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A ação, a prática, como critério de avaliar a objetividade do conhecimento, é insistentemente clara em Marx, Lênin, e Gramsci. A ruptura radical da filosofia da práxis, em relação ao pensamento filosófico positivista, indica exatamente que é fundamental refletir, pensar, analisar a realidade com o objetivo de transformá-la.

Para Lênin, o critério básico da verdade do conhecimento é a prática social. A prática, aspecto básico da concepção materialista do conhecimento, “é superior ao conhecimento, pois ela tem não somente a dignidade do geral, mas também a do real imediato. (MACCIOCCHI,1977).

Analisando o trabalho manual e intelectual do homem sob a perspectiva do materialismo histórico e dialético, se entende que o ponto de partida da história se desenha através do homem e com o homem, e que a tecnologia é, simplesmente, efeito de suas realizações. Nos tempos modernos, porém, os burgueses querem controlar um povo, e por isso trabalham para manter algumas estruturas feudais; resultam, pois, a falta de educação, a pressão, a manutenção da miséria e das injustiças. Não compreendem que a presença do povo é essencial nas mudanças da sociedade, e, mais precisamente, nos setores que guardam princípios de cultura e o contato com a realidade do marginalizado.

Gramsci consegue nos fazer reportar ao tempo para compreender melhor o controle da cultura popular pelo dominador. Ele jamais deixou de se reportar à história política e filosófica da França; o século XVIII e a grande Revolução lhe

haviam dado a oportunidade de desenvolver um estudo crítico sobre a mesma. O processo histórico da revolução cultural, na Europa, fez com que Gramsci se tornasse um pensador marxista com uma definição peculiar, pois ele conseguiu apresentar maior número de opções para definir o conceito de hegemonia no quadro de luta contra o bloco capitalista; punha em evidência as contradições da superestrutura, em relação com a evolução da estrutura, naquela sociedade em transição para o socialismo.

A ousadia de Gramsci situava-se no criar princípios estratégicos para uma revolução italiana, considerando as alianças entre os operários e os camponeses, entre cidade e campo, entre proletários e intelectuais, um novo bloco histórico que deveria preparar um processo revolucionário não apenas nacional, mas de abrangência européia. Tal pretensão esbarrou no aspecto da consciência das massas. Ou seja, a cultura era imposta pela superestrutura aos marginalizados da sociedade; transformados em gente sem identidade, não eram reconhecidos como categoria; também o operário, então, desconhecia o camponês como um parceiro na mesma luta.

Gramsci, ao tentar formar um único bloco revolucionário com as massas do sul e do norte da Itália, percebeu que as mesmas não se uniam, e que se enfraquecia a categoria de classe. Nesse sentido, ele se interrogou e fez uma análise do que vira na Rússia após a Revolução de 1917. O bom êxito estava no que foi tema do próprio Lênin em comentário com Gramsci. Foi uma Revolução única, pertencente somente àquele real contexto; tentar fazer algo igual seria inútil, uma vez que cada povo tem cultura e necessidades pertencentes à sua época. A revolução, evidentemente, tem ser cultural, antes do combate corpo-a-corpo.

Diante da busca por obter forças para uma hegemonia, Gramsci consegue detectar o problema do fracasso da revolução no Ocidente. O fracasso deveu-se à separação entre cultura das elites e cultura das massas – separação que é “uma das maiores fraquezas da filosofia da imanência”. Gramsci chega a concluir que não seria possível ter uma homogeneidade ou unidade total de cultura. E se fosse pensada uma cultura para os intelectuais e outra bem diferente para os pobres da

sociedade, ficaria difícil obter uma unidade cultural entre a teoria e a prática. (MACCIOCCHI, 1977, p. 17)

Uma transmissão cultural, através de educação estrategicamente montada para atender os “simples”, resulta em mantê-los numa filosofia do senso comum. Também, por outro lado, incute uma ilusão de concepção superior de vida, visando na verdade enquadrá-los no mercado capitalista de consumo.

A uma educação vinda de cima para baixo, ou seja, de uma superestrutura, faz com que a moral e a conduta, bem como a interação no interior do proletariado mais explorado, se tornem mais subjugados à ideologia e à moral burguesa, pois sua condição miserável e os limites à ascensão os impedem de participar na luta do operário revolucionário. Assim os miseráveis não percebem que, deixando de revolucionar, estão abandonando também a luta pelo acesso ao saber, pela reapropriação da condição democrática e pelo resgate de sua moral.

A intenção dos dominadores é precisamente vincular a classe dos operários e camponeses a uma educação que os constrinja a todos a formas menos modernas de produção e de vida social, encerrando-os numa cultura pré-capitalista. No entanto, e é o outro lado por onde perfilam as idéias de controle e dominação, a educação deve abranger todas as ciências sociais, tecnológicas e filosóficas, reforçando a superioridade cultural individual.

Para Gramsci, a filosofia da práxis é a superação crítica da filosofia idealista da imanência.

