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A conjuntura politica não era tendente a grandes voos. Portugal vive a união dinástica, mas os vianenses estão mergulhados no comércio de longo curso, transportando e vendendo mercadorias entre o Novo Mundo e a Europa do Norte. Na base o açúcar brasileiro. Colónias de vianenses estabelecem-se no nordeste do Brasil, com engenhos, travando conhecimento com os acirrados ataques dos inimigos de Espanha. A urbanização da cidade estava delineada e começava a ser preenchida. O aumento na densidade populacional levou à criação de uma nova paróquia em Monserrate (1621). Viana tinha três paróquias: São Salvador entregue ao cónego cura, a Matriz ao arcipreste e colegiada e a nova de Monserrate com um cónego vigário. A urbe foi então subdividida para efeitos de administração eclesiástica e civil92.

O século XVII pode dividir-se em duas realidades; na primeira metade o dinheiro faz circular a frota mercante à custa do açúcar, na segunda metade de 600 a Princesa mergulha em novo sono letárgico. As guerras das Restauração deixaram o país exangue e Viana não seria excepção. A emigração para o Brasil acelera, o porto morre pelas sucessivas directivas em prol dos do Porto e Lisboa. Ficaram “ os frades e as viúvas de

vivos e mortos”, os endinheirados voltaram-se para a produção do vinho que

exportavam para Inglaterra e os nobres seguiram a carreira das armas.93

As fortunas adquiridas no comércio destinam-se agora a engrandecer os interiores das casas e a afirmar o prestígio em representações de poder. Por esta altura não havia distinção entre grande mercador e banqueiro, desde o momento em que as transacções passaram para o papel; “todos os nobres exercitão a mercancia a uso de Veneza e

Génova contra o costume das mais terras de Portugal que os louvão e não os seguem,

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MOREIRA, Manuel António Fernandes, A Historia de Viana do Castelo…., pp.29/30.

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invejão a felicidade e bons sucessos do trato e não sabem imitar a industria”.94

Longe ía o principio da usura tão condenado pela Igreja. O minhoto apesar de profundamente devoto que as múltiplas confrarias, irmandades e associações religiosas exemplificam e a que pertenciam por vezes em simultâneo, não perdiam de vista o negocio. No seu carácter mercantilista havia espaço para os assuntos da bolsa e da alma. Talvez por isso se tenha enquadrado tão bem com judeus e ingleses, povos igualmente voltados para a religião com uma das mãos e com a outra para a ganância e riqueza95. De resto o pombalismo iria compatibilizar definitivamente a nobreza e o comércio por grosso e em simultâneo aboliu a distinção entre cristãos velhos e cristãos novos, alterando as regras da admissão nobiliárquica96.

Constroem-se e/ou reconstroem-se capelas e jazigos em igrejas, protegem-se confrarias com ofertas valiosas e custeamento de obras. Por seu lado as associações profissionais, também elas detentoras de pequenos templos, lançam-se na renovação dos mesmos: a capela do Santo Homem Bom (hoje da Senhora das Candeias, próximo do rio) dos alfaiates, sirgueiros, tosadores e mercadores; a capela de S.Crispim e S.Crispiniano (hoje de Nossa Senhora do Resgate, na Bandeira) dos sapateiros, curtidores, correeiros e surradores (1620).O dinheiro corria ao sabor da competição e esta ía provocando conflitos como se verificou na matriz, quando as confrarias se lançaram na urgência de novas empreitadas. D.João de Sousa travou alguns projectos que ficaram no papel devido às despesas que considerou dispensáveis. Ao contrário procurou o engrandecimento pela talha e pelo azulejo97.

O Barroco entra em grande nas procissões, reflexo directo da postura controladora da igreja pós Trento. Apostava-se no enquadramento devoto, vigiando e condenando qualquer tipo de pensamento ou desvio. A religiosidade era directamente proporcional ao aparato e os donativos artísticos demonstravam a piedade e o merecimento. O vetusto recolhimento de S.Tiago é reedificado em 166398. Criam-se mais três conventos no perímetro da cidade: o do Carmo do lado sul (1621), mais adiante o de Santo António

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NORTON, Manuel Artur, Fénix Vianneza ou Vianna renascida em o Átrio, (Pedro Couraça), Arquivo Alto Minho, vol.26, Viana Castelo, 1981, p.97

95

SAMPAIO, Alberto, o.c.

96

MONTEIRO, Nuno Gonçalo Freitas, O Crepúsculo dos Grandes (1750/1832), Imprensa Nacional, Lisboa, 1995, p.24.

97

SOROMENHO, Miguel, Renovação urbana e arquitectónica entre os séculos XVII e XVIII: as

reformas da igreja matriz, Monumentos, 22, Lisboa, 2005, p.42 e seguintes.

