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Síntese da análise sobre os modos de vida

No documento Modos de vida de jovens na Madeira (páginas 154-159)

Da análise feita às dez entrevistas a jovens de diferentes condições sociais, conjugada com a análise dos dados obtidos do inquérito por questionário, procedemos à elaboração de uma síntese (quadro 3.1) que permite uma leitura dos modos de viver de jovens madeirenses, pela utilização das seis categorias de análise utilizadas no tratamento de

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cada uma das entrevistas, categorias essas construídas com base nas dimensões mais significativas da vida dos jovens, sugeridas por A. Costa (1999).

Quadro 3. 1 - Síntese de análise dos modos de vida

Categorias de análise Observação

Manifestações nucleares da vida quotidiana que preenchem a estrutura ocupacional.

Como elemento nuclear entre as rotinas da vida diária referido por todos os inquiridos, independentemente da categoria de classe a que pertencem, a atividade profissional ou paraprofissional (estudantes) é considerada a rotina principal. No âmbito dos lazeres, é relevado um ritual que marca uma dimensão tradicional de prática cultural na Madeira, - os arraiais - cuja frequência mobiliza

transversalmente os jovens de todas as condições sociais. Outra rotina que marca indistintamente a presença dos jovens, tornada palco da vida social juvenil, é a ida à poncha – poncha é uma bebida tradicional madeirense feita com aguardente e mel de cana-de-açúcar, e sumo de limão, mas cujas versões mais inovadoras ou modernistas, pelo

exponencial crescimento da sua popularidade, começa a ser apresentada com a mistura de outros sumos de fruta. Ir à poncha representa claramente um gesto convivial que marca a dupla identidade dos entrevistados como madeirenses e como jovens.

No contexto do lazer, os jovens de baixas condições sociais reclamam da incapacidade financeira para estarem ausentes de espaços de lazer que gostariam de frequentar mas que não o fazem por limitações dos seus recursos.

152 Perceção e

envolvimento em aspetos da vida coletiva.

De forma nítida, observam-se três modos de pensar e agir no domínio do espaço social, caracterizados por diferentes níveis de classe social.

1. Jovens com condições de vida mais limitadas consideram que o seu modo de agir deve atender às obrigações a que estão condicionados, indiciando uma subordinação aos poderes como salvaguarda de solução de vida.

2. Jovens de grupos familiares de classes médias

empenhados nos seus processos de mobilidade social, consideram agir em função de circunstâncias

diferenciadas: no quadro dos processos formais, consideram adequada a subordinação às regras independentemente de concordarem ou não; no

quadro da vida privada, consideram prioritariamente o princípio do prazer como referência dos seus

comportamentos.

3. Os jovens que integram agregados familiares com boas condições de vida e ambiente familiar bem estruturado, onde a cultura da reflexividade crítica está presente, e sensível à problemática da

solidariedade, consideram que os seus modos de viver resultam, fundamentalmente, das convicções que as suas experiências de vida consolidaram.

É neste grupo de jovens que se observa a presença de uma consciência social atenta ao imperativo da solidariedade e à importância do reflexo da qualidade da dimensão coletiva, na qualidade da sua própria dimensão individual. Está clara a ideia de que, quanto melhor for o bem-estar do coletivo, melhor será o bem-estar individual.

153 Importância das

fontes de recursos materiais.

Duas visões distintas sobre os mecanismos de obtenção dos recursos materiais: os jovens que cresceram com carências de recursos materiais olham o trabalho fundamentalmente como mecanismo de sobrevivência material -“As pessoas que dizem que se realizam no trabalho acho que se estão a enganar a si próprias” (Nélio Maduro); alguns jovens que integram agregados sem constrangimentos materiais e em contextos familiares positivos, consideram ser o desempenho de uma profissão uma forma de pertença, de identificação e participação – “De outro modo, que valor teria a nossa

existência?” (Jorge Abreu) ”é uma forma de viver onde eu me posso realizar como pessoa” (Maria Francisca).

Importância relativa da crença e da espiritualidade.

Na importância da crença nos princípios como razão para os empenhamentos, existem claramente dois tipos de

abordagens: o jovem que considera não haver muito em que pensar porque as coisas são como são - “Eu acho que às vezes o problema é quando pensamos demais na razão das coisas. As coisas são como são e cada um tem a sua forma de ver e pronto“ (Manuel Correia); predominando os jovens que pensam ser determinante dos seus empenhamentos a crença nos princípios que os determinam -

“Em regra, não tenho comportamentos gratuitos” (Jorge Abreu).

Na dimensão espiritual, seja ligada à religião ou à

superstição, aqui também duas formas de entender: Os que não consideram a dimensão sobrenatural como uma

referência da sua conceção de vida, mas respeitam a

importância dessa crença como mecanismo equilibrador das tensões que o mundo material provoca nas pessoas; os que

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consideram a dimensão sobrenatural não questionável e, simultaneamente, uma crença que induz conforto espiritual e responde aos desagrados do mundo terreno - “Para mim, assenta num quadro de dogmas que aceito e que preenche um espaço da minha espiritualidade. E conforta-me sentir a influência dessa dimensão.“ (Ana Figueira).

Nesta categoria de análise, não foi observada nenhuma relação significativa de pertença de classe para caracterizar diferentes formas de encarar a questão.

Significação do presente e projeto do futuro.

Para os jovens estudantes observam-se dois tipos de

preocupações: os que estão preocupados com a ideia de que para conseguir emprego no futuro é fundamental adquirir uma qualificação; os que encaram a sua condição de

estudantes como projeto de vida para o desempenho de uma atividade profissional que os realize como pessoas.

Outra dimensão de preocupações, respeita aos jovens que já não são estudantes e, nesse caso, o lugar-comum que reflete o pensamento sobre o presente e o futuro, prende-se com a salvaguarda da garantia do emprego ou do projeto

profissional, mais do que pensar o projeto de família. - “O meu projeto de vida é não perder o emprego, que é o mais importante, depois logo se vê” (Leonardo Almada).

155 Entendimento sobre

a condição de jovem.

Entre todos os juízos formulados sobre o modo de ser jovem, as respostas dadas por dois dos entrevistados, sintetizam o entendimento sobre tal condição:

. Jorge Abreu, 21 anos, estudante do 3º ano de psicologia - “Não tenho dúvida que vivo a vida pela condição de ser jovem. Tirando as responsabilidades com o meu curso, não tenho responsabilidades com outras pessoas que dependam de mim; não integro preocupações de subsistência em todas as dimensões das condições básicas de vida; não defini limites a uma estrutura de vida formal. Ou seja, tudo está em aberto. Estou ainda no palco dos sonhos e das utopias; em resumo, tenho ainda uma larga esfera de liberdades”.

. Manuel Correia, 24 anos, empresário comercial – “Eu penso que, ser jovem, corresponde à forma como levo a vida: convivo regularmente com amigos, não tenho grandes compromissos para com outras pessoas, frequento os locais onde predominam os jovens e procuro levar a vida colocando o prazer de fazer as coisas à frente da obrigação”.

No documento Modos de vida de jovens na Madeira (páginas 154-159)