“A filosofia da práxis é uma nova forma crítica do imanentismo, que se libertou da forma especulativa e que se determina como imanentismo concretamente histórico” (MACCIOCCHI, 1977, p. 38).

Gramsci consegue, portanto, ser o único teórico de uma revolução no Ocidente, com avançada estratégia teórico-política, se feita uma comparação com processos de revolução socialista da época. Ele oferece o embasamento necessário para os estudos do “capitalismo evoluído” de hoje. Suas concepções o tornam um revolucionário internacionalista, leninista conseqüente até o fim de sua vida; sua experiência dialética, porém, o marcou com originalidade criadora, o que é, aliás, marca dos pensadores marxistas autênticos. Precisamente, ele estudou as

características específicas de um país como a Itália, com um norte industrial desenvolvido em contraste com o sul rural subdesenvolvido e repleto de crises.

Os estudos de Gramsci, a cada dia, se tornam mais atuais e ajudam a entender como os dominantes tentam organizar a cultura para legitimar seu domínio sobre a massa proletária. Um enfoque que tem de ser mencionado em relação ao MST, que hoje tenta, através do movimento das idéias, desagregar o bloco ideológico dominante para uma hegemonia do proletariado. Nesse sentido, é oportuno o recurso a Gramsci, que pôde perceber que toda luta supõe uma organização política com direção revolucionária, num enquadramento ideológico que oferece alternativa à ideologia dominante. Isso não existia na sua época.

O processo de luta de Gramsci sem dúvida o levou a fazer uma autocrítica da sua tarefa revolucionária. O tempo que passou no partido comunista francês, quando ele era estudante, revelara erros táticos com relação ao que devia ser o verdadeiro ataque contra a hegemonia burguesa.

Na concepção materialista histórica, o trabalho e as relações sociais de produção se constituem nas categorias básicas que definem o homem concreto e histórico, os modos de produção da existência, o pressuposto do conhecimento e o princípio educativo por excelência. O conhecimento, enquanto esforço reflexivo por analisar criticamente a realidade e a categoria básica do processo de conscientização, é a atividade prática social dos sujeitos históricos concretos. A atividade prática dos homens concretos constitui-se em fundamento e limite do processo de conhecimento.

A dialética se manifesta na atenção especial para promover um debate político com a população, a formação política da grande massa do povo. As mudanças só podem ser feitas com e para o povo, mas o povo não participa das grandes mudanças se não está convencido delas. Convence, por seu lado, quem conhece a realidade, quem tem idéia das forças que são favoráveis às mudanças e das que são contra elas; quem é aliado solidário na luta por justiça e por direitos humanos e quem conhece quais são as forças renitentes. 1

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CARVALHO, Apolônio. (Tenente, General, combatente republicano na guerra civil espanhola [1936 – 1939] e Fundador do Partido dos Trabalhadores).

A educação desenvolve um papel estratégico para mudar a realidade do educando, promove a vivência coletiva que forme e anime cidadãos comprometidos com sua cultura e com seu país, que se reconheçam sujeitos históricos para a ação transformadora. O Presidente cubano Fidel Castro afirmou aos integrantes do MST: hoje a libertação do povo não se faz com fuzis, mas com lápis e caneta. Líderes do passado, como Lênin, já haviam ultrapassado as propostas de luta armada como forma de resistência, sugerindo que as conquistas se deveriam não mais da “guerra de movimento”, mas da guerra de posição.

O currículo fragmentado, desconectado da realidade do aluno camponês, faz com que a educação formal se torne um veículo de reedição do modelo capitalista. Dessa forma, se buscam modelos alternativos que, contextualizados e flexíveis, garantam o direito constitucional à educação, enquanto também atendam às necessidades do educando e promovam a transformação do seu espaço.

A educação como prática democrática, o coletivo na sua diversidade, tudo isso deve ser considerado a partir do princípio da dialética, e por esse princípio é que se entendem as relações de poder existentes na sociedade e se alcança diferenciar os sujeitos entre si. A ruptura ocasionada pela luta das classes faz com que, na base piramidal, os indivíduos não se reconheçam como sujeitos históricos de transformação, se enfraqueçam a cada instante, se desorganizem devido à perda de identidade com sua cultura.

A revolução cultural, segundo Gramsci, deveria acontecer em dois tempos: primeiro, durante todo o processo de preparação para que os operários tomassem o poder; segundo, a própria assunção do poder pelos operários, uma vez realizadas para isso as condições. Gramsci acreditava que era possível destruir a ideologia dominante a partir do interior das pessoas e que, para isso, era necessária uma preparação.

