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Mateus (1994) descreve a sílaba como um objeto multidimensional que apresenta uma estrutura interna organizada hierarquicamente, na qual o ataque e a rima fazem parte de uma ramificação binária. A autora argumenta que existem razões empíricas que sustentam o comportamento autónomo desses componentes silábicos. Além disso, há uma ligação entre os componentes internos que compõem cada constituinte e essa organização é responsável por suster a estrutura ramificada. Mateus utiliza o esquema seguinte para representar a estrutura interna da sílaba a nível fonológico:

(21) σ ← fiada da sílaba O R ← fiada da rima X X X ← fiada do esqueleto

s ɔ ɫ ← fiada dos segmentos

Adaptado de Mateus (1994: 3)

Numa perspetiva da aquisição, Freitas e Santos (2009) descrevem a sílaba como um constituinte que faz parte de uma hierarquia prosódica que a seguir se apresenta:

(22) Enunciado Grupo Entoacional Grupo Acentual Palavra Sílaba Segmento Freitas e Santos (2009: 19)

Com base na representação acima, as autoras afirmam que a estrutura da sílaba é composta por segmentos que pertencem a um nível imediatamente inferior, o nível segmental. As autoras adotam o modelo ataque /rima, sendo que a rima se divide em núcleo e coda. Estes constituintes são preenchidos por:

 Ataque - quando preenchido é sempre por consoante ou sequências consonânticas legítimas;

 Núcleo - pode ser preenchido por vogal ou ditongo;

 Rima - ramifica em núcleo e coda que pode ou não ser preenchido;

 Na posição de coda, o PE apenas admite as consoantes [, , , ].

(23) σ A R Nu Cd X X X s ɔ ł Adaptado de Freitas e Santos (2009: 24)

Do mesmo modo que Ohala (1996), Mateus e Andrade (2000) reconhecem a sílaba como uma construção percetual, criada na mente a partir do que se ouve, pois os falantes têm a perceção, mesmo que intuitiva, da existência da sílaba.

A sílaba em Mateus e Andrade (2000) é considerada como um objeto multidimensional, provido de estrutura interna organizada de forma hierárquica, em que o ataque e a rima fazem parte de uma estrutura ramificada. Nessa perspetiva, os constituintes silábicos comportam-se autonomamente.

No PE qualquer consoante pode ocorrer em ataque simples em início de palavra e entre vogais. As consoantes palatais o [ɲ] e [] ocorrem raríssimas vezes em princípio de palavra.

Em ataque ramificado pode ocorrer uma sequência de duas consoantes, no entanto, está sujeita a restrições: oclusiva+líquidas. Vejamos os exemplos abaixo:

(24) Exemplos de Ataque Simples e de Ataque Complexo.

Ataque simples Ataque complexo

Início de palavra Meio de palavra Início de palavra Meio de palavra

pala [pálɐ] mapa [mápɐ] prato [pɾatu] comprar [kõpɾaɾ]

bom [bṌ] vaga [vágɐ] branco [bɾãku] abraço [abɾasu]

fala [fálɐ] rato [Rátu ] trapo [tɾapu] retrato [ɾetɾatu]

som [sṌ] caça [kásɐ] droga [dɾɔ#ga] sindroma [sĩdɾoma]

zelo [zélu ] cola [kɔ#lɐ] cravo [kɾavu] acre [akɾe]

chá [ʃá] malha [máʎɐ] graça [gɾása] regra [Rɛ#gɾa]

lá [lá] sumo [súmu] plano [planu] repleto [ɾeplɛ#tu]

lhano [ʎɐ#nu] carro [káRu] bloco [blɔ#cu] ablução [ablusãu]

nata [nátɐ] vinho [víɲu] claro [kláru] recluso [ɾekluzu]

mãe [mj̃] dúvida [dúvidɐ] glande [glãdi] aglomerar [aglomeɾaɾ]

Adaptado de Mateus e Andrade (2000: 40)

O constituinte rima também pode ramificar (considerado complexo) quando possui dois elementos: vogal seguida de glide. A sequência VG pode ser oral ou nasalizada e constitui a única estrutura considerada pelos linguistas como ditongo.