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(1625) e aquele que mais prometia em termos de dimensão e eruditismo, o dos Crúzios (1628). Dos dois primeiros existem as respectivas igrejas muito modificadas, do último resta um desenho de Luís Figueiredo da Guerra. Estava ainda por terminar quando foi derrubado para se construir a estação ferroviária de Viana. O registo que chegou até nós, do convento de S.Teotónio, pela mão daquele investigador dá a ideia que iria ombrear com S.Vicente de Fora99, tendo de resto autoria de renome, Luís de Frias arquitecto do rei100 então Filipe III. Um outro arquitecto de um outro rei ocupante fizera também obra de defesa, mas esta de cariz puramente material: Filippo de Terzi estivera na remodelação e ampliação da fortaleza da Barra, em 1589, quando a protecção do baluarte passou para a custodia do santo compostelano – Santiago101. Orientaram depois os trabalhos Tibruzio Spanochi e Leonardo Turriano (1596).

Quando Cosme de Medicis visitou Viana, em 1669, curiosamente o cronista registou unicamente a existência de “quatro religiões: cónegos regulares, carmelitas,

franciscanos e dominicanos”102, todas elas masculinas. Por esta altura os mosteiros beneditinos femininos de Santa Ana e de S.Bento seriam visíveis na fisionomia vianense, apesar de estarem ainda longe da dimensão e área que exibiram posteriormente.

1.5 - O Século XVIII e XIX em Viana

Em 700 a cidade entra num ciclo de sobriedade arquitectónica. Falsamente se poderia pensar ser sinonimo de contenção derivada da crise económica que se ía vivendo. No entanto o ouro brasileiro abriu outras perspectivas numa renovação estilística assente no desenvolvimento das estruturas militares. Ganhara-se competência construtiva na solidez das praças fortes. No entanto parece-nos licito pensar que a eterna ligação à Inglaterra que navegava agora na exportação dos vinhos, trouxera o gosto pelo barroco inglês a coincidir com a fisionomia militarizada no trabalho das cantarias. Portugal descobrira o valor dos seus vinhos e a contribuição do Marquês de Pombal alicerçou uma marca conhecida internacionalmente. A demarcação da região do Douro, a

99

PINHO, Isabel Maria Ribeiro Tavares de, A expressão artística dos Cruzios de Viana,….

100

CALDAS, João Vieira, GOMES, Paulo Varela, Viana do Castelo…., p. 65

101

Idem, Ibidem.

102

QUEIROZ, Francisco de, Cosme de Medicis em Viana do Castelo, Arquivo Alto Minho, vol.I, Coimbra, s/d, p.8

primeira em todo o mundo, em prol da qualidade vinícola, atrai sobretudo ingleses que do Porto, onde se radicaram estendem a sua actividade para Viana. Surgem casas comerciais, sucursais de outras da Invicta, para recolherem não só os vinhos locais como para exportarem o próprio Porto. Apesar das condições agrícolas e sobretudo vinícolas serem de muito má qualidade, devido ao desleixo dos lavradores, segundo exemplifica de forma colorida Lima Bezerra, dissertando sobre as opiniões dos seguidores de Adam Smith103, os ingleses encontraram em terras do Lima uma “casta” especial a que davam o nome de “priest port”.104

A indiferença pelas beneces da natureza é ilustrada na forma edificante relatada na Corografia do Padre Carvalho: “e

dentro do convento (S.Domingos)há muita diversidade de chafarizes e fontes de água, com que se podião regar muitos campos se toda nam fora meter no rio Lima, que banha seus muros”.105

Muitos vianenses radicados no nordeste brasileiro enviavam grossas quantias empregues em mansões apalaçadas. Não só nas soberbas edificações mas nos esplendorosos interiores do ouro joanino e do rocócó. As igrejas cobrem-se de ouro e as paredes de azulejos.

As lutas pela independência no século XVII levaram ao desenvolvimento das técnicas construtivas de defesa. Como sempre as guerras geram avanços pela necessidade de suplantar ou pelo menos suster o inimigo. Em termos defensivos a tecnologia de fogo exigiu novas concepções para o que os conhecimentos da engenharia militar passaram a ser teóricos com base em estudos matemáticos. Em Lisboa criou-se uma escola de arquitectura e fortificação que teve à frente Manuel da Maia interventor decisivo na Lisboa Pombalina. Os traçados que o iluminismo propõe são acompanhados de quarteirões de aspecto fortificado.

A posição geográfica de Viana e os problemas da defesa marítima que se lhe impunham obrigaram a uma constante renovação e melhoramento das estruturas militares. Nos finais de 600 está estabelecido em Viana Miguel de l’Ecole, especialista na arte da guerra, que por todo o Minho constrói e reconstrói fortalezas. A necessidade

103

BEZERRA, Manuel Gomes Lima, Estrangeiros no Lima, vol.I, Coimbra, 1735, p.9 e seguintes

104

O Tripeiro, Abril, 1946, ano I, p.277

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deste tipo de edificações chama arquitectos e engenheiros, mas é apenas na cidade do Lima que se cria uma escola congénere à de Lisboa e decalcada dos seus princípios e metas. A Aula de Arquitectura e Fortificação, oficializada em Viana em 1701 deve ter contado na sua raiz com aquele engenheiro francês que fez “escola”, deixando sucessores e seguidores.

