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Ruptura com o tradicionalismo

Com a reorganização do Estado para implantação do modelo

desenvolvimentista, a demanda pelo trabalho dos profissionais de Serviço Social se amplia. Ao passo que o desenvolvimento das forças produtivas implica um aprofundamento das relações sociais de produção capitalista. A compreensão deste contexto é importante para analisar a relação entre orientação econômica, Estado e a ampliação da demanda por serviços sociais.

Falamos do período que já vigora o regime autocrático burguês. Netto (1998) argumenta que, apesar das formas tradicionais de atuação do Serviço Social

serem funcionais à autocracia burguesa – por reafirmarem a manutenção da

ordem social como objetivo da intervenção – o movimento próprio do

desenvolvimento profissional impulsionado pelo contexto de mudança na estrutura do Estado implicou em uma reorientação da profissão. Posteriormente tal reorientação tornou-se mais radical com as próprias bases da autocracia burguesa, aquela que possibilitou esse avanço teórico do Serviço Social brasileiro, que acabou resultando em uma aproximação com a teoria social de tradição marxista.

Ocorre que foi necessária uma ampliação quantitativa da força de trabalho do assistente social, visto que a aceleração do desenvolvimento das forças produtivas proporcionou o aumento das contradições entre as classes sociais, e por consequência a exacerbação das manifestações da questão social, que eram administradas crescentemente no aparato estatal via políticas sociais.

O Estado, neste período, passou por um processo de reorganização para gerenciar o desenvolvimento em proveito dos monopólios. Neste ínterim os aparatos em que se inseriam os assistentes sociais foram complexificados pela

lógica da burocratização, o que trouxe à tona a necessidade de adequação profissional às novas demandas, agora muito mais racionalizadas (idem).

Por consequência da inserção dos assistentes sociais em estruturas organizacionais mais complexas foi alterada de maneira significativa a postura do profissional frente à tradição confessional que a profissão carregava. A racionalidade burocrático-administrativa que permeou os espaços de inserção profissional demandou uma postura mais moderna que contribuiu para a erosão do Serviço Social tradicional.

Portanto, o desenvolvimento da profissão perpassa sua relação com a complexidade dos aparelhos estatais na operacionalização das políticas sociais, em função das novas formas de enfrentamento da questão social. O Estado, portanto, impulsionou a profissionalização do assistente social na medida em que ampliou seu campo de trabalho, numa estreita vinculação ao aprofundamento das relações sociais capitalistas (YAZBEK, 2009).

As alterações no mercado de trabalho, e por consequência no perfil dos assistentes sociais, implicaram em uma reformulação dos moldes da formação profissional, que visava à demanda por um profissional moderno, capaz de atuar com base em uma perspectiva racional, distante das prerrogativas tradicionais.

No decurso da história do Serviço Social verificam-se alterações significativas em sua orientação teórica e na inserção de sua atividade junto a processos de trabalho. Ocorre que a vertente tradicional da profissão é inspirada por correntes positivistas, funcionalistas e idealistas, contudo, a inserção do Serviço Social na Universidade de maneira generalizada possibilita uma reorientação crítica da profissão.

Esse movimento histórico que possibilitou a inserção do ensino de Serviço Social no âmbito universitário aproximou a formação profissional aos conteúdos de disciplinas das ciências sociais, e qualificou substantivamente tal formação. Mas o contexto era de ditadura militar e consequente repressão de conteúdos críticos

e progressistas, aspecto que contribuiu para retardar a aproximação do Serviço Social às análises sociais mais amplas (NETTO, 1998).

O Serviço Social, portanto, passou por um processo de renovação no contexto da autocracia burguesa, a partir principalmente da laicização da profissão. Tal renovação envolveu diferentes perspectivas teóricas e ideológicas, uma vez que esse processo foi além das novas requisições postas à profissão, que visavam à funcionalidade frente ao regime político instaurado. O contexto de desenvolvimento profissional fomentou as primeiras mudanças na órbita da prática e da formação, que abriram possibilidades para a categoria dos assistentes sociais repensarem as perspectivas teóricas e metodológicas que os orientavam (idem).

Neste processo de renovação várias tendências profissionais contribuíram para o desenvolvimento do Serviço Social, de modo que situá-las nos permite alcançar a compreensão do decurso que culminou na aproximação do Serviço Social com o marxismo. E, particularmente com a categoria trabalho, debate central nesta pesquisa. É nesta direção que consideramos tal percurso importante, para debatermos a respeito da apreensão desta categoria teórica que advém da perspectiva marxista, na produção teórica de Marilda Iamamoto.

As tendências que marcaram esse processo de renovação do Serviço Social

brasileiro são bem descritas por Netto (1998). A primeira é denominada

perspectiva modernizadora, na qual se tem a concepção de um Serviço Social integrador e dinamizador do desenvolvimento capitalista, partícipe da ordem, orientada pela autocracia burguesa. O caráter modernizador encontra-se na busca de aportes teóricos que embasem os procedimentos profissionais, fundamentados no estrutural funcionalismo norte-americano. Nesta perspectiva, os valores e concepções tradicionais não são contestados, apenas “emoldurados” em um viés teórico e metodológico menos retrógrado. Referencia-se em documentos de dois importantes seminários de teorização, quais sejam, Araxá (1967) e Teresópolis (1970).

Na segunda metade dos anos setenta destacam-se outras duas perspectivas teóricas, uma de orientação conservadora, que visava preservar as características tradicionais da profissão, voltadas para uma orientação de ajuda psicossocial, fundamentada na fenomenologia. Tal perspectiva, que é denominada por reatualização do conservadorismo, herdou características que perpassam uma análise microscópica da realidade social, de modo que prevalecem as dimensões da subjetividade, e uma atuação pautada em instrumentos psicologistas. O conservadorismo desta perspectiva vai além dos traços ideoculturais, encontra-se presente também no caráter efêmero de sua orientação científica, em que facilmente, em nome da “compreensão” abdica-se de análises rigorosas e críticas da realidade.

A terceira perspectiva é marcada pelo caráter de crítica ao tradicionalismo do Serviço Social, no que tange aos seus suportes teóricos, metodológicos e ideológicos. Esta vertente, no contexto em que se constrói a crítica ao regime da ditadura militar, recorre à tradição marxista para subsidiar suas análises a respeito da realidade social. Porém, não sem dificuldades, nesse contexto essa perspectiva não encontra ressonância na categoria profissional em virtude do marco sociopolítico da autocracia burguesa, de modo que depois de sua emersão inicial estagna-se o seu desenvolvimento por alguns anos. Tal perspectiva é denominada como intenção de ruptura, e esta que nos interessa aprofundar, particularmente pela incorporação no debate teórico da categoria trabalho a partir da apropriação do marxismo no âmbito do Serviço Social.

3.6 Marxismo e Serviço Social: as primeiras aproximações da categoria