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4.3 O Modelo de Educação Profissional Adotado pelo SENAI na Vigência do

4.3.2 Séries Metódicas Ocupacionais

Como suporte para a condução do aprendizado, a instituição fez uso das Séries Metódicas de Oficina (SMO), que foram introduzidas no SENAI, já nos primeiros anos de atuação, através do então Diretor Regional do SENAI São Paulo, Roberto Mange. Por sua experiência como Diretor-Geral do Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional da Estrada de Ferro Sorocabana, Roberto Mange já fazia uso das SMO23. As “Séries Metódicas”, como ficaram popularmente conhecidas, tinham por base “uma dinâmica de crescimento progressivo de dificuldades para a execução das operações típicas dos ofícios e que se repetiam seqüencialmente e se associavam a novas operações na medida do desenvolvimento do programa” (BOCLIN, 2005, p. 32). Eram complementadas pela “Análise Ocupacional”, que tinha, fundamentando-se nos princípios tayloristas de produção, como propósito

desagregar as atividades de uma mesma ocupação, em empresas selecionadas, detalhando as operações que a compunham, passo a passo, e indicando os equipamentos, máquinas, ferramentas e materiais empregados e as habilidades e conhecimentos necessários à sua perfeita execução. Estas operações eram dispostas em ordem crescente de complexidade, e reunidas umas às outras davam forma a um produto acabado que se denominaria tarefa.

Progressivamente, as tarefas eram construídas associando operações repetidas e operações novas, e assim sucessivamente, até completar todas as operações de uma ocupação, com muitas repetições [...] e que, quando concluída a sua aplicação, permitiria o pleno domínio de 23

Boclin (2005; p. 55) afirma que o uso das Séries Metódicas baseou-se em experiências européias, mas não se pode afirmar com segurança as condições e o período em que surgiram. Afirma, porém, que sua origem encontra-se relacionada aos estudos de um especialista da educação russo: De La Voz. Embora não haja evidências suficientes de que tal especialista seja o criador das SMO, na Biblioteca da OIT, em Genebra, existe “a citação a um projeto desenvolvido em 1934 pelo referido profissional ao elaborar uma SMO para um curso de Marcenaria, na Rússia”.

uma ocupação, uma vez que uma nova tarefa só seria executada após a aprovação expressa da anterior(Idem, p. 55-56).

Posteriormente, no final dos anos 60, As “Séries Metódicas” sofreram algumas modificações propostas pelo Departamento Regional do Rio de Janeiro, com vistas ao aperfeiçoamento do processo ensino-aprendizagem. A partir dessas modificações as SMO passaram a ser constituídas por:

a) Folha de Informações Tecnológicas, que continha as informações de caráter técnico e tecnológico necessárias para a execução de determinada tarefa, representando, então, o plano de aula do professor;

b) Folha de Informação Complementar, que objetivavam, através de exemplos, a demonstração dos procedimentos de uso das ferramentas e dos equipamentos; e

c) Folha de Tarefa, na qual o aluno elaborava o roteiro de tarefas de acordo com as informações tecnológicas repassadas pelo professor.

Na prática educacional, esse formato de Séries Metódicas Operacionais expressava-se por meio de quatro fases: estudo da tarefa, demonstração das operações novas, execução da tarefa pelo educando e avaliação.

Em sala de aula, o professor repassava o conteúdo da Folha de Informações Tecnológicas, entregando posteriormente ao aluno a Folha de Tarefa. Nessa etapa, o aluno deveria preencher o roteiro da tarefa de acordo com as informações contidas na Folha de Informações Tecnológicas. Depois da elaboração do roteiro, alunos e professor encaminhavam-se para a oficina para o estudo da Folha de Informação Complementar, que consistia nas demonstrações do professor sobre o modo correto de executar cada uma das operações básicas que a ocupação ou tarefa requeria (ligar,

desligar e operar uma máquina, apresentação e uso das ferramentas adequadas para a execução da tarefa), ao mesmo tempo em que o aluno executava o roteiro de tarefa desenvolvido em sala de aula. Na execução das tarefas, era solicitada ao aluno a aplicação dos conhecimentos obtidos tanto nas folhas de informação como na demonstração do instrutor, ao passo que este, através do acompanhamento, ia corrigindo os possíveis erros apresentados pelo aluno. No momento da avaliação, considerava-se

a compreensão do conteúdo das [folhas de informação], a transferência do conteúdo para a aplicação prática, o uso correto de ferramentas, o manejo da máquina, a iniciativa [do aluno], seu comportamento ante pequenas falhas ou dúvidas (KALIL, idem, p. 35-36).

Note-se, já haver uma preocupação com o comportamento, a iniciativa do aluno e a atenção a pequenas situações-problema, tais como falhas e dúvidas.

Tal modelo de educação era reproduzido em âmbito nacional, sobretudo no SENAI-PE. Sobre a utilização e a importância que as Séries Metódicas de Oficina representaram para o modelo de educação profissional adotado durante o fordismo/taylorismo, assim se expressou um técnico do SENAI-PE:

O modelo que o SENAI até então adotava, era um modelo muito

centrado no ensino da tarefa, né, o aluno aprender a executar as

tarefas típicas da ocupação que ele tava aprendendo, por exemplo, um ajustador mecânico, né, um mecânico de manutenção... Existia um conjunto de tarefas que precisavam ser aprendidas pelos alunos, né, e essas tarefas eram bem típicas da ocupação correspondente, né, o modelo se caracterizava principalmente por isso aí... e era apoiado

naquilo que a gente chamava de ‘Séries Metódicas Educacionais Ocupacionais’. Então, as ‘Séries Metódicas’ são materiais, assim,

excelentes, porque elas deram pra o docente, né, toda uma condição, né, de atuar pedagogicamente, mas sem necessariamente ele ter que ser um especialista em educação. Muitos dos nossos docentes na época eram docentes, pessoas práticas que vinham da indústria, que tinham uma grande experiência prática [...] e que se dispunha a passar esse conhecimento para os alunos aqui no SENAI, então [...] as

‘Séries Metódicas’, elas desempenharam papel, assim, importantíssimo, né, porque elas vinham a ser muito detalhadas, davam todo o roteiro, davam toda orientação, tanto pro aluno

quanto para o docente, de como ele deveria trabalhar (Analista de Educação Profissional).

Durante mais de 50 anos, o SENAI, inclusive o Departamento Regional de Pernambuco, utilizou as SMO como uma cartilha para o instrutor e para o aluno. Uma vez que a preocupação maior era preparar o “homem-boi”, para usar a expressão de Ricci24, ou seja, o trabalhador “adestrado” e, em certa medida, “desantropomorfisado”, as SMO funcionavam perfeitamente bem como instrumento de preparação desse trabalhador. Compreendiam “todo o roteiro de aula” do instrutor25 e deixavam claramente definidas as atribuições do aluno, deixando bastante evidente a oposição planejamento x execução. Eram consideradas “excelentes” justamente porque não exigiam que o SENAI focalizasse a preparação do educador, o que reduzia os custos com treinamento na área pedagógica ou áreas afins. Bastava apenas a presença do instrutor, que recitava ao aluno as instruções a serem seguidas até a conclusão da tarefa.

Às tarefas, acrescentavam-se aulas de Cálculo Técnico, Leitura e Interpretação de Desenho Técnico, Português, Matemática e Ciências Aplicadas. O currículo distribuía-se em dois turnos diários, totalizando oito horas, que teriam uma duração aproximada de mil e seiscentas horas. No SENAI-PE e em outros Departamentos Regionais, durante as décadas de 1970 e 1980, houve o que se denominou “Equivalência”, em que o aluno menor fazia o curso de formação profissional no SENAI e cursava concomitantemente, também no SENAI, as disciplinas que correspondiam ao antigo primeiro grau, com o propósito de fornecer uma educação de cunho mais generalista.

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Ver capítulo 1.

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Foi somente depois da reestruturação do modelo de educação profissional no SENAI que o professor passou a ser chamado de docente.

As SMO funcionavam como uma espécie de pacote para o docente, cujo conteúdo compreendia o roteiro de aula do professor e o roteiro de atividades do aluno. E, nesse sentido, tanto professor quanto aluno deveriam apenas cumprir as determinações contidas nas SMO, não havendo necessidade de intervenção do professor, inclusive, no planejamento de sua aula. Reproduzia-se então o modelo fordista de produção massificada: aulas conduzidas de maneira idêntica, cujo objetivo era formar profissionais que em nada diferiam um do outro, prevalecendo a certeza e a estabilidade.