Gramsci criticava a educação burguesa que separava o trabalho manual do intelectual. Criticava o fato de o poder dominante determinar o que pode ou não ser ensinado para o proletariado. Com isso, reafirma que o conteúdo e a forma aplicados no ensino mudam o contexto histórico de uma classe. Nesses termos, ele diz bem:

“todo mundo é filósofo” (MACCIOCCHI, 1977, p.8) no sentido de que o questionamento e a inconformidade com o meio são características inerentes ao homem. Acrescenta: “... não se trata de introduzir um ex–novo, uma ciência na vida individual de cada um, mas de renovar e tornar crítica uma realidade preexistente” (Ibid., p. 20).

A filosofia da práxis que Gramsci propõe é contrária à posição dos “intelectuais orgânicos” da época, que tendiam a manter os “simples” na sua filosofia do senso comum. Contrapondo-se ao determinismo cultural, Gramsci, com sua práxis, busca elevar o simples a uma concepção superior de vida; procura construir um bloco moral-intelectual que torne politicamente possível um progresso intelectual das massas e não apenas de grupos restritos.

Gramsci afirma:

A filosofia da práxis não busca resolver pacificamente as contradições próprias da história e da sociedade; mas, ao contrário, faz dela teorias; ela não é instrumento que permite aos grupos dominantes obterem o consenso necessário ao exercício de sua hegemonia sobre as classes subalternas; ela é precisamente a expressão dessas outras classes em sua vontade de formar-se na arte de governar, na medida em que elas têm interesses em conhecer todos os aspectos da verdade, mesmo os mais desagradáveis, e em desmascarar os enganos da classe dominante e mais ainda os seus próprios. (MACCIOCCHI, 1977, p. 237).

Enfocado o período histórico de Gramsci, importante para a atualidade da presente pesquisa, se evidencia como alternativa a formação de uma hegemonia do proletariado. E essa hegemonia, antes mesmo de assumido o poder, ou sem acontecer a eventual destituição do bloco hegemônico burguês, já seria revolucionária.

Gramsci é hoje um dos filósofos que pode dar certas respostas, no que diz respeito aos movimentos revolucionários da atualidade. Contrariamente aos grandes líderes, como Lênin e Mao-Tsé-Tung, que passaram para a história como heróis, ele foi participante de uma revolução abortada; na verdade, propôs uma alternativa de revolução, que ultrapassasse o combate corpo-a-corpo e que pudesse, dando um passo adiante, desenvolver um pensamento político para entender e combater as contradições do capitalismo.

A luta contra a pressão do bloco hegemônico dominante é visivelmente registrada na história de resistência do proletariado; é luta desigual, e se chega a colocar em questão qual é mesmo o caminho. Gramsci não só ajuda a compreender

o oprimido (FREIRE, 1987), como dá esperança a ele, e mostra em que direção está apontando e para onde se pode e deve orientar a estratégia revolucionária. Graças à sua experiência, Gramsci fez avançar os pensamentos de Marx e de Lênin, trazendo novas conclusões para o marxismo no Ocidente.

Gramsci teve a sensibilidade de analisar, depois de várias conversas com Lênin, que não havia a possibilidade de seguir as diretrizes colocadas pelos filósofos marxistas naquele contexto onde vivia. Sem dúvida, isso lhe rendeu várias críticas de censura entre os colegas; talvez por isso, não foram traduzidos para o francês muitos dos textos que ele escreveu, em seus Cadernos do cárcere, em torno à questão da educação e da organização da escola.

Talvez lhe tenha conferido um ponto muito positivo o fato de Gramsci ter agido fora das diretrizes estabelecidas; assim, teria visto os erros cometidos pelos filósofos marxistas, cujos estudos não apresentavam um entendimento claro sobre o lado oposto, neste caso os burgueses que a cada dia se fortaleciam.

De acordo com o pensamento de Gramsci, certas escolhas políticas terminam por vincular uma direção hegemônica; daí analisar o íntimo dessas escolhas, colocando a política no posto de comando. Seguindo nesse pensamento, Gramsci cita Lênin e propõe superar-se e passar da idéia da guerra de movimento para uma guerra de posição. (MACCIOCCHI, 1977, p. 27).

Para muitos intelectuais e até líderes revolucionários, o novo pensamento de guerra de posição fez transparecer uma impressão de passividade política; passividade que não acontece, pois em nenhum momento Gramsci renunciava à revolução. A análise, porém, indicava uma evolução mais concreta, baseada numa situação histórica, com articulação nas alianças de classe que se firmam quando cada homem faz a sua história num processo de longa duração.

As idéias de Antônio Gramsci sobre o ensino e a cultura proletária foram muito utilizadas nas greves e insurreições na Itália; foram, porém, pouco mencionadas naquela época e até os dias de hoje. O próprio Gramsci entende que ser ele desconhecido pode fazer parte da dialética nas relações entre os homens: o entendimento das idéias e a própria escolha política repousam numa análise correspondente ao nível da estrutura concreta que a sociedade vive.

“A unidade entre infra e superestrutura, tal como ela é compreendida pelo conceito de ‘bloco histórico’, não exclui a existência de certas defasagens. A filosofia da práxis procede da práxis e não da filosofia.” (Ibid., p. 34).

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