executiva Nacional da central sindical.

Em final de setembro até 12 de outubro, ocorre uma greve parcial do funcionalismo público paulista, cujas reivindicações eram: 85% de reajuste a partir de 1º de outubro, reposição das perdas e aplicação da URP a partir de 1º de novembro.

As possibilidades de diálogo entre a APEOESP e a SE fecham-se durante o ano de 88, marcado pela polarização dos debates em torno da municipalização, tida pelo governo como estratégia de descentralização e combatida pela entidade pela forma que a municipalização assume: mero repasse de verbas estaduais aos municípios. Outro fator que indispõe a categoria do professorado contra o governo Quércia são as investidas deste contra o Estatuto do Magistério. Ao final do

governo serão cortadas as possibilidades de o docente usufruir de afastamento com vencimentos para redação de dissertação de mestrado, do qual usufruímos, e tese de doutorado, previstos no Capítulo XII — Dos Afastamentos, artigos 64 a 66, da LC n. 444/85.

Em avaliação da APEOESP,

Neste ano de 1988, Quércia continua com sua política de arrocho

salarial e inicia destruição do Estatuto do magistério ao propor valor fixo por hora-aula, não respeitando a referência do professor. Após inúmeras tentativas de negociação, fomos à greve no início do ano letivo. Após 30 dias de paralisação, o governo abre negociação. Aceita transformar os Cz$ 27,00 fixos em 12% para depois chegar a 18% , que somados aos 70%, totalizam os 100,6%. Conquistamos a correção do Estatuto. (Toda luta vale a pena. Em 89 também valerá, 1988)

Continuando as lutas e campanhas, com apelos sistemáticos à participação e organização do professorado, reivindicando, novamente, a Jornada Única, serão essas as metas de luta para o ano de 1989, colocadas pela APEOESP:

01. Campanha pela recuperação do salário dos professores – recuperação das perdas e reajuste mensal já no início do ano letivo. 02. Campanha por uma jornada única [20 horas-aula mais 10 horas- atividade por um piso de 10 P.N.S.]226

03. Por uma Reforma Administrativa que contemple nossas conquistas e reivindicações.

04. Implantação no estado e municípios das conquistas da nova Constituição.

[...]

06. Luta pela realização de concursos para professores I e III de todas as disciplinas, até junho de 89.

07. Luta pelo cumprimento do direito à estabilidade de mais de 50 mil professores, 1/3 das férias e de todos os direitos garantidos pela nova Constituição.

08. Campanha pela implantação do Conselho de Escola Deliberativo atuante.

09. Ampliação do ‘Movimento em Defesa da Escola Pública’. 10. Continuidade da campanha ‘Diga Não à Municipalização’.

11. Continuidade da organização de Encontros, Debates e Cursos visando à formação política, sindical e profissional da nossa categoria.

12. Construção do Sindicato Único de todos os trabalhadores em educação do estado, pois a fragmentação só interessa ao patrão.

13. Que toda escola do estado tenha Representante da APEOESP eleito.

14. Campanha para transformar a APEOESP na maior entidade do Brasil também em número de associados. (Toda luta vale a pena. Em 89 também valerá, 1988, p. 1)

1989 caracterizou-se como o ano da mais longa greve do magistério: oitenta dias. Em defesa da Escola Pública e por um Piso Salarial Profissional, a greve, que contou com a adesão de todas as entidades representativas do magistério, obteve como resultado um reajuste escalonado entre 51% a 126%.

Assim a APEOESP avalia esse momento:

Nosso movimento de oitenta dias de greve em defesa da escola pública conquistou vitórias históricas: escancarou as portas da escola pública para que a população conhecesse a sua real situação e se envolvesse na luta pela sua defesa; resgatou a dignidade dos trabalhadores em educação; fortaleceu as entidades com legítimas representantes da categoria; consolidou a unidade dos trabalhadores em educação; mostrou à população que a responsabilidade pela situação precária da escola pública no país é dos governos como o do Quércia, que não consideram a educação como prioridade. 227 [...] Apesar de não termos conquistado a totalidade de nossas reivindicações, não podemos deixar de reconhecer que nenhuma categoria profissional que fez greve neste semestre obteve resultados salariais de 88 a 184%. Mas a nossa conquista maior foi a população em todo o Estado discutindo e apontando soluções para os gravíssimos problemas da escola pública, apoiando e participando ativamente de todo o processo de luta. (Uma conquista histórica: 80 dias de greve, 1989, p. 1)

No ano seguinte, em julho, o governo anuncia a concessão de dez referências, depois que cinco mil professores ameaçam realizar greve no mês de agosto. Enfim, este ano será sinalizado por conquistas de vulto para a categoria:

227 Na perspectiva de Peralva, foi “quase constrangedor constatar que o grande apelo a um apoio da

população ocorrerá na véspera do encerramento do movimento”. (1992, p. 42) Em sua análise, o apelo tardio à população denota a distância que separava a categoria do professorado de seus antigos aliados, que em outras ocasiões, tanto a apoiaram.

realização de concurso de provas e títulos para P I; regulamentação do direito à estabilidade; direito constitucional de receber vantagens salariais em atraso com atualização monetária; pagamento automático das vantagens (Adicional, mudanças de referências) sem necessidade de requerê-las; pagamento aos ACTs das aulas em substituição, sem atraso de um mês; compromisso do governo de realização de concursos para P III; sentença judicial favorável à Sexta-parte para os ocupantes de função-atividade – ACTs, entre outros benefícios alcançados pelo professorado.

É o ano que marca, também, a formalização da APEOESP como sindicato. Assim, em 08 de março, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo obtém Registro de Entidade Sindical, no Ministério do Trabalho, com assentamento no livro n. 001, às folhas 150.

CAPÍTULO III

A POLÊMICA SOBRE A PROLETARIZAÇÃO DO