Manuel Pinto Vilalobos concerteza lá terá tido a sua formação, regendo inclusivamente alguns dos temas. Aparece no programa de renovação do arcebispado de Braga em 1692, na vigência de D.José de Meneses, mas é sob a égide de D.Rodrigo de Moura Teles, homem de corte, que se vai desenvolver a sua principal actividade no início de 700106.

Os seus conhecimentos eram vastos, abrangendo hidráulica e cartografia. Foi autor de desenhos e traduções de manuais a tratados. Estas competências permitiram-lhe ampliar o seu campo de acção para a arquitectura civil. Em Viana toda a fisionomia da cidade se renovou por acção destas novas técnicas de construir e de transmitir numa estética majestosa, todo o peso de uma ancestralidade instalada. Por toda a cidade e não só ficou a marca dos Vilalobos, três gerações, em que duas delas, as últimas, deixaram-nos os mais belos espécimes da engenharia arquitectural: elegante, funcional e austera por erudita, mas denunciante de poder.

Juntaram-se em finais de 700 os dois últimos mosteiros femininos. Um de vocação profundamente espiritual na esteira da fundadora da sua Ordem, as Carmelitas Descalças (1780), instalado numa zona relativamente remota da cidade, mas ligado a ela pela comprida rua da Bandeira que ficara entre o urbano e o rural dada a sua extensão. O outro com uma vocação iluminista da valorização da mulher enquanto elemento activo da sociedade, as Ursulinas (1778). Este, destinado à educação de meninas, instalou-se numa zona alta e aprazível, como mandaria o pensamento higienicista.

São deste período muitos dos edifícios apalaçados sobre construções anteriores. Algumas, pela dimensão foram posteriormente utilizadas para equipamentos públicos, nomeadamente o edifício onde se instalou a Câmara. Apresenta uma fachada arrumada

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e metódica a indicar um pensamento organizado de militar que procurou pôr ordem numa decoração heterodoxa, numa construção antiga. Aquele Manuelino que nunca deixou Viana, obrigando a rearranjos para se enquadrar nos sucessivos “modernos”.

O último fôlego do século XVIII assistiu em Viana à extravagancia do Rocócó. Obras de grande envergadura como o retábulo do Rosário em S.Domingos, da autoria de André Soares e o da Senhora da Agonia do mesmo autor, servem de exemplo. Atribuída ao grande artista bracarense é a concepção da igreja das Malheiras, que remata de forma pouco ortodoxa o palacete Malheiro Reimão. A antiga Praça das Couves transformou-se num dos pontos mais carismáticos da cidade pela articulação que o conjunto construído ocupa. A simetria foi ali completamente obliterada, produzindo uma solução eficaz em termos urbanos e esteticamente plena no pensamento da época.

No século XIX há recorrência do neo-manuelino e no século XX vai sendo utilizado de forma nostalgica. O século XXI está no início e não permite avaliações, no entanto a Princesa do Lima modernizou-se e a sua internacionalização conta agora com uma base cultural globalizante.

1.6 – O Casco Velho da Cidade – desenhos de F.Guerra DESENHO 1 Legenda: Vianna em MD (1500) a – Atafonas; b – Porta da Piedade. c – Poço;

d – Hortas do Campo do Forno; e – S. Tiago; f – Eirado; g – Torre de Menagem; h – Postigo; i – Rio Lima; j – Ribeira; l – Picote; m – Hospital; n – Bandeira.

AMVC – arquivo não classificado de Figueiredo da Guerra

a) b)

AMVC – arquivo não classificado de Figueiredo da Guerra d) c) f) g) e) h) i) j) l) m) n)

DESENHO 2 Legenda: a – Campo do Forno; b – Porta de S.Thiago; c – Porta da Piedade; d – Porta de S.Fillipe; e – Porta da Ribeira; f – Rua da Picota;

g – Hospital Pero Gallego (na vertical Rua do Hospital); h – Rua Grande (de muro a muro);

i – Rua Cega (de muro a muro); j – Rua do Caes (de muro a muro); l – Fornos d’Baixo;

m – M. da Rochas; n – Rua do Poço;

o – Rua do Tourinho (Tourinho); p – Judiaria;

q – Fornos de Cima;

r – Câmara – João Velho – Alpendre;

a) b) c) d) f) e) h) g) i) l) m) n) j) p) q) r) o) s) t)

s – Praça – Matriz; t – Vianna no século XV perímetro 660 m Raio médio 100 m NOTA:

As ruas Grande, Cega e do Caes vão de muro a muro, bem como a da Praça.

Capítulo 2 - AS ORIGENS DOS MOSTEIROS BENEDITINOS FEMININOS DE

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