Na descrição de Mateus e Andrade (2000: 39-57), a coda silábica admite apenas as consoantes [, , , ]. É necessário referir aqui que a sequência de uma vogal alta seguida de uma outra vogal qualquer pode ser silabificada ao nível fonético de duas formas possíveis que a seguir apresentamos.

(25) Representação fonológica intermédia da palavra /i/

a. Silabificação de [i] (i. e. com [i])

σ σ σ A R A R A R Nu Nu Nu Cd   i    

b. Silabificação de [] (i. e. com [j])

σ σ A R A R Nu Nu Cd       

Adaptado de Mateus e Andrade (2000: 51)

A realização fonética do /i/ como vogal ou glide conduz, conforme vimos em (25a) e (25b), a duas divisões silábicas diferentes: no primeiro caso com três sílabas e no segundo com duas. Note-se que a sequência glide – vogal (GV) não constitui ditongo no Português daí que na representação em (25b), a primeira sílaba apresenta um ataque complexo (CCG) no qual a G está integrada. Mateus e Andrade (2000) consideram que a não nasalização da G constitui um argumento a favor da sua inclusão no Ataque (se fosse realizada com nasalização, poderia levantar-se a hipótese de pertencer ao ataque).

Note-se que no caso dos ditongos, a nasalidade estende-se à V e à G que pertencem ao constituinte núcleo.

(26) Representação da palavra pião [piw]

σ σ A R R p i +  w Mateus e Andrade (2000: 50)

Mateus e Andrade (2000) chamam a atenção para o facto de que qualquer análise linguística deverá fazer a distinção entre a sílaba fonética e a sílaba fonológica. A sílaba fonética no PE aceita acumulações de consoantes que não são possíveis ao nível fonológico. Veja-se, por exemplo, a palavra desrespeitar [dʃRʃpjt´aɾ] que acumula cinco consoantes seguidas em posição de Ataque.

No presente estudo, assumimos com Mateus e Andrade (2000) que é absolutamente necessário fazer a distinção entre sílaba fonética e sílaba fonológica para o entendimento do funcionamento da epêntese. Conforme iremos verificar nas seções que se seguem, a determinação do lugar da epêntese depende da silabificação fonológica, mais precisamente da determinação das consoantes que não podem ser integradas, numa primeira silabificação, na estrutura silábica.

2 EPÊNTESE

A inserção vocálica observa-se em várias línguas do mundo. São referidos de seguida apenas alguns trabalhos, que descrevem o fenómeno em diferentes enquadramentos teóricos, sem uma ordem específica.

Este estudo tem como foco a epêntese que é um processo fonológico no qual é inserido um segmento entre sequências consonânticas que não estão em conformidade com o Princípio de Sonoridade14 (doravante PS) e com a Condição

de Dissemelhança15 (doravante, CDiss.)

O fenómeno de inserção vocálica é objeto de estudo não apenas no PB (Collishonn, 1996 e 2000; Bisol, 1999; Cristófaro & Almeida, 2008; entre outros), como também em outras línguas. Itô (1986, 1989) investigou o mesmo fenómeno no japonês, Ramirez (2006) realizou um estudo sobre a epêntese num dialeto espanhol, Hristovsky (2000, 2003) confirmou a existência de um [] epentético no Búlgaro; Scheer (2006) analisou a epêntese nas línguas eslavas. No PE temos trabalhos de Mateus e Andrade (2000), Freitas e Santos (2009), entre outros.

Este trabalho estuda especificamente a inserção denominada por Epêntese Vocálica Inicial e Medial (quando tratamos da epêntese inicial trata-se da primeira sílaba e não da epêntese em inicio de palavra). Esse processo existe em várias línguas e pode ser motivado por diversos fatores. Nesta secção apresentaremos os conceitos e as motivações existentes em diversas línguas, como também no PB e no PE.

14 Princípio de Sonoridade, segundo esse princípio, a sonoridade dos segmentos de uma sílaba

devem decrescer a partir do núcleo até as suas extremidades. (Vigário & Falé, 1993: 473)

15 A Condição de Dissemelhança deve estabelecer para cada língua, qual o valor da diferença

de sonoridade que os segmentos adjacentes pertencentes a mesma sílaba precisam manter entre si. (Mateus & Andrade, 2000: 